Inédito

O pensamento de Science

Entre poemas, anotações, letras de música e diários, site apresenta textos inéditos do cantor e compositor pernambucano

TEXTO Débora Nascimento

01 de Março de 2023

Imagem Chico Science/Reprodução

[conteúdo na íntegra | ed. 267 | março de 2023]

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A morte é instantânea. A vida é espontânea. A vida é leve. A morte é breve. E assim a história vai…”. Entre 23 de outubro de 1990, data em que o pernambucano Francisco de Assis França escreveu esse pequeno poema, sob o apelido de Chico Vulgo, e o fatídico 2 de fevereiro de 1997, dia em que faleceu em um acidente automobilístico, com apenas 30 anos, sob o nome artístico de Chico Science, muita coisa aconteceu na vida leve, espontânea e breve do cantor e compositor que promoveu, naquela década, uma revolução na música popular brasileira e na cultura pernambucana, que reverbera até hoje.

O poema acima é um dos textos inéditos que podem ser conhecidos no acervochicoscience.com.br, a ser lançado no dia 13 de março, dia em que o artista faria 57 anos. O site reúne dezenas de poemas, letras, anotações, diários de viagens, comentários, redigidos a próprio punho durante anos por Chico Science, somando um total de 27 cadernos e várias outras páginas avulsas. “Chico tinha o hábito de acompanhar-se sempre de um caderninho, caderneta, bloco de notas, onde vida afora foi registrando suas ideias, escrevendo cartas, compondo músicas, anotando os seus pasmos com o belo e suas indignações com o mal”, conta Maria Goretti de França, irmã do artista e responsável pela produção executiva e curadoria do projeto. 

Com receio de que esse material fosse danificado pela ação do tempo, Goretti, e a filha única de Chico, a atriz, cantora e compositora Louise França, apresentaram um projeto ao Funcultura para preservação desse acervo. “A ideia inicial não era esse site. Entre 2014 e 2016, eu viajava esporadicamente pro Rio pra me reunir com elas (Goretti e a designer do site, Sonaly Macedo) e a gente tentar organizar nossas ideias para um possível livro ou uma série de livros, o que não descartamos fazer em outro momento. Até que minha tia percebeu que algumas folhas estavam começando a se desfazer e apagar”, relata Louise.

“Inscrevemos o projeto duas vezes no Funcultura. Na primeira, não passamos; e na segunda, cá estamos. Não se trata exatamente do site em si. O objetivo principal do projeto é a restauração, catalogação e acondicionamento desse acervo de forma correta”, informa. Com a aprovação, o material foi entregue, em 2021, à empresa MUSEO – Museologia e museografia, que ficou responsável pela catalogação, limpeza, conservação e digitalização das páginas. “Como o Funcultura exige que você ofereça algo à sociedade como contrapartida, decidimos que entregaríamos o acervo para o público em formato digital. Daí a ideia do site, comigo e minha tia na curadoria do material e Sonaly Macedo como designer e diretora de arte”, acrescenta Louise.

Selfies do artista: sozinho, com a filha Louise e com família.
Fotos: Chico Science/Reprodução

Hoje com 32 anos, ela conta que teve contato com esse acervo quando tinha 21 anos. Para a cantora, ler esses escritos do pai lhe despertou uma série de sentimentos. “Saudade, admiração, sorte e mágoa. A saudade, a admiração e a sorte não preciso nem explicar. Mas à medida que eu percebia que meu pai era muito mais incrível e genial do que eu e muita gente imagina, uma espécie de decepção por não tê-lo perto de mim, vivo, presente, por ter tido tão pouco tempo com ele e pelas conversas que a gente nunca iria ter, me envenenava um pouquinho também. Mas penso que seja normal me sentir assim às vezes”, revela.

“Esses escritos são alimento para minha alma saudosa de filha. Tenho um fascínio imenso por eles. Acho que deve ser o caminho mais curto para chegar a lugares que jamais teria acesso pelas histórias e vivências de outras pessoas que o conheceram. Ali é a visão dele dessas vivências e muito mais”, avalia. Para ela, esses textos também dizem muito sobre a personalidade e o comportamento dele: “Além de um homem amoroso, doce, responsável e megaorganizado, ele era uma máquina criativa e tinha muito, mas muito ainda a oferecer como artista”.

  

Escritos de Science trazem poemas, letras de música e anotações diversas.
Imagens: Mauro Rodrigues/Divulgação

Esses textos devem, enfim, contribuir para ampliar a memória que se tem do artista. Deles, Louise tem os seus preferidos: “Os de quando ele ainda era Chico Vülgo. Não consigo escolher um escrito só. Tem uma força e uma poética nas palavras dele que me emocionam. Ele não fazia ideia do que tava pra acontecer na vida dele, do quanto tudo ia mudar dali a pouco. Acho mágico esse momento que antecede Chico Science”. 

Mesmo dispostos sem ordem cronológica, a partir desses inéditos, será possível desvendar um pouco mais da alma deste artista. “Todo amor e dedicação que meu pai tinha pela vida e pela arte de fazer música estão nesses cadernos. Através deles, o público terá acesso a pensamentos, poesias, ideias, letras de músicas e anotações do dia a dia nunca antes divulgados.” E isso deve ser apenas o começo. Inicialmente, serão revelados sete dos 27 cadernos. A partir daí, o site deverá ser periodicamente atualizado com os escritos de Chico Science. Um presente para os fãs saudosos e para a história da música popular brasileira.

DÉBORA NASCIMENTO, jornalista, repórter especial da Continente e colunista da Continente Online.

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