Sabemos que, a despeito do que se ensina no Ensino Médio, as ditas escolas literárias não se intercalam de maneira linear com a publicação de tal ou qual livro. Na verdade, influências de diferentes dicções se sobrepõem e fazem com que cada poeta represente uma gama de inter-relações que o tornam único, mais ou menos ancorado a seu tempo e a outras vozes do seu entorno.
Para além da influência da poesia da Serra do Teixeira e da oralidade poetizada nos pés de parede, Cancão era certamente um leitor dos clássicos da poesia brasileira. Seria ingênuo afirmar que a presença constante em sua obra de temas como a natureza ou a religiosidade, além do tom lúgubre de poemas como Seis horas no cemitério não recebeu influência de sua leitura dos românticos, como recorda Ulysses Lins, que reconhece ecos de Fagundes Varela e Casimiro de Abreu em sua poesia. Por outro lado, sua amplitude vocabular, ora pomposa, não nos faz ignorar alguma ressonância parnasiana, embora não pareça Cancão cultuar obsessivamente a forma, o que reforça sua inclinação para a expressividade romântica.
O trabalho de maior fôlego sobre o poeta egipciense é do professor Lindoaldo Campos, cujo fruto foi a publicação do livro Palavras ao plenilúnio (2007), edição esgotada da obra reunida de Cancão. Diferentemente da edição da Cepe, a obra trazia notas explicativas sobre as variadas versões dos poemas publicados em livro, encontrados em manuscritos ou gravações. A presente edição, a nosso ver de maneira acertada, privilegia a obra completa do autor, ao apresentá-la conforme a ordem dos poemas e os prefácios das primeiras edições, o que parece mais interessante tanto ao público que ainda não conhece Cancão como para aqueles que não tiveram acesso a essas obras, há muito esgotadas.
Além disso, a edição da coleção Letra Pernambucana traz poemas inéditos catalogados por Lindoaldo, após a publicação de Palavras ao plenilúnio, o que faz da presente edição essencial para conhecer Cancão. Que me perdoe o pássaro poeta pela heresia, mas essa edição é uma verdadeira bíblia da poesia sertaneja.
WELLINGTON DE MELO, escritor.