Entrevista

“O ódio do Brasil a si mesmo é real”

Jornalista, editor-chefe do programa 'Greg News' e apresentador no canal Estúdio Fluxo, Bruno Torturra fala sobre a transformação do campo jornalístico, o narcisismo das redes sociais e mais

TEXTO Antonio Lira

01 de Fevereiro de 2023

O jornalista Bruno Torturra

O jornalista Bruno Torturra

Foto José de Holanda

[PARTE 1 | ed. 266 | fevereiro de 2023]

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Dá para documentar uma distopia? Como é possível manter a lucidez e continuar trabalhando e produzindo em meio à erosão democrática? A insegurança crescente diante do alto índice de desemprego, “uberização” do trabalho e das relações pessoais vêm atingindo, nos últimos anos, várias áreas, inclusive, a Comunicação. Diante desse cenário, é possível produzir jornalismo de qualidade sem que haja uma alternativa de financiamento imediata e viável ou sem uma construção coletiva que o ambiente da redação proporciona? Bruno Torturra é um dos profissionais do campo jornalístico que pensa bastante sobre essas questões e suas reflexões nos convidam a indagar sobre esses temas.

Jornalista, editor-chefe do programa Greg News e apresentador no canal Estúdio Fluxo, Bruno Torturra desenvolve um trabalho conectado com as transformações tecnológicas pelas quais a Comunicação passou nas últimas décadas. Ele foi um dos fundadores da Mídia Ninja, rede de comunicação que ganhou protagonismo a partir da cobertura das jornadas de junho – fenômeno que modificou os rumos políticos do país em 2013. Em 20 anos dedicados ao jornalismo, Bruno acompanhou de perto as mudanças na área, especificamente com a propagação das redes sociais que potencializaram dinâmicas narcísicas e individualistas, criando não apenas o modelo de socialização do mundo atual, mas o de construção da subjetividade neoliberal vigente.

Com o bom humor e a eloquência que lhe são característicos, sobretudo para quem já o acompanha nas lives do Boletim do Fim do Mundo ou do Calma Urgente, Torturra recebeu a equipe da Continente em sua casa, na Vila Madalena, em São Paulo. Carioca radicado na capital paulista, o jornalista é categórico ao afirmar a importância do caráter coletivo que o trabalho jornalístico deve desenvolver no momento de sua produção, para, inclusive, atenuar as dinâmicas de individualismo que as redes sociais acabam fomentando.

Nesta entrevista, conversamos sobre diversos temas, entre eles, os possíveis caminhos da Comunicação, o reflexo das redes sociais no indivíduo, a retomada dos psicodélicos e a crise farmacológica e o bolsonarismo como sintoma de uma espécie de recalque da sociedade brasileira.

CONTINENTE Bruno, você iniciou sua carreira no jornalismo em 2002, na revista Trip. Como foi esse percurso até aqui? O que você acha que mudou no dia a dia de trabalho?
BRUNO TORTURRA No meu trabalho diário, mudou tudo. Comecei trabalhando em uma redação e, para mim, essa é a grande transformação do jornalismo nos últimos 20 anos. Comecei trabalhando de segunda a sexta, das 10h até às 19h. Com uma semana de fechamento que ia até a madrugada. Mas era um emprego. E, mais importante do que isso, era um emprego em equipe. Uma equipe estável, uma equipe que você continua com ela. Essa é uma mudança absurda que eu e a minha geração passamos nesses últimos anos. Não é só a mudança de jornalismo impresso para o digital, que acho que é um jeito correto, mas limitado de entender o que aconteceu. O que aconteceu foi que as redações foram dissolvidas em novas formas de trabalhar e de se comunicar. A outra coisa é que eu trabalhava em um dinamismo mensal. Era uma revista mensal, então, era outro tempo de pauta, era outro tempo de apuração. Novamente: era um trabalho coletivo, então, por mais que eu fizesse uma reportagem, ela era feita em parceria com o diretor de arte, em parceria com o fotógrafo, em parceria com os editores, com o resto da equipe. E o modelo de negócios, de funcionamento e também de diálogo com o público era de outra natureza completa, em termos de comparação ao que acontece hoje em dia. Hoje, tenho uma vida inversa a isso. Não tem redação, não tem periodicidade. Pode ser uma coisa que eu faço em 15 minutos, pode ser uma coisa que demoro um mês inteiro, uma semana, dias, meses. São relações fluidas de trabalho. Sou muito mais independente em vários sentidos, então, infelizmente, sou menos repórter. Mas, felizmente, sou mais autônomo também, então posso falar mais o que penso.

CONTINENTE Em relação a isso de “ser menos repórter” e dar mais opinião, lembro uma vez que você falou em entrevista ao programa 20 Minutos, do jornalista Breno Altman, que hoje em dia parece que jornalistas se formam mais para dar opinião, algo que antigamente acontecia depois de muitos anos de carreira, quando se virava colunista. Não que exista uma hierarquia entre a reportagem e os gêneros opinativos, mas como você enxerga esse processo?
BRUNO TORTURRA É uma resposta difícil de dar, porque tem benefícios, riscos e coisas muito negativas nesse processo. Acho que, para o jornalismo especificamente, não é uma coisa boa o jeito como é hoje. Acho muito bom que, como cidadãos e cidadãs, a gente possa dar opiniões de maneira tão livre. Sendo jovem, sendo inexperiente, sendo de outras profissões, isso é saudável. Falando de maneira superficial, isso é saudável. Mas, para o jornalismo, especificamente, que é ter uma profissão em comunicação pública – e não só em comunicação pública, mas no ato de checar, apurar, escutar histórias, descobrir histórias, investigar coisas – a sua opinião não deveria ser o que vem à frente de tudo isso, nem a motivação pela qual você entra na profissão. Acho uma grande pena o que está acontecendo.

Já dei esse exemplo e dou mais uma vez: quando comecei, trabalhava na redação, recebia os e-mails todos das pessoas e, uma vez, uma pessoa se ofereceu para ser colunista da revista Trip. Eu encaminhei para o editor, que me deu uma chamada. “Não é assim, colunista é a última coisa que a pessoa faz. Você já entrevistou todo mundo, já editou, já foi editado, já viajou, já errou e agora a gente quer saber o que você acha dessas coisas.” A dinâmica de comunicação hoje, por vários motivos, fez com que a opinião tenha se tornado o gênero hegemônico de transmissão de conteúdo. E isso é perigoso, porque a função do jornalismo não é difundir opiniões jornalísticas. É oferecer instrumentos de qualidade para que as pessoas desenvolvam as suas próprias opiniões. No meio disso, existem as discussões de opinião, de colunistas, de entrevistas, de entrevistados e entrevistadores, de editoriais. Mas quando a reportagem passa a ser um gênero quase relegado ao segundo plano e a audiência do público, o investimento dos veículos e as estrelas do jornalismo estão na opinião, a gente tem uma inversão completa de certo sentido da função social do próprio jornalismo. Quais são os jornalistas mais famosos do Brasil hoje? Não vou te responder, mas se a gente pensar rápido aqui, certamente, vamos começar a falar muito mais pessoas que dão opiniões do que repórteres investigativos e pessoas que fazem grandes entrevistas. E não era assim.

Os grandes jornalistas, em geral, eram pessoas como o Caco Barcellos, que se destacou de muitas formas. E, mesmo no jornal, a gente sabia quem era o repórter de Cultura, o repórter de Política que trazia o furo. Não é mais assim. De certa maneira, isso também muda até certa métrica de credibilidade. Antes, o jornalista tinha uma credibilidade, porque ele a emprestava do veículo que ele trabalhava. As pessoas confiavam em mim porque eu era da Trip, ou em você porque é da Continente ou em outra pessoa porque era da Folha de S.Paulo. Hoje, sinto que são os veículos que se “cacifam” pelos nomes dos seus articulistas ou dos seus opinadores. A credibilidade da Folha de S.Paulo não vem da sua institucionalidade. É porque a gente tem a Patrícia Campos Mello, porque a gente tem o Thiago Amparo, porque a gente tem o (Guilherme) Boulos de colunista. “Olha só, a gente ouve o outro lado.” Mas acho isso um pouco perigoso, sobretudo para jovens repórteres. É prejudicial, porque o jornalismo é um trabalho coletivo. E é no coletivo onde você se forma de verdade, onde você aprende a fazer.

Quando você começa pela opinião, entra numa dinâmica muito mais de posicionamento. Mexe com o ego, polariza, você já é visto como parte de um certo campo. E isso mexe com a subjetividade do próprio repórter, que pode nem perceber, mas fica refém de uma lógica completamente diferente da lógica que uma redação atenua e, mais importante, que uma vida de repórter atenua muito. Porque vida de repórter é isso: por mais que você tenha suas opiniões, suas convicções, sua ideologia (e sempre vai ter), em uma semana, você vai entrevistar o Paulo Maluf, na outra você vai entrevistar o Fernando Haddad, na outra vai cobrir um buraco, na outra vai entrevistar o cara que lançou um disco, esse cara que lançou o disco fala besteira, outro, não. E isso é a riqueza da profissão para o profissional e para o público. Nessa diversidade radical, de só escutar, e não falar, é que você vai construindo a capacidade de dar opiniões. Se o jornalista fala mais do que ele ouve, está errado.

CONTINENTE Isso tem a ver com a lógica do perfil? Com o fato de que, quando estamos no ambiente virtual, nós somos um perfil? Isso acaba alimentando uma dinâmica mais egoica?
BRUNO TORTURRA Tem muito a ver. Sempre insisto nisso: o perfil é a instância mais importante de comunicação do sujeito político-social, a coisa mais importante que apareceu nesses 20 anos em que sou jornalista, nos quais vivemos esse começo de século. E a gente não o analisa como tal, a gente trata isso como um assunto menor e fala muito sobre algoritmo, sobre rede social, sobre atenção, sobre venda de dados, quebra de monopólio e modelo de negócios. Mas acho que a inovação mesmo, a grande radicalidade da rede social, é a criação da figura do perfil. Porque ela transformou absolutamente a relação da audiência e do emissor em uma relação pulverizada entre emissão, reprodução e consumo. E porque ela transformou a massa de cidadãos e cidadãs em comunicadores públicos, algo que antes era uma atividade profissional como a nossa. A gente estudou para fazer isso e agora qualquer pessoa faz isso. Dentro do modelo no qual se organizam as redes sociais, do jeito como o perfil é organizado, programado – e isso não tem a ver só com algoritmo, tem a ver com bigtech, com a maneira como as redes sociais foram arquitetadas – a gente tende a achar que o perfil somos nós. Sou eu no Twitter, por exemplo. Mas não é, é uma versão sua com possibilidades muito específicas.

CONTINENTE Que são afetadas pela materialidade de cada plataforma…
BRUNO TORTURRA Isso, de cada plataforma. O perfil no Instagram é muito diferente do perfil no Twitter, a gente sabe disso individualmente. Se você me segue só no Instagram, você vai achar que eu sou uma pessoa completamente diferente do que se você me seguir só no Twitter. Se você me seguir no Facebook – que já não uso mais – eu era outra pessoa. Outro perfil, na verdade. Sou a mesma pessoa, mas muitos perfis, de acordo com a dinâmica que a plataforma oferece e com a consequência orgânica das interações de outros perfis naquele espaço. Mas uma coisa é real: a esmagadora maioria das nossas relações sociais hoje é através dos nossos perfis, não através das nossas pessoas. Hoje, por exemplo, almocei com amigos que não via há muito tempo pessoalmente. Não os via há muito tempo, mas os acompanho no Twitter e no Instagram. Essa relação é uma projeção, é uma autoedição, é uma escolha muito limitada que você faz. E, necessariamente, por não ser uma relação física, por não ter todos os outros instrumentos de comunicação humana – a intimidade, o gesto, a hesitação na voz, parar para escutar a outra pessoa, interesse mútuo mesmo –, ela acaba sendo gerida por uma lógica de narcisismo, por uma lógica em que a única métrica de sucesso e de fazer valer a pena estar naquele espaço, é um tipo de jogo. Do número de seguidores, do número de likes, do número de hates ou de aprovação que você recebe. Do tanto de afirmação e de briga que você é capaz de produzir naquele espaço.

Isso mexe com áreas muito invisíveis para a nossa consciência. Porque ali – e a gente já sabe disso de muitas formas, com a neurociência – se mexe em circuitos muito primitivos. E essa lógica narcísica é o ponto fraco do ser humano. O mito mais antigo de todos é o mito do Narciso, que a gente esquece qual é, mas que é uma figura que, quando se olha no espelho, se afoga nele e não consegue mais desviar o seu olho de si mesmo. Acho que a rede social é muito mais um espelho, no qual você se vê refletido, mesmo sem se reconhecer. É muito mais um fascínio com uma possibilidade de satisfação individual do que uma construção coletiva ou mesmo comunicação pura e simples. Por conta do meu perfil, parei de escrever textos longos, não sou mais um repórter que escreve, tenho dificuldade de escrever. Mesmo a minha figura no Youtube, hoje, quando penso sobre ela, acho muito estranho, porque estou falando com um espelho. Quando olho para a câmera, vejo a minha cara. Estou dialogando com mil pessoas ali, que estão me vendo, mas, no fim das contas, estou olhando no espelho e falando sozinho. É muito o inverso do que eu me propus a fazer no jornalismo quando tinha 20 anos de idade. Acho que precisamos pensar e ser muito críticos em relação a isso, porque vai muito além do modelo de negócios. Isso é modelo mental, é subjetividade mesmo.

CONTINENTE Na minha própria relação com as redes sociais, entendi que uma maneira de evitar isso é, talvez, não participar tanto assim, estar fora delas em algum momento. Mas entendo também que, dentro da profissão do jornalismo, isso é muito difícil. Você tem que estar interagindo e, nessa situação que vivemos, de “pejotização”, você tem que estar lá vendendo seu peixe, seu perfil, sua marca. O que você diria para quem é jovem e está começando agora? É possível estar nas redes sociais e não cair totalmente na lógica do perfil?
BRUNO TORTURRA Se eu te der uma resposta muito convicta, vou estar mentindo. Não sei, na verdade. É como se você me perguntasse se acho que uma pessoa jovem pode usar drogas de vários tipos sem cair em um lugar perigoso. Acho perfeitamente possível, mas não vou falar: “vai lá!”, porque dá problema (risos). Nesse sentido, acho que a rede social é ainda mais insidiosa do que droga. Porque a droga tem algo que se autorregula nela, você fica louco quando você usa. Se você usa muito, sente que está exagerando, que está perdendo o equilíbrio. Com a rede social não é assim, você acha que está sóbrio. Ela se veste de realidade e você vai indo. O que eu diria para uma pessoa jovem é: muito cuidado. Não acho que seja necessariamente impossível viver de jornalismo sem rede social. Sei que é mais difícil. E não só mais difícil: você vai ter que ser mais criativo, possivelmente, mais talentoso e, possivelmente, ter mais sorte. Sorte é o mais importante, talvez, para achar o lugar certo. Existe hoje uma demanda reprimida, exatamente porque está todo mundo na rede social, para conteúdos mais criativos, por vídeos mais longos, por textos muito bem escritos, por blogs que podem ser reinventados, por revistas impressas como a Continente.

Mas, ao mesmo tempo, o maior risco não é ficar fora do mercado comercial, é a pessoa perder certo pé no mundo no qual ela está. Porque o mundo está tão construído em torno da conversa das redes sociais que o risco para o jornalista é ele parar de fazer parte do mundo coletivo. E se você não faz parte do mundo coletivo, fica muito difícil ser jornalista. Você pode ser um romancista, um pintor e se destacar, analisar de fora, ver de longe. Mas o jornalista é o pé no chão mesmo. E, infelizmente, hoje o pé no chão não é mais o sapato sujo, é a vista cansada. E eu sinto isso. Abandonei o Twitter por um ano. Foi muito bom pra minha cabeça, mas prejudicou a minha profissão. Porque, assim que eu voltei, a audiência subiu, começaram a me chamar novamente para trabalhar, fui lembrado. “Ah, ele existe, ele não desistiu do mundo.” Sendo que era só o Twitter (risos). Acho que isso tende a mudar, porque as redes sociais têm vida útil e a dinâmica é muito rápida. Mas o que eu diria é o seguinte: não precisa ser radical de se fechar completamente. Mas, sobretudo se você é jovem, tem uma coisa que você precisa fazer com certeza, uma coisa que tive a sorte de fazer, porque vim antes das redes sociais, que é construir uma carreira fora delas. Então, mesmo que eu não esteja nas redes sociais, tenho para quem ligar se precisar, tenho currículo, tenho uma reputação. Você precisa construir não a sua marca, mas o seu trabalho, o que você faz de verdade.

E o risco da rede social é que ela é pior do que a coluna de opinião: é muito descartável, não te exige muita reflexão, só te exige posicionamento. Ela te dá recompensas com conteúdos, principalmente, de baixa qualidade. Usando muito ou pouco as redes sociais, é preciso ter muita atenção a dedicar tempo e disciplina para trabalhar nas histórias e gêneros de jornalismo em que você acredita, que você pode e é capaz de fazer. Gosta de cultura? Vai cobrir as coisas! Vai a pé, pega um ônibus, um Uber. Junta um dinheiro, se você tiver, e viaja para outro lugar para fazer coberturas. Mete-se no camarim, manda e-mail, usa a rede social para pedir entrevistas. Usa a rede social para criar algo que só você sabe fazer. O Twitter é a sua rede? Cria sua identidade, seu estilo. Por isso que podcast está vingando tanto, porque é barato e fácil de fazer. E acho incrível, mas têm demandas em outras áreas, têm demandas em fotografia, em texto, em vídeo, em linguagens que a gente nem sabe. Então, a dica que tenho pra dar é: não se seduza pela recompensa rápida das redes sociais, porque ali não tem futuro. O que tem ali é relacionamento, divulgação de trabalho e o entendimento de uma dinâmica pública. Não sei como vai ser sua regra, mas tem que inventar uma. A cada hora que você passa nas redes sociais, tem que passar pelo menos outra hora lendo, escrevendo, editando vídeos e buscando conteúdos que só você vai produzir, porque, se não, você vai ser só um replicador.


Grandes redações, como a representada no filme Todos os homens do presidente (1976), são cada vez mais raras. Foto: Reprodução

CONTINENTE Em entrevista à Continente, a jornalista Eliane Brum declarou que uma das dificuldades em cobrir a Amazônia é o financiamento. Fazer jornalismo de qualidade, em especial reportagens, custa caro. Como você vê isso no futuro? Você acha que é possível surgirem novas formas de financiamento que não reforcem a lógica do perfil?
BRUNO TORTURRA É uma ótima pergunta. Espero que sim. Eu te daria essa resposta muito mais convicta há uns cinco, seis, sete anos, quando estava muito dedicado a explorar esses modelos de negócios, com o Estúdio Fluxo, que eu montei e era um estúdio fixo mesmo, com equipe. Tinha aluguel, receita, investi dinheiro, me endividei. Eu acreditava em veículos que ainda existem e são maravilhosos, mas que, financeiramente, não decolaram, como a Agência Pública, o Nexo, o Fluxo, The Intercept Brasil, a Repórter Brasil, Amazônia Real e agora a Sumaúma, com Eliane Brum. O jeito de transcender a lógica do perfil e da marca pessoal é retornar para a lógica de veículo, seja um coletivo, uma cooperativa, uma empresa, uma fundação, mas ele precisa ainda recompor o que eu considero fundamental, que é a redação e a credibilidade construída coletivamente. Sempre apostei e ainda acho que a solução central para isso é o público, é a audiência.

Para essa audiência virar modelo de negócios, duas coisas vão ter que acontecer. Uma mudança cultural muito grande, que é: você vai precisar dar um valor econômico a algo que você tem de graça. Isso não é intuitivamente fácil de produzir. Colocar o paywall em cima de tudo não vai dar certo, em minha opinião. E não vai cumprir a função mais importante que o jornalismo e a rede social têm a oferecer que é a distribuição farta de informação de qualidade, reconhecida e tudo mais. Pouca gente vai querer pagar por uma coisa que está sobrando, que é conteúdo pra ler. O jornalismo, hoje em dia, está competindo com qualquer coisa. Está competindo com o Instagram do psicólogo. Que eu também vejo, eu vejo Instagram de psicólogo direto! Adoro ver psicanalista dando opinião, acho ótimo. Gente dando opinião de esportes, de games, acho ótimo. Não sou muito do esporte, mas tem. A gente está competindo não com jornalistas, a gente está competindo com a sociedade hiperconectada. Então, para você oferecer alguma coisa que elas vão valorizar, ela precisa ser livre, acessível e a mudança cultural que precisa acontecer é o público entender que isso é importante. Ele tem que se sentir mal de não dar uma força para esse conteúdo que ele valoriza, que ele consome, com o qual se beneficia e que faz diferença na vida dele.

Mas, para isso acontecer, não basta só uma campanha com slogan, é preciso ferramentas tecnológicas e bancárias. Instrumentos de programação digital pensados para financiar o jornalismo numa lógica de distribuição e não numa lógica de acúmulo. E o problema dos novos homens mais ricos do mundo, hoje em dia, que são literalmente esses caras, é que eles construíram estruturas monopolísticas e acumulativas do tipo de relação que a gente pode ter na internet, sejam sociais ou econômicas. Vamos lembrar que o Elon Musk, antes de virar o babaca que ele é hoje, inventou o PayPal. A gente precisaria de um PayPal distribuído, de software livre, sem fins lucrativos. A gente precisava de um botão de Twitter, de Facebook, de Instagram que fosse capaz de dar uma doação direta, pequena e segura, mas sem mediação, sem 30% de taxa, sem digitar o cartão de crédito toda vez. Para que você, quando vir uma entrevista minha, uma live sua, uma foto sua, uma live dele, você poder dar algum dinheiro. Só que esse botão não existe por dois motivos: porque as empresas de jornalismo são muito atrasadas no pensamento da mudança infraestrutural que aconteceu no jornalismo e na comunicação.

Sou da geração em que os homens mais ricos do Brasil eram as famílias donas dos meios de comunicação. Era a família Marinho, a família Civita, a família Saad e a família Mesquita. E eu sabia o nome dos grandes publishers: Roberto Marinho, Roberto Civita. Quem é que são hoje? A gente não sabe mais quem eles são. Esses homens perderam a relevância, porque pensar como publisher hoje é pensar mais como o Elon Musk e como o Jeff Bezos do que como o editor da Folha de S.Paulo. Eles precisam pensar modelos econômicos compatíveis com o tipo de conteúdo que produzem, isso a gente não foi capaz de pensar.

E o segundo motivo pelo qual essa tecnologia (de financiamento) não existe é porque, se ela existir, ela quebra as pernas do Jeff Bezos, do Elon Musk e do (Mark) Zuckeberg. Porque isso é a verdadeira liberdade de expressão, em minha opinião. Não é divulgar suástica no Twitter. A questão é como você cria um ambiente onde as expressões podem ser sustentavelmente viáveis de serem espalhadas e não uma performance de espetacularização em cima delas. Acho que existe um papel decisivo que o Estado e as leis têm nisso tudo. Porque a gente vai precisar entender essas superestruturas de rede social e de comunicação como estruturas de interesse e utilidade públicas. Se você não transforma isso em algo com permeabilidade democrática, pública, com interesse público, fazendo com que sejam estruturas que pertençam a todos nós, o perfil nunca vai ser um cidadão. E a gente está transformando a camada mais importante da democracia, que é a da comunicação e das relações humanas, em um feudo e só a parte analógica é uma república democrática. Aí dá essa disfunção. O Carlos Bolsonaro vira um cara mais influente do que o editor da Folha de S.Paulo.

A gente precisa que o Estado entre, de alguma maneira, para regular isso, para criar instrumentos de apoio financeiro e estruturas públicas. Eu defendo muito que a gente não só quebre os monopólios dessas redes sociais e quebre os algoritmos delas, mas também acho que o Brasil deveria ter um servidor de vídeo próprio, que não o YouTube, que seja gratuito e dê acesso a todo mundo. Deveria ter, para uma pessoa que quisesse ter um acervo de vídeos lá, fazer uma live. É por aí. Financiar programadores públicos que possam criar inovações reais em modos de financiamento. Aí talvez a coisa fique mais fácil. Se vai resolver o problema, eu não sei, porque, ainda assim, pode ser pouco dinheiro. É caro mesmo. E tem outro problema: nunca teve tanta gente querendo ser jornalista. Compreendo, porque são jovens que nasceram na internet e se veem enquanto comunicadores desde muito cedo. Então é quase natural que você queira se profissionalizar ou achar uma profissão como consequência de sua vida de perfil, de sua vida já de comunicador. Mas, aí, acho que é uma falha do sistema educacional. Acho que essa educação deveria ser dada desde o Ensino Básico. Uma formação de mídia, para que não haja a ilusão de que vão existir milhões de vagas de jornalismo no Brasil. Porque não vai, é difícil.


As redes sociais comandadas por Elon Musk (Twitter, acima) e Mark Zuckeberg (Instagram/Facebook) dominam hoje o campo comunicacional.
Fotos: 
Debbie Rowe/Wikimedia (1) e Anthony Quintano/Wikimedia (2)

CONTINENTE Vamos falar agora de política. Tivemos uma vitória eleitoral importante, ao derrotarmos Bolsonaro. Porém – e é até clichê falar isso, mas é relevante – é preciso derrotar o bolsonarismo, que segue vivo. Isso é possível sem uma regulação das mídias sociais? Ou sem essa pedagogia de ensinar as pessoas, desde a escola, a usarem a internet?
BRUNO TORTURRA Sem a pedagogia não é possível. A pedagogia é absolutamente fundamental, é um problema central que não é do bolsonarismo simplesmente, é do neofascismo, que, no fim das contas, é fascismo. O fascismo original era parecido também, porque ele vivia numa realidade paralela, dependia da fake news, dependia de dissonância cognitiva. O problema dessa pedagogia é que não adianta só botar isso na escola, porque os eleitores têm mais de 18 anos. Não quero acabar com o fascismo em 2080, quero acabar em 2024. Então, essa pedagogia precisa ser feita em adultos formados, adultos em dissonância cognitiva profunda. Estamos pagando muito caro o preço de uma pedagogia que deveria ter sido feita antes do mundo digital, até. No Brasil é especificamente importante, porque o país nunca teve jornalismo no seu território. Você tinha jornalismo em algumas capitais. Em São Paulo, no Rio, no Recife, em Porto Alegre, Belo Horizonte e Brasília. Salvador, menos do que Recife. Mas, se você vai pros cinco mil municípios do Brasil, é um deserto midiático. Quando tinha, em geral, era do prefeito, do vereador. Então a informação, quando tinha, corria de outra forma. E o que acontece?

Sem a transição, sem acesso à TV a Cabo, à Folha de S.Paulo ou a alguma mídia local, sem que houvesse uma política de distribuição midiática, o Brasil entrou na internet não foi nem pelo laptop, foi pelo smartphone. Para o grosso da população brasileira, o primeiro e único contato com a internet e com o mundo da informação foi no smartphone. No qual é particularmente mais fácil você simular que é uma fonte confiável de informação. De um mercado quase inexistente, da escassez total de notícias, a gente foi pro ambiente distópico de hiperinformação manipulada.

Então, o que acho mais importante para resolver esse problema do bolsonarismo no curto prazo, para não ter que ter um processo educacional superabstrato, é reconhecer que não é que as redes sociais não são devidamente reguladas, é reconhecer que os responsáveis pelos crimes cometidos nas redes sociais não são punidos e investigados. A coisa mais importante que deve acontecer no Brasil este ano é o inquérito das fake news. Porque, para resolver isso, você não precisa quebrar o Twitter e o Facebook. O Twitter e o Facebook você tem que quebrar por outros motivos, para o perfil ser um cidadão, para a democracia entrar. Mas, para parar com os golpistas na beira da estrada, tem que prender o Velho da Havan. Isso custa muito dinheiro. Isso custa mais dinheiro que montar um jornal. Se você for ver o custo que os caras tiveram para iludir toda essa população brasileira, não é pouco. São centenas e centenas de milhões de reais que foram gastos nos últimos anos. Parte dinheiro público, parte dinheiro privado, parte dinheiro internacional, parte veio em dólar. Então, tem uma investigação criminal que a gente discute muito pouco. A gente até discute, mas a gente não entende, porque é muito cômodo jogar esse problema para um problema hiperestrutural. Algumas coisas não são assim, é preciso meter na cadeia essas pessoas. Porque, se isso acontece, você revela para uma parte significativa da população que eles foram enganados. Mas, mais importante, você inibe que isso se torne um modelo de campanha no Brasil. Eu poderia até falar que educação é suficiente, mas a gente sabe que não é. O Bolsonaro ganhou entre pessoas com curso superior no Brasil. O que é que você vai fazer? Vai reformar tudo? Não vai, tem um processo ali que é muito complexo. Em termos psicológicos, midiáticos, é isso. Mas derrotar o bolsonarismo passa por outras coisas também, que não é só mídia.

CONTINENTE Como o quê? (risos)
BRUNO TORTURRA (risos) Ah, não sei falar disso objetivamente para uma revista. Mas testemunhei isso, como repórter, nos últimos anos. Estive nas ruas, acompanhei e vi muita coisa. E acho que a gente está passando por um processo psíquico muito duro para o país. Um processo de trauma, de recalque, um processo psicanalítico que eu não tenho nem muito instrumento para analisar. Tem gente que fala sobre isso muito melhor do que eu. Mas acho que tem um processo psíquico muito complicado e que a extrema-direita é um terreno muito arado para essas pessoas. Porque, também pela internet, e pelo lado positivo dela, não pelo lado negativo, no começo, vozes e pessoas e cidadãos e cidadãs começam a emergir, se organizar e produzir um discurso novo. E discurso é uma coisa muito profunda para a política e para a identidade. Nos últimos 20 anos, muitos discursos apareceram, no mundo todo, inviabilizando o discurso hegemônico até então. O discurso meritocrático, capitalista, patriarcal, branco, o discurso heteronormativo, o discurso do neoliberalismo, o discurso patriótico, da identidade nacional, dos mitos nacionais, o discurso religioso. Todos esses discursos foram estabilizados ao longo de séculos e, num tempo muito curto, eles estão sendo desafiados com muita propriedade e com muita razão. E esse discurso não vai ceder tão fácil. E o discurso patriarcal não está só com os homens, está com a sociedade inteira. Ele faz parte dos mitos, faz parte das mulheres, das crianças, dos times de futebol, das empresas.

E acho que a extrema-direita oferece uma resposta ontológica a esse pé na porta do discurso que aconteceu nesses últimos anos. Não é à toa que o comunismo voltou a ser uma palavra espectral, que explica tudo. O que o comunismo é? As pessoas estão erradas ao dizer o que é o comunismo, mas elas têm um ponto de verdade, porque não é o comunismo marxista. Mas o que é que o comunismo no século XX propunha? Ele propunha que o mundo pode ser radicalmente diferente, que tudo que eu sou ou deixo de ser, essa normalidade, que a gente pode mexer embaixo dele, que a gente pode mexer embaixo dessa estrutura. E, no fim das contas, esses discursos que estão sendo produzidos hoje estão ensaiando a possibilidade de um mundo radicalmente diferente. Mas essas estruturas não vão embora tão fácil. Então, o bolsonarismo é, em minha opinião, uma estrutura imunológica do mundo que não quer mudar. Do Brasil que não quer mudar. Do Brasil que não quer se olhar no espelho de verdade. Que precisa de mil filtros, mil barreiras para se olhar no espelho e se achar bonito. No fim das contas, tem a pereba na perna do Bolsonaro. O Brasil precisa tratar isso. Porque, se não tratar, a pereba está lá. E isso é que é interessante no Bolsonaro. É terrível, mas é interessante. Ele é tão completamente antagônico a tudo o que o Brasil produz de genuíno, que ele é essa disputa do Brasil consigo mesmo. Ele rejeita a cultura brasileira, a genética brasileira, a música brasileira, o território brasileiro, a floresta brasileira, os indígenas do Brasil, em nome de um patriotismo que não representa nada do que tem aqui. Isso é muito forte. Esse bolsonarismo não depende de rede social. A rede social facilita tudo isso porque ela acelera esse processo todo. Ela organiza essas pessoas. Mas, para resolver isso, a gente precisa de um processo longo, doloroso, mas muito estratégico, politicamente muito sagaz, para que essa janela de oportunidade que a gente vai ter nos próximos anos não reproduza o que aconteceu em 2018. O desafio não é do Lula, é da sociedade civil que ganhou, que ajudou a elegê-lo. Ela vai ter que entender que isso não é uma tarefa do presidente ou do partido, é uma tarefa nacional mesmo.


Ocupação do Congresso Nacional durante as Jornadas de Junho, em 2013.
Foto: Valter Campanato/Abr

CONTINENTE 2013 é um centro gravitacional, não deixa de ser o início de muita coisa. E é uma narrativa que ainda está em disputa. Queria que você falasse um pouco como foi a sua experiência, já que estava lá desde o começo, e como vê esse momento hoje. E se você acha que é possível traçar paralelos não só entre 2013 e o Maio de 1968, mas também entre os anos 1960 e os anos 2010, inclusive com uma retomada dos psicodélicos e o surgimento de novas discussões de gênero e raça.
BRUNO TORTURRA São perguntas interessantíssimas, respostas complexas e diferentes. Vivi 2013 de maneira muito intensa. Muitas pessoas também, mas acho que tive uma experiência incomumente intensa, por conta da explosão da Mídia Ninja, do papel que eu tive naquela situação, do nível de exposição ao qual me submeti, pela inovação que aquilo representou naquela época. Mas também porque testemunhei a onda se formando desde 2011. A gente que estava junto, naquela época, sabia que ia acontecer alguma coisa. A gente não sabia o quê, mas a gente sabia, dava pra ver no horizonte. A gente não sabia o que seria, mas tinha algo vindo. Acho que 2013 vai estar sempre em disputa, assim como o Maio de 1968. Porque não é possível sintetizar o processo de explosão. Justamente porque eu acho que não é um centro gravitacional, é um bigbang. É a geração de uma nova condição na qual, a partir daquele momento, as coisas vão evoluir de forma caótica e imprevisível. Então, por natureza, é irresumível, porque junho não foi um mês, junho começou antes e acabou muito depois. E, mesmo em junho, foram dias diferentes, em cidades diferentes, cada dia era diferente. Havia dias em que a tarde era uma coisa e a noite era outra. Havia dias que tinham viradas loucas. E o excesso de análise desinformada que houve a respeito de junho de 2013 – o excesso de análise desinformada e mainstream, análises feitas na Globo, na Folha, em mesa de bar, em partidos políticos, em que cada um tem a sua versão para explicar o que aconteceu e o que não aconteceu – produziu um consenso entre as pessoas que viveram junho intensamente, que é: esses caras não estavam lá, ninguém sabe do que está falando.

E quem viveu não produziu essa síntese. As pessoas que eu reconheço, com as quais eu tenho muitas divergências, pessoas com as quais briguei, até, não vejo serem muito assertivas sobre o que aconteceu naquele mês. O que acho que precisa ser colocado que é central, em minha opinião: foi muito mais um ponto de virada, um rito de passagem midiático, do cidadão-perfil que virou um cidadão politicamente protagonista, uma quebra de monopólio narrativo que tinha a mídia como o grande filtro, que perdeu, e a ascensão do perfil em cima do próprio indivíduo que era dono desse perfil. Acho que a rua, com todas as contradições que essa frase muito simplificadora gera, claro, mas acho que a rua era muito mais um teatro de uma timeline brasileira do que grandes movimentos sociais de massa no Brasil. O povo brasileiro não estava lá. Quem estava lá era a sociedade que tinha comprado smartphone há não muito tempo. Eram pessoas que estavam vendo o Facebook como uma furada de “eu posso falar”. E os repórteres de rua ficaram obsoletos, ficaram atrás da polícia, e a Mídia Ninja estava no meio das pessoas e a subjetividade da nossa câmera era o que dialogava com o momento. Era o indivíduo, não o corpo coletivo, era a rejeição dos partidos, dos movimentos sociais, era o narcisismo de quem não admitia liderança. O narcisismo do cidadão que fala assim: “Não tem líder”. Na verdade, ele não está falando isso, ele está dizendo: “eu sou o líder de mim mesmo”. Era a cartolina e não a faixa. Era uma série de coisas.

Evidentemente, quando você põe esse tipo de energia na rua, é o problema da rua. Quando você catalisa, quando você consegue produzir realmente isso em rua, não é que você consegue o que você quer. Colocar um milhão de pessoas na rua não produz necessariamente o efeito que você quer. Produz algum efeito. Você enfia muita energia no sistema. E, no Brasil, dá para argumentar que essa energia nunca tinha sido colocada com essa velocidade e intensidade. Porque, quando você põe muita energia no sistema, você não sabe o que vai sair disso. É catalisador de muitas reações. E muita gente foi oportunista, muita gente vacilou, muita gente se machucou, muita gente se traumatizou nesse processo. Mas toda simplificação, que fala “o ovo da serpente do fascismo estava lá”, estava também. O black bloc era um grupo antifascista. Antifa, que denunciava já isso, que ia para a rua tacar pedra só em símbolos do capital financeiro. Não quebrava lanchonete de ninguém, você não via uma banca quebrada pelo black bloc, você via janela de banco. A imprensa não traduziu isso, a sociedade se apavorou. E o que é que se provou nos últimos anos? O que é que o capital financeiro fez com o Brasil em 2016 e está fazendo até hoje? O que é que os bancos fizeram com o Brasil? O fascismo não estava vindo? Os black blocs não estavam avisando que viria?

Em junho de 2013, vi suástica pintada no chão no mesmo dia que tinha movimento social e feminista na rua, lutando pelo passe livre. Tinha careca do ABC, tinha skinhead. Foi um showroom da diversidade política do Brasil, da crise psicopolítica do Brasil, um showroom da crise dos partidos que já não poderiam representar essa diversidade brasileira. E da mídia, que até hoje está tentando recompor a sua relevância, mas que se provou ainda muito poderosa, porque conseguiu distorcer muito do que aconteceu naquele mês. Mas também acho que existem muitos episódios depois de junho que muita gente joga na conta de junho e é muito importante que a gente se lembre. A Copa de 2014 foi um episódio muito importante. Às vezes, acho tão importante quanto junho de 2013 foi, e a gente não lembra tanto dela. O processo de impeachment, as manifestações supostamente patrióticas do impeachment, a politização da polícia, que junho contribuiu muito, a ideia da polícia como objeto de selfies, isso tudo começou a acontecer muito depois de junho de 2013, começou a acontecer em 2015. Tudo isso são fenômenos que ajudam muito a explicar o que a gente está passando hoje. Junho foi muito mais um big bang do que um centro gravitacional, do que um sol no qual nós ainda estamos orbitando. Foi o disparador de um processo que ainda está em evolução. A gente ainda está vivendo as galáxias e os planetas em função daquela explosão. E essa organização, hoje em dia, é o que me interessa mais. Essa reestabilização do sistema político brasileiro que, hoje, já dá pra entender melhor. O bolsonarismo é uma galáxia e a gente já consegue entender as regras dela, as forças que operam naquele lugar e os objetos ali.

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