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Propostas: Para se comunicar com as pessoas

Lina Bo Bardi dedicou-se a diversas atividades, do design de objetos a projetos urbanísticos, todos preocupados com a interação com o público

TEXTO MARIANA LACERDA
FOTOS PIO FIGUEIRA

01 de Dezembro de 2014

Foto Pio Figueiroa

[conteúdo vinculado à reportagem especial | ed. 168 | dez 2014]

"Eu nunca quis ser jovem.
O que eu queria era ter história. Com 25 anos, queria escrever memórias, mas não tinha matéria.”

Em seu “currículo literário”, um texto que reúne anotações biográficas (publicado no livro Lina Bo Bardi — São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M Bardi, 1993), ela narra o seu percurso. “Meu anjo da guarda foi um soldado”, conta.

De pulso forte, Achillina di Enrico Bo Bardi, nascida no dia 5 de dezembro de 1914, gostava de trabalhar no próprio canteiro de obras e de se comunicar diretamente com toda a gente. Preferia os croquis às plantas arquitetônicas, pois isso a ajudava na comunicação. “Trabalho total das oito da manhã até meia-noite, sábados e domingos incluídos. O trabalho: desde o design de xícaras e cadeiras, desde a moda, isto é, roupas, até projetos urbanísticos (…)”, anotou ela, que, ao longo de sua trajetória, também assinou arquiteturas cênicas para peças teatrais, como Na selva das cidades (1969), direção de José Celso Martinez, amigo a quem Lina foi apresentada por Glauber Rocha.

Em 1946, veio o casamento com Pietro Maria Bardi, “admirador desde menina-soquete no tempo do Liceu Artístico de Roma”. No mesmo ano, a partida de uma Itália em ruínas. “A chegada no Rio de Janeiro, de navio, em outubro. Deslumbre. Para quem chegava pelo mar, o Ministério da Educação e Saúde (Lúcio Costa, 1945) avançava como um grande navio branco e azul contra o céu. (…). Me senti em um país inimaginável, onde tudo era possível”, anotou Lina que, em 1951, naturalizou-se brasileira.

Lina e Pietro escolheram São Paulo como morada (Pietro foi convidado para dirigir o Museu de Arte de São Paulo). Em um bairro chamado Morumbi, ainda bastante inabitado, os dois construíram sua residência em 1951, uma casa suspensa no ar – apesar de sustentada por colunas de ferro e envolta por painéis transparentes, que fizeram com que moradores populares da região a chamasse de Casa de Vidro (tombada em 2007 pelo Iphan). Aquele que está dentro da casa vivencia o seu entorno (a natureza), e vice-versa. Nela, “estamos muito próximos da ideia lecorbusiana de ‘o exterior é sempre um interior’, escreveu a pesquisadora Olivia de Oliveira, em seu livro Lina Bo Bardi – obra construída (editora Gustavo Gilli, 2014).


Erguida em 1951, numa área até então pouco habitada, é sustentada por colunas de ferro e envolta por painéis transparentes

E lá estão, logo na entrada da Casa de Vidro, as pedrinhas incrustadas em pisos e muros, marca singela de Lina (“O meu amor pelo Brasil acordou de forma potente o meu amor pelas pedras”, escreveu ela), que compõem alguns de seus projetos, entre eles o do Sesc Pompeia. “Lina dizia que toda pedra é preciosa”, conta André Vainer, arquiteto que trabalhou ao seu lado.

A Casa de Vidro, por meio do Instituto Lina Bo e Pietro M.Bardi, é a guardiã de seu acervo. Visitá-la é encontrar o olhar e a história de Lina em suas coisas, pequenas e grandes, que ela recolheu pelo mundo ou criou, moldou, ao longo de sua trajetória.

Logo na entrada da casa, está a Cadeira de Beira de Estrada (1967), composta por toras de madeiras amarradas com cipó. Lina acreditava e defendia que o design brasileiro deveria nascer também a partir de nossas expressões mais simbólicas. “Antes de enfrentar o problema industrial do design em si mesmo, você tem que enquadrá-lo dentro de um contexto sociopolítico-econômico, na estrutura do lugar, do país, no caso, o Brasil”, anotou.

Nesse sentido, foram pensados muitos dos móveis projetados por Lina e atualmente expostos na Casa de Vidro, na mostra Mobiliário de Lina Bo Bardi, tempos pioneiros, com curadoria de Sergio Campos e em cartaz até 6 de dezembro.

Em suas criações em mobiliário, Lina prezava pelos materiais simples, em comunicação com a cultura local, como uma lona de rede, por exemplo, presente na Cadeira tripé (1948), ou a Cadeira conduíte (1949), que utiliza tubulações de ferro, usadas em sistemas elétricos em sua estrutura. Com seus móveis, Lina termina por inaugurar o design moderno de mobiliário no Brasil, indo além dele, “pois suas referências são cada vez mais profundas”, diz Sergio Campos.

Segundo ele, sua forma de criar e entender mobiliário influenciará de forma determinante a história do design brasileiro, espelhando-se no trabalho de designers referenciais de móveis do país: José Zanini Caldas (1919–2001), Geraldo de Barros (1923–1998) e Sérgio Rodrigues (1927–2014). 

MARIANA LACERDA, jornalista e cineasta, autoras dos curtas Menina Aranha e Pausas silenciosas.
PIO FIGUEIROA, fotógrafo.

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