Agenda

Chico Chico deixa de ser uma "promessa"

Compositor e cantor

TEXTO José Teles

30 de Dezembro de 2025

Foto Divulgação

Em 1990, eu passava diante de uma loja de discos, na Conde da Boa Vista, quando irrompeu uma voz potente, carregada de soul e personalidade, o que me fez entrar e perguntar ao vendedor quem cantava. Ele me estendeu a capa do LP de estreia de Cássia Eller, de quem já escutara falar. Ela fazia a melhor versão que eu já tinha ouvido de "I've got a feeling" (Lennon& McCartney), depois da original com os Beatles.

Passados 35 anos, acho que eu faria o mesmo, se estivesse passando por algum lugar e escutasse a versão de "Four and twenty", de Stephen Stills, que está no álbum Let it Burn/Deixa Queimar (Deck), de Chico Chico, o filho de Cássia Eller. Aliás, com este disco, o terceiro, ele dispensa a filiação, até porque vai além da mãe, de quem herdou o vozeirão bluesy. Chico Chico é também compositor de talento, que trafega na contramão da tendência atual de canto intimista, fio de voz, quase um novo emo.

Como autor, Chico lembra Cazuza, pelos temas confessionais, fazer rock com cara brasileira, mas não é intérprete de si mesmo. Imprime sua personalidade às canções de terceiros, como acontece em "Vila do Sossego", de Zé Ramalho, que recebe um tratamento épico, com citação; na introdução, de "Knocking on Heaven's Door", de Bob Dylan.



Ótimas as versões da citada "Four and twenty" (lançada por Crosby, Stills, Nash & Young). Mais uma irrepreensível releitura, esta de "Girl From The North Country", de Bob Dylan (de 1963). O próprio Chico Chico assina, só ou com parceiros, quatro canções em inglês, sendo uma delas, "Let it burn", bilíngue. Tanto as versões, quanto as autorais no idioma de William Shakespeare são muito boas, mas poderiam compor um EP, numa entressafra entre este álbum e o próximo, com exceção da música que dá nome ao disco.

Numa época em que o jovem consumidor de música digital é condicionado a escutar faixas isoladas, os singles, e de menos de três minutos de duração, Let it Burn/Deixa Queimar (Deck) é álbum duplo, com 20 faixas, transgressão aos ditames do mercado, porém, convenhamos, mesmo no tempo do vinil, discos duplos, ou triplos, tornavam-se, com exceções, cansativos, e este álbum tem 1h13 minutos de duração. 

Mas inegavelmente é um grande disco, o melhor de Chico Chico, e louve-se o produtor e arranjador Pedro Fonseca que, mais que produção, fez um trabalho de parceria. Participações de Josyara, Ritinha, Richard Scofano (bando neon), Ivo Vargas, João Mantuano. Entre os músicos, Marcos Suzano, Carlos Malta, Marlon Sette. Com este disco Chico Chico, deixa de ser uma "promessa" na MPB. 

JOSÉ TELES, crítico musical, pesquisador e escritor

 

veja também

Recife celebra tradicional Queima da Lapinha

Tulipa Ruiz apresenta turnê “Noire” no Recife

Fim de semana natalino no Recife