Posteriormente, em 2012, publicamos uma breve síntese desse trabalho no artigo intitulado O mercado de artes visuais: características e tendências que integra o livro Políticas culturais: pesquisa e formação, organizado por Lia Calabre e publicado também em 2012 pela Fundação Casa de Rui Barbosa e pelo Instituto Cultural Itaú.
Não foi uma pequena tarefa realizar no Brasil o primeiro estudo de corte econômico de um tema complexo como o mercado de arte. Logo nos defrontamos com um contexto de baixa densidade de títulos publicados e de baixa confiabilidade das informações disponíveis. Esses problemas nos conduziram a buscar soluções para suprir essas lacunas.
No primeiro estágio de nossa pesquisa sobre o mercado de arte, e após tratarmos de questões de natureza teórica, deslocamos nosso foco para o âmbito internacional, por uma simples razão: aqui existia uma ampla e diversificada bibliografia sobre o tema, bem como um razoável conjunto de informações sobre as várias facetas desse mercado. Estudamos, então, o mercado de arte em 18 países e localizados em três continentes – Europa, Ásia e Américas.
Essa etapa da pesquisa nos conduziu a algumas evidências: a primeira é a de que, nas quatro últimas décadas, esse mercado passara (e ainda passa) por um amplo processo de mudanças; a segunda é a de que o sistema de arte era e continua sendo hierarquizado, pois tem centros nos EUA e no Reino Unido (que controlam 75% das operações de compra e venda do mercado de arte) e possui não apenas uma periferia, mas várias periferias – a europeia, a asiática e a latino-americana; a terceira evidência é a de que a América Latina – e isso incluía (e ainda inclui) o Brasil – era a mais atrasada e menos relevante das periferias do sistema e do mercado de arte.
Vale dizer que a Europa é a periferia mais avançada, a Ásia é a periferia com maior progressão e que a África está praticamente ausente do sistema e do mercado de arte. Nesse momento, ficou claro que a participação brasileira no mercado internacional de arte era (e continua sendo) ínfima – menos de 0,5 % do mercado mundial de arte.
Nosso limite estava claro: poderíamos chegar após um longo e consequente esforço a algo mais próximo de 1%, pois a nossa participação no comércio mundial era de apenas 1%, e esse era e continua sendo um limite claro e intransponível. E disso não passaremos, a menos que ocorra uma grande transformação no comércio mundial, na nossa competitividade produtiva e outras tantas mudanças radicais no horizonte do provável. Portanto, estávamos em claro confronto com a retórica triunfalista dominante no mercado de arte nos últimos 25 anos: esse mercado, no Brasil, era claramente desimportante na escala internacional e o nosso “sucesso internacional” era e continua sendo, no mínimo, muito discutível e frágil.
PERIFERIAS
No segundo estágio de nossa pesquisa, o foco deslocou-se para o Brasil: realizamos um breve histórico da economia, do aparelho de Estado e do mercado arte e, na sequência, buscamos definir os agentes da cadeia produtiva das artes visuais. Optamos, então, por nos concentrar em três grupos de agentes: os distintos tipos de comerciantes de arte (art dealers), os colecionadores e os dirigentes das instituições públicas e privadas de arte atuantes no país. Identificados esses grupos de agentes, partimos para a realização de 66 entrevistas em oito capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Vitória. Conseguimos construir uma matriz de problemas e de sugestões de solução dessas questões do sistema e do mercado de arte no Brasil.
E creio que logramos contribuir para uma mudança radical no patamar de informação sobre o assunto. O banco de dados do Itaú Cultural, que há 25 anos reúne e arquiva informações, é um outro importante vetor de mudança no patamar de informação a esse respeito.
Além da construção da matriz acima mencionada, pudemos constatar o seguinte: o mercado de arte brasileiro hoje está fortemente concentrado em São Paulo (60% das operações de venda), e o Rio de Janeiro, que foi o berço desse mercado, representa 20% dessas operações. Essas duas cidades representam o centro desse segmento de negócio, concentrando 80% das suas operações de venda. Logo, a periferia avançada (Belo Horizonte e Porto Alegre) e a periferia atrasada (Salvador, Recife, Fortaleza e Vitória) dividem de modo desigual os 20% remanescentes. Foi possível, então, constatar que reproduzimos, no plano interno, a escala de concentração desse mercado internacional. E mais: pudemos constatar que os três estados nordestinos citados, somados, representam apenas 6% desse meio consumidor. Vale mencionar que o Recife representa apenas 2% desse mercado. Não é, de modo algum, uma situação confortável pois, embora hoje isso reproduza o dobro da participação de Vitória, essa cidade apresenta um maior potencial de crescimento do que a capital pernambucana, no tocante ao tema aqui tratado. Podemos assim afirmar que, salvo mudanças muito rápidas e significativas, o mercado nordestino de arte – e, em particular, o pernambucano – pode reduzir ainda mais a sua participação.
GEORGE E.M. KORNIS, Economista, pesquisador universitário, professor da Escola de Artes Visuais do Rio de Janeiro/Parque Lage, colecionador e curador de arte.
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