Apenas alguns meses depois, quando de minha participação na curadoria da sessão Solo projects – Latin America da feira ARCO de Madri, dei-me conta de que as feiras de arte têm se transformado num ponto de encontro dos agentes do mundo da arte e fórum de reflexão sobre a arte contemporânea, e não apenas uma estância de venda. Curadores, críticos e pesquisadores são convidados para palestras e trocas de experiências e cada vez mais para fazer a curadoria de exposições ou de seções dentro das feiras. Muitas vezes são convidados apenas para prestigiá-las e conhecerem os artistas expostos; e essas viagens, cada vez mais frequentes, dividem espaço na agenda com bienais mundo afora.
Sim, muita coisa tem mudado na esfera da visibilidade e da legitimação da arte contemporânea e eu é que não conseguia dimensionar. Notava que, concomitante ao aumento do interesse internacional pela arte brasileira, estava ocorrendo o desmantelamento de políticas culturais implementadas no governo Lula e que atingiam principalmente lugares em que a atuação do setor privado é precário. Observava, em especial, em Pernambuco, o arrefecimento do fomento a ações e a projetos que foram imprescindíveis para a dinamização do circuito de arte, colocando o Recife no patamar de uma das principais cidades para a arte contemporânea no Brasil. Enquanto lamentava a precarização das instituições locais e a crescente incapacidade dos museus pernambucanos de colecionar a própria arte pernambucana, o mercado de arte crescia e se concentrava cada vez mais no eixo Rio–São Paulo. A solidificação e a profissionalização do mercado de arte em si são muito positivas. O problema é quando há o desencontro com a esfera institucional e gera uma assimetria de poder que perpetua a discrepância de acesso a acervos, à informação e à tomada de decisões.
NÚMEROS
Durante a SP-Arte deste ano, a pesquisadora Ana Letícia Fialho apresentou os resultados de sua investigação setorial Mercado de arte contemporânea no Brasil, encomendada pela ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea), organização de galerias de arte e do Projeto Latitude, que visa à internacionalização da arte brasileira. A radiografia que emerge dos dados coletados por ela corroboram o desequilíbrio de forças que estamos vivendo no país.
O universo pesquisado foi de 45 galerias que responderam à pesquisa (o projeto abrange 52 galerias). Dessas, 38 localizam-se no eixo Rio–São Paulo (sendo 12 no Rio de Janeiro e 26 em São Paulo) e as restantes estão em Belo Horizonte (4), Porto Alegre (1) e no Recife (1). Das 48 galerias pesquisadas, 50% foram criadas a partir de 2000 e representam hoje cerca de 1.000 artistas, entre brasileiros e estrangeiros.
Entre 2010 e 2012, foram implementadas 11 galerias de arte, e o crescimento do setor entre 2010 e 2011 foi em média de 43,5%. A média de preço das obras de menor valor era, em 2011, de R$ 1 mil. Em 2012, esse valor passou para R$ 2 mil. A média de preços das obras de maior valor passou de R$ 400 mil, em 2011, para R$ 710 mil, em 2012, uma valorização de quase 100%.
E quem compra a arte contemporânea brasileira? É nesse tópico que fica evidente o descompasso entre setor privado e setor público, entre o colecionador individual e o institucional. 70% dos clientes são colecionadores privados brasileiros; 12% são colecionadores privados estrangeiros, 5% são instituições no Brasil, 5% são empresas nacionais, 3% são instituições internacionais e 5% são empresas internacionais, fundos de investimento e outros. Ou seja, pouco mais que 10% das compras podem vir a ser mostradas ao público ou farão parte de coleções públicas, tendo em vista que a maioria dos colecionadores privados não possui espaços para mostrar suas coleções ou mesmo não as colocam em comodato em instituições de acesso público.
Com relação à internacionalização da arte contemporânea brasileira, o estudo aponta que as feiras internacionais são o lugar em que ocorre a conquista de colecionadores estrangeiros, que estão localizados nos Estados Unidos, na Europa e América Latina. Das 45 galerias respondentes, 32 afirmam ter clientes internacionais e dizem que 95% das vendas para o exterior são negociadas nas feiras internacionais. Entre 2010 e 2012, o volume total de exportações mais que duplicou, saindo do patamar de aproximadamente US$ 10 milhões, em 2010, e chegando a US$ 27 milhões, em 2012. As feiras brasileiras são responsáveis por 29% do volume anual de vendas.
Nesse cenário de alta profissionalização e internacionalização do mundo da arte, cabe a nós, que estamos baseados no Nordeste do Brasil, nos questionarmos: como podemos nos posicionar? No caso de Pernambuco, estado que até recentemente contava com duas galerias comerciais de arte contemporânea, com um museu de importância nacional como o Mamam, com bolsas de pesquisa em arte e outros projetos de fomento, por que perder a posição de ativo no sistema da arte para tornar-se passivo? Por que voltar a ser apenas um espectador, ao invés de um agente? Quem sai ganhando com a perda de políticas culturais que nos empoderaram durante quase uma década? Como boa parte dos artistas, curadores e críticos do estado não dependem mais do circuito local, só posso conjeturar que o maior perdedor é o público pernambucano.
CRISTIANA TEJO, jornalista, mestre em Comunicação e doutoranda em Sociologia na UFPE.
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