Uma das características mais marcantes da companhia é a busca pela compreensão da comicidade feminina através do uso da linguagem do clown, que veio a partir de um interesse pessoal de Lívia Falcão em estudar esse universo, depois de uma oficina realizada no Rio de Janeiro com o ator, diretor teatral, e palhaço Márcio Libar. “Nesse momento, percebi um universo muito amplo, que despertou em mim um interesse forte em estudá-lo. Já em Caetana, utilizamos com todo o respeito a máscara, o nariz. Apesar de ainda ali não estarmos inseridas na linguagem do clown, aquela máscara já trazia uma relação com ela.”
No espetáculo mais recente do grupo, A dona da história, Lívia Falcão contracena com a filha, Olga Ferrario. Foto: Renata Pires/Divulgação
Segundo Lívia, a compreensão da delicadeza, da linguagem e da técnica da palhaçaria feminina se deu, definitivamente, durante o aprofundamento de um mês, realizado em 2012, na mencionada oficina Formação de Mulheres Palhaças. “Adelvane é uma mestra da palhaçaria, tem interesse em entender a comicidade feminina, que é de um tempo muito recente. E isso tudo numa imersão, que é o formato ideal para você adentrar em qualquer coisa”, afirma Fabiana, que considera Adelvane a verdadeira “parteira” da sua palhaça Uruba, e também de Zanoia (Lívia Falcão) e Bandeira (Odília Nunes), trio de personagens que compõem a montagem Divinas.
Como se marcasse uma nova etapa dessa carreira de uma década, e fugindo um pouco da linguagem lúdica trabalhada pelo grupo nos últimos anos, surgiu a ideia para adaptar o texto de João Falcão, A dona da história. O espetáculo, que teve montagem original estrelada por Marieta Severo e Andréa Beltrão – e também adaptado para o cinema em 2004, por Daniel Filho –, foi pensado após a boa aceitação do público do Centro Cultural Correios, em 2012, durante a leitura dramatizada do texto de João Falcão. A estreia da “peça-caçula” aconteceu no mês passado, no Teatro Apolo, e nela Lívia contracena com a filha (a atriz Olga Ferrario).
Dirigida por Duda Maia, parceira de João Falcão por 12 anos, a nova montagem utiliza apenas luz, figurino e as duas atrizes em cena, com total ausência de cenário. “Foi uma opção de Duda por tirar tudo, e aí você tem que fortalecer a verdade da sua figura para tudo fazer sentido no palco”, diz Lívia. “Além de ser ótimo para o ator, a ausência dos cenários também é um bom exercício de criação para o público”, comenta Fabiana, que ficou responsável pelo figurino.
Para o segundo semestre de 2014, está programado Obscena, novo projeto da companhia, ainda em estado embrionário, encenado em solo por Fabiana, sobre a obra da escritora e poeta Hilda Hilst. A princípio, um recital poético de um dos textos dela, que acontece este mês durante o VI Festival Literário de Paulo Afonso. “Me aprofundando e me identificando demais com a obra de Hilda, percebi que tinha muito caldo. Conversando com Luciana Lyra (atriz e dramaturga), que convidei para participar comigo desse projeto, surgiu a ideia de fazer Obscena. Optamos por esquecer qualquer texto ou peça de Hilda e vamos criar uma dramaturgia, que será escrita por Luciana.” Com projetos diferentes fazendo parte desse portfólio, a primeira década da Duas Companhias ficará marcada pela experimentação de linguagens e a contínua busca pela ampliação de sua identidade artística e pessoal.
OLIVIA DE SOUZA, editora da Continente Online.