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Música: Os 15 anos que mudaram o mercado

As evoluções tecnológicas do início do novo milênio transformaram a forma como fazemos e consumimos composições

TEXTO Carol Nogueira

01 de Janeiro de 2015

Imagem Hallina Beltrão

[conteúdo vinculado à reportagem especial | ed. 169 | jan 2015]

Quinze anos podem parecer pouco tempo,
mas não para o cenário da música nesse novo milênio. Se, nas décadas anteriores, a indústria musical ia de vento em popa, vendendo quase 1 bilhão de discos por ano e gerando dinheiro suficiente para satisfazer os estilos de vida mais excessivos possíveis, agora, a história é diferente. Foram tantos os avanços tecnológicos que mudaram a forma como fazemos e ouvimos música que nem nos damos conta hoje em dia, de tanto que nos acostumamos, mas em 2000, vivíamos realmente em outro século.

É difícil acreditar, mas, naquela época, fazer o download de uma música usando internet discada levava cerca de 10 minutos – isso considerando que sua conexão fosse boa – e um disco inteiro levava horas. As pessoas carregavam um discman e seus CDs favoritos consigo. Ver clipes só era possível na MTV, e quando eles resolvessem passar o que você queria – tinha gente que até gravava em fita VHS pra poder assistir quando quisesse.

Avance 15 anos e, hoje em dia, baixar uma música não leva mais que cinco segundos, isso é, quando você baixa uma música, porque é mais comum ouvirmos em streaming. Suas músicas não estão mais nem no seu iPod, que você já acha ultrapassado, mas, sim, na nuvem. A MTV não exibe mais clipes – que viraram sinônimo de sites como YouTube e Vevo.

As mudanças ocorridas nos primeiros 14 anos deste novo século foram tantas, que são incomparáveis às que aconteceram no mesmo período do século anterior. O primeiro gramofone de uso pessoal foi lançado em 1906. Ele e os discos, que comportavam apenas quatro minutos de música, custavam tão caro, que só os ricos podiam comprá-los. Algumas famílias tinham pianos em suas casas. A primeira transmissão de rádio com música aconteceu também em 1906, mas o rádio só se popularizou depois da Primeira Guerra Mundial. Sendo assim, naquela época, e para a maior parte da população, ouvir música era um acontecimento, exclusivamente ao vivo, isso, quando ocorria. Avancemos 100 anos. Mais precisamente, na virada do novo milênio, entre 1999 e 2000. Os computadores pessoais haviam se popularizado na década de 1990, mas a conexão à internet, feita por modo discado, ainda era muito lenta, cara e difícil de usar. Foi então que apareceu a banda larga, que era muito mais rápida e possibilitava downloads em menos tempo. Em 2000, apenas 3% da população norte-americana tinha acesso à internet banda larga, enquanto, em 2013, esse número cresceu para 70%.

Observando essa realidade, em junho de 1999, o estudante da Universidade Northeastern de Boston Shawn Fanning, de apenas 18 anos, criou o serviço Napster, no qual usuários podiam trocar as MP3s que tinham em seus computadores com qualquer pessoa conectada no mundo. Após menos de um ano, o serviço se tornou extremamente popular e incomodou tanto as gravadoras que, em 2001, foi fechado por decisão jurídica. Mas pouco tempo depois surgiram serviços similares, como o Kazaa, Morpheus e Limewire.

Mais ou menos na mesma época, o tamanho de armazenamento dos computadores aumentou significativamente, permitindo que o usuário mantivesse uma grande biblioteca de arquivos de música no seu computador, algo que antes seria impossível ou, pelo menos, muito caro.

Isso não afetou somente o fã de música, mas também os artistas. Como eles começaram a perder dinheiro com a venda de discos, passaram a fazer mais shows para compensar seu faturamento, e as gravadoras, por sua vez, criaram um novo tipo de contrato para ajudá-las a se manter no negócio, conhecidos por acordos “360”, nos quais elas ganham uma parte da renda total do artista, não apenas da venda de discos, mas também shows, camisetas entre outros itens.

Em 2001, a Apple, empresa fundada em 1976 por Steve Jobs e Steve Wozniak, revolucionou o mercado de tocadores de música portáteis lançando o primeiro iPod, com capacidade para 5GB (mil músicas). No entanto, sua compatibilidade exclusiva com computadores Mac e o preço alto dificultaram sua popularização – o que só foi acontecer em 2004, quando a empresa lançou os primeiros aparelhos com display colorido, com capacidade de 20, 40 ou 60GB. Na sequência, surgiram também os modelos menores, Nano e Shuffle. Outras marcas passaram a lançar produtos similares e, em pouco tempo, o discman se tornou obsoleto.

Com a popularização da banda larga e de tocadores portáteis de MP3, além da criação de programas de troca de arquivos online, a venda de CDs caiu drasticamente durante toda a década. Nos Estados Unidos, o número de cópias vendidas caiu de 942,5 milhões, em 2000, para 165,4 milhões em 2013. Com isso, quem sofreu também foram as lojas de discos. Entre 2005 e 2009, aproximadamente 2.680 lojas de discos foram fechadas somente nos EUA.

Em 2003, a Apple revolucionou o mercado mais uma vez criando o iTunes, serviço de venda de arquivos digitais que deu esperança às gravadoras, que começaram a substituir a venda de CDs pela de downloads. Muitas pessoas começaram inclusive a converter seus CDs em arquivos digitais de áudio para poderem escutar onde e quando quisessem.

Apesar de a indústria musical ter sofrido um baque com a queda na venda de CDs, os artistas independentes acabaram se beneficiando das novas tecnologias, porque ficou mais fácil mostrar o próprio trabalho. Em 2003, foi criado o MySpace, rede social na qual era possível fazer o upload de arquivos de música. Muitos artistas famosos hoje em dia foram descobertos lá, como Lily Allen, Owl City, Sean Kingston, Arctic Monkeys e, no Brasil, Mallu Magalhães.

As rádios online também ganharam força, o que significava que agora as pessoas podem ouvir até as rádios mais obscuras de países europeus, enquanto antes só tinham acesso às rádios locais e a televisão (MTV), se muito. Além de ser bom para os artistas, isso também facilitou uma maior oferta de música, e as bandas puderam aproximar-se de mercados antes difíceis de atingir.

Também ficou mais fácil criar música. Se, antes, os artistas precisavam das gravadoras para bancar horas caríssimas em estúdios, hoje em dia, podem fazer quase tudo em casa em seus computadores. Nos anos 2000, a maioria dos produtores e engenheiros de som passou a usar softwares como o Pro Tools para gravar discos, tornando praticamente obsoletos os gravadores de fita analógicos – hoje vistos com saudosismo por bandas como o Foo Fighters, que fala sobre o assunto no documentário Sound city, sobre o estúdio californiano que leva o mesmo nome.

Além de começar a vender música em formatos digitais, as gravadoras também passaram a inventar formas de ganhar dinheiro, uma delas, com ringtones, os famosos toques de celular. Somente em 2004, essa indústria gerou cerca de US$ 4 bilhões.

Mas uma mudança ainda maior estava para acontecer. Em 2005, os amigos Steve Chen, Chad Hurley e Jawed Karim, que trabalhavam no site PayPal, criaram um serviço de compartilhamento de vídeos amadores que chamaram de YouTube – talvez você o conheça, afinal, apenas um ano depois, ele foi comprado pela Google por US$ 1.65 bilhão e é hoje o segundo site mais visitado do mundo, com 1 bilhão de visitantes únicos por mês, perdendo apenas para o próprio Google.

O Youtube se tornou uma plataforma de divulgação para novos talentos musicais, revelando, por exemplo, o cantor Justin Bieber e a cantora Carly Rae Jepsen (da música Call me maybe). Apesar de ter sido criado com a intenção de privilegiar os vídeos amadores de anônimos, o site também virou a maior plataforma de vídeos online e logo passou a hospedar videoclipes (que já não tinham mais espaço na MTV, que preferiu apostar em reality shows e séries), programas de televisão, webseries, vídeos de comédia e por aí vai.

Tão relevante se tornou o Youtube para a música, que, em 2013, a revista americana Billboard passou a incorporar dados dele em sua lista semanal das mais tocadas nas rádios americanas. A novidade teve um efeito imediato na época, quando elevou à primeira posição da lista a música Harlem shake, do DJ novato Baauer, que “viralizou” com a ajuda de vídeos postados no site em que pessoas dançavam a música de maneiras inusitadas e divertidas.

Voltando alguns anos, tudo isso estava acontecendo online, mas a maioria das pessoas só tinha acesso à internet em seus computadores. Era hora de mais um passo gigante: a popularização dos smartphones e, em 2007, o lançamento do iPhone, indicando que, mais uma vez, a Apple estava na vanguarda da revolução da música digital.

Os smartphones possibilitaram o acesso à internet de onde o usuário estivesse, o que significava poder ver e ouvir milhares de vídeos e músicas online. Além disso, eles eliminaram a necessidade de ter um iPod, pois também armazenavam música. Outra característica revolucionária do iPhone e do iPad, este lançado em 2010, foram os aplicativos voltados para produção musical.

No mesmo ano de lançamento do iPhone, o sueco Daniel Ek criou o Spotify, o primeiro serviço de streaming de música a fechar acordos com as gravadoras para legalizar seu conteúdo – o que significa que eles podem cobrar pelo serviço e, assim, torná-lo um negócio sustentável. Ainda que seu modelo de negócio seja extremamente criticado (os artistas ganham apenas cerca de US$0,007 por play), é considerado a salvação da indústria musical e foi copiado por dezenas de outras empresas, que lançaram serviços semelhantes, como Deezer e rdio.

Hoje, 64% da música é consumida em formatos digitais, enquanto 31% em CDs e apenas 3% em vinil – o número de vendas em vinil, formato que havia sido deixado de lado nas décadas anteriores com a popularização das fitas-cassete e, depois, do CD, pode parecer pouco, mas vem crescendo significativamente nos últimos anos. Estima-se que, em 2014, tenham sido vendidos 8 milhões de discos de vinil somente nos EUA – em 2013, haviam sido 6 milhões.

Tanto aconteceu nesses últimos 15 anos, que deu tempo de uma das principais invenções para a música no período, o iPod, já ser considerado obsoleto. Em sua leva de lançamentos mais recentes, em 2014, a Apple silenciosamente descontinuou a versão Classic do modelo, que tinha capacidade de até 160GB, e agora vende apenas as versões Shuffle, Nano, e Touch, que comportam, respectivamente, até 2GB, 16GB ou 64GB.

Tudo porque a música digital avançou tanto, que ninguém precisa mais carregar toda a música da vida em um só disco rígido. Basta acessar a nuvem, ou um serviço de streaming, e escutar o que você quiser com apenas alguns cliques.

Esses 15 anos fizeram bem, e muito, para a música. E deve melhorar. Especialmente se continuarmos tendo avanços assim nos próximos 15. 

CAROL NOGUEIRA, jornalista, trabalha em Los Angeles como freelancer da Folha de S. Paulo, fazendo cobertura musical.

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