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Os desencontros do mercado

TEXTO Cristiana Tejo

01 de Agosto de 2013

Foto Augusto Gomes/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 152 | agosto 2013]

Fazia seis anos que eu não ia à SP-Arte, feira de arte de São Paulo. Não via o motivo de ir a uma feira de arte, já que não era mais responsável pela coleção de um museu e prefiro visitar artistas em seus ateliês, ou ver um trabalho num contexto mais aprofundado, como numa mostra individual, mesmo que seja numa galeria de arte. No ano passado, por conta de uma exposição da qual eu estava fazendo a curadoria em São Paulo, num período muito próximo à SP-Arte, fui perguntada várias vezes se ficaria para a feira. Impressionou-me a recorrência dessa pergunta, já que, para mim, o grande momento de encontro do mundo da arte em São Paulo era durante a Bienal, o que ocorreria em setembro do mesmo ano.

Apenas alguns meses depois, quando de minha participação na curadoria da sessão Solo projects – Latin America da feira ARCO de Madri, dei-me conta de que as feiras de arte têm se transformado num ponto de encontro dos agentes do mundo da arte e fórum de reflexão sobre a arte contemporânea, e não apenas uma estância de venda. Curadores, críticos e pesquisadores são convidados para palestras e trocas de experiências e cada vez mais para fazer a curadoria de exposições ou de seções dentro das feiras. Muitas vezes são convidados apenas para prestigiá-las e conhecerem os artistas expostos; e essas viagens, cada vez mais frequentes, dividem espaço na agenda com bienais mundo afora.

Sim, muita coisa tem mudado na esfera da visibilidade e da legitimação da arte contemporânea e eu é que não conseguia dimensionar. Notava que, concomitante ao aumento do interesse internacional pela arte brasileira, estava ocorrendo o desmantelamento de políticas culturais implementadas no governo Lula e que atingiam principalmente lugares em que a atuação do setor privado é precário. Observava, em especial, em Pernambuco, o arrefecimento do fomento a ações e a projetos que foram imprescindíveis para a dinamização do circuito de arte, colocando o Recife no patamar de uma das principais cidades para a arte contemporânea no Brasil. Enquanto lamentava a precarização das instituições locais e a crescente incapacidade dos museus pernambucanos de colecionar a própria arte pernambucana, o mercado de arte crescia e se concentrava cada vez mais no eixo Rio–São Paulo. A solidificação e a profissionalização do mercado de arte em si são muito positivas. O problema é quando há o desencontro com a esfera institucional e gera uma assimetria de poder que perpetua a discrepância de acesso a acervos, à informação e à tomada de decisões.

NÚMEROS
Durante a SP-Arte deste ano, a pesquisadora Ana Letícia Fialho apresentou os resultados de sua investigação setorial Mercado de arte contemporânea no Brasil, encomendada pela ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), organização de galerias de arte e do Projeto Latitude, que visa à internacionalização da arte brasileira. A radiografia que emerge dos dados coletados por ela corroboram o desequilíbrio de forças que estamos vivendo no país.

O universo pesquisado foi de 45 galerias que responderam à pesquisa (o projeto abrange 52 galerias). Dessas, 38 localizam-se no eixo Rio–São Paulo (sendo 12 no Rio de Janeiro e 26 em São Paulo) e as restantes estão em Belo Horizonte (4), Porto Alegre (1) e no Recife (1). Das 48 galerias pesquisadas, 50% foram criadas a partir de 2000 e representam hoje cerca de 1.000 artistas, entre brasileiros e estrangeiros.

Entre 2010 e 2012, foram implementadas 11 galerias de arte, e o crescimento do setor entre 2010 e 2011 foi em média de 43,5%. A média de preço das obras de menor valor era, em 2011, de R$ 1 mil. Em 2012, esse valor passou para R$ 2 mil. A média de preços das obras de maior valor passou de R$ 400 mil, em 2011, para R$ 710 mil, em 2012, uma valorização de quase 100%.

E quem compra a arte contemporânea brasileira? É nesse tópico que fica evidente o descompasso entre setor privado e setor público, entre o colecionador individual e o institucional. 70% dos clientes são colecionadores privados brasileiros; 12% são colecionadores privados estrangeiros, 5% são instituições no Brasil, 5% são empresas nacionais, 3% são instituições internacionais e 5% são empresas internacionais, fundos de investimento e outros. Ou seja, pouco mais que 10% das compras podem vir a ser mostradas ao público ou farão parte de coleções públicas, tendo em vista que a maioria dos colecionadores privados não possui espaços para mostrar suas coleções ou mesmo não as colocam em comodato em instituições de acesso público.

Com relação à internacionalização da arte contemporânea brasileira, o estudo aponta que as feiras internacionais são o lugar em que ocorre a conquista de colecionadores estrangeiros, que estão localizados nos Estados Unidos, na Europa e América Latina. Das 45 galerias respondentes, 32 afirmam ter clientes internacionais e dizem que 95% das vendas para o exterior são negociadas nas feiras internacionais. Entre 2010 e 2012, o volume total de exportações mais que duplicou, saindo do patamar de aproximadamente US$ 10 milhões, em 2010, e chegando a US$ 27 milhões, em 2012. As feiras brasileiras são responsáveis por 29% do volume anual de vendas.

Nesse cenário de alta profissionalização e internacionalização do mundo da arte, cabe a nós, que estamos baseados no Nordeste do Brasil, nos questionarmos: como podemos nos posicionar? No caso de Pernambuco, estado que até recentemente contava com duas galerias comerciais de arte contemporânea, com um museu de importância nacional como o Mamam, com bolsas de pesquisa em arte e outros projetos de fomento, por que perder a posição de ativo no sistema da arte para tornar-se passivo? Por que voltar a ser apenas um espectador, ao invés de um agente? Quem sai ganhando com a perda de políticas culturais que nos empoderaram durante quase uma década? Como boa parte dos artistas, curadores e críticos do estado não dependem mais do circuito local, só posso conjeturar que o maior perdedor é o público pernambucano. 

CRISTIANA TEJO, jornalista, mestre em Comunicação e doutoranda em Sociologia na UFPE.

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