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Divinas: Três mulheres simples em busca de um sonho

Espetáculo encenado pelas atrizes Odília Nunes, Lívia Falcão e Fabiana Pirro leva à cena a arte dos clowns, em encontro lírico e risonho

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Outubro de 2011

Foto Renata Pires/Divulgação

Três mulheres simples, e diferentes entre si, viajam em busca de sonhos, realização. Elas seguem a pé, carregando quase nada, uns caquinhos, uns taquinhos. E dessa escassez se faz graça e riso, provoca-se emoção. Porque enquanto caminham – às vezes param, hesitam, brigam – vão contando histórias, por elas mesmas vividas, vistas e inventadas. Elas são as Divinas, personagens-palhaças que trazem para a plateia de hoje a força da arte dos clowns, não importa se encenada debaixo da lona do circo, no palco do teatro ou no meio da rua.

“Essa montagem nasceu do processo mais livre e ousado de que já participei na vida. Aulas de desapego diárias nos mostraram que era pra ser assim mesmo. Divinas não tem um diretor nem um autor... a brincadeira foi sendo criada pelas próprias ‘figuras’, com a ajuda de alguns olhos e ouvidos atentos e generosos”, define a atriz Lívia Falcão, que compartilha a cena com Fabiana Pirro, sua companheira de larga estrada desde o espetáculo Caetana, e Odília Nunes.

Tão cigana quanto as suas personagens Zanoia (Lívia), Bandeira (Odília) e Uruba (Fabiana), a peça vem passando por diferentes experiências e colaborações. Seu primeiro momento se deu em 2010, quando Lívia, Fabiana e o ator Luciano Pontes realizaram uma pesquisa de encenação sob orientação de Moncho Rodrigues, que resultou em alguns ensaios abertos.

No primeiro semestre deste ano, o espetáculo ganhou corpo a partir de dois convites: à atriz Odília Nunes, integrada ao elenco, e à palhaça paraense Adelvane Neia, que preparou as atrizes e conduziu os improvisos. Com esse trabalho realizado, vieram em auxílio da dramaturgia o filósofo Marcelo Pelizzoli, o escritor Samarone Lima e a jornalista e dançarina Silvia Góes, que, com sensibilidade poética, escreveram o texto da peça.

“Tivemos vários encontros em que Livinha, Bia e Odília improvisavam a partir de situações externas sugeridas por Samarone, Marcelo, Adelvane, por mim ou por elas mesmas”, rememora Silvia Góes. “Foram muitas brincadeiras, besteiras e risadas. A cada encontro, guardávamos o que resultava de mais belo e potente. A partir desses momentos e em nossas solidões, eu pegava um pedaço do texto e tecia novas poesias, respeitando o jogo e o jeitinho e, principalmente, a lógica de cada uma das palhaças; Samarone e Marcelo faziam o mesmo. Depois, devolvíamos para elas, para que pudessem levar para a brincadeira e testar aquela poesia proposta na vida das palhaças, no encontro das três.”

A plateia perceberá, claramente, o jogo de peças de encaixe que estrutura Divinas, em que cada uma das atrizes tem seu momento solo, quando contam histórias, como se em solilóquio, para as companheiras ou para o público. Monólogos que são costurados por cenas dialogadas e compartilhadas, lirismo e humor aí bem dosados, mantendo um ritmo emocional equilibrado, também cadenciado pelas intervenções rítmicas do percussionista Luca Teixeira, presente em cena. Como temos visto em alguns espetáculos contemporâneos de clowns, não se trata de uma peça de humor óbvio ou escatológico. Pelo contrário, percebe-se que o trabalho aqui realizado solicitou das atrizes um movimento para dentro, no qual, num processo de autoconhecimento, elas fossem capazes de encontrar em si mesmas as palhaças que elas vivenciam em cena, uma “verdade” palhaça, por assim dizer.

A esse respeito, há significativos depoimentos das próprias atrizes. Lívia Falcão assim descreve sua Zanoia, certamente a figura catalisadora em Divinas: “Zanoia acordou de mansinho dentro de mim pra me mostrar que nada sei e, principalmente, que posso ser simplesmente eu mesma. Como uma borboleta, que na hora certa sai do casulo, consciente da sua fragilidade e beleza, livre e disposta a bater asas mundo afora. Zanoia é a minha melhor parte, que entrego pro mundo em um ato de amor”.

Fabiana Pirro, cuja Uruba faz o contraponto à inocência e humildade de Zanoia, define desse modo sua personagem: “A personalidade de Uruba é muito estranha pra mim, ela, na verdade, é meu ‘outro lado’, mas sou eu. O palhaço é uma busca tão bonita pelos corredores da infância, pela verdade de sentir sem ter que esclarecer, apenas ser. Uruba vem dos índios, braba, domadora de cavalos, desconfiada, solitária, um tanto egoísta, medrosa e quase sem sonhos... Pra mim, ela é a certeza de que ninguém é feito só de amor e que, às vezes, o que parece ser mais puro não é, o mais sabido não é, o mais belo não é”.

Eu num sei pra onde eu vou! Eu num sei de onde eu vim... Mas, se Deus me convidou, eu vou ficar até o fim! E se nesta estrada que eu for alguém carecer de amor, eu tenho receita! Assim começo Divinas. E esse trecho de poesia define totalmente Bandeira”, afirma Odília Nunes, que conta ter descoberto essa “amiga” palhaça há seis anos. “Bandeira é a menina sertaneja que carrego para sempre! Uma menina cigana, curandeira e feliz. Confiante de que podemos ser melhores, de que podemos confiar nos outros, e de que podemos ser livres.” A atriz diz, também, que o convite para brincar emDivinas a deixou muito feliz, “porque há tempos que Bandeira já me cobrava falar do sagrado feminino, da ancestralidade”.

Sendo dessas personagens e sensibilidades constituído, o espetáculo fará o espectador perceber outra de suas qualidades: ele não se dirige a faixas etárias, não divide o mundo em adultos e crianças, grandes e pequenos. O convite é para que todos se divirtam e se emocionem, vivendo ali, com as atrizes, a experiência de não criar barreiras e fruir a poesia livremente. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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