Começamos, então, a testemunhar a ferocidade do ambiente corporativo. Como algo perigoso, uma clara ameaça mundial, é capaz de receber um rebranding e ser transformado num produto vendável. Através de tentativas de diálogo, a problemática central é destrinchada ao longo da extensa reunião, que, além do chefe e dos técnicos, conta com a participação de funcionários de outros setores da empresa. Os conflitos internos de cada um deles são gradualmente expostos pelo narrador onisciente, dando-nos vislumbres das reais intenções pessoais dos envolvidos. “Aquilo não é mais uma reunião. É a beira de um abismo”, pensa um dos personagens. Na sala de paredes de vidro, tudo está em jogo e, movidos por ego e ganância, nenhum deles está disposto a perder.
“É uma empresa de tecnologia gerida por pessoas, e com um dia a dia de relacionamento entre elas. O que o livro mostra é a impossibilidade de se entenderem com o diálogo, que é uma questão muito humana. Porque cada um tem os seus próprios interesses. O problema lá, imediato, não é o que os move. As pessoas usam o smartphone só pensando nelas, elas não estão interessadas se estão mexendo com o passado ou com toda a realidade humana, desde que elas consigam um pouco mais de poder”, pontua Marcelo Ferroni em entrevista à Continente.
Chega a ser incômodo ler alguns trechos da narrativa, principalmente para quem reconhece traços comportamentais de manterrupting, bropriating e gaslighting, neologismos ligados às práticas de interditos, silenciamentos, sujeição e outras violências relacionais contra as mulheres. Isso porque a escrita de Marcelo consegue sinalizar e, assim, criticar o machismo presente no mundo corporativo. As personagens mulheres são, mais de uma vez, alvos de subjugação intelectual e objetificação pelos homens, como no trecho: “A vice-presidente corporativa é uma mulher baixa, cabelos castanhos na altura da nuca. Tem cara de assustada e a bunda grande, não faz o tipo de Maxwell”.
Infelizmente, representa a realidade social. Por isso, seria superficial dizer que As maiores novidades discute apenas ciências exatas; há também ciências humanas presentes nas entrelinhas. O livro apresenta uma curiosa vitrine para as relações interpessoais. A ideia de viagem no tempo se torna plano de fundo para o desenrolar das interações entre os personagens e uma crítica ao ambiente corporativo.
O livro ganhou spin off em formato de podcast,
o A última notícia. Imagem: Divulgação
O que reforça esse caráter é a ausência de diversidade de cenários. A maioria das cenas se passa dentro de um único espaço: a sala de reunião onde tentam resolver o defeito do Challenger Ten. Também não temos vislumbre nítido de como a problemática está afetando a sociedade fora dos muros da empresa.
“Este livro é uma sci-fi corporativa. Eu queria que ele se passasse quase como um teatro, com os personagens fechados na empresa. É como se a vida fosse a empresa. É uma questão que existe no mundo corporativo, que faz você acreditar que fora desse mundo não há vida. Eu queria marcar esse pesadelo corporativo onde as pessoas estão presas e acham que não conseguem sair”, explica Ferroni, que já trazia esse tipo de discussão em 2017, no livro Fogo na floresta.
A narrativa se encerra sem grandes desdobramentos. “Queria deixar um espaço de escape para as personagens”, afirma o autor. No intrigante capítulo final, pensamos: “Se estivesse nessa situação, o que eu faria?”. Para quem almeja um desfecho mais amarrado, é possível tê-lo em mãos (ou ouvidos) através do podcast A última notícia (Spotify). Com modelo semelhante a um programa de rádio, o trailer do spin off do livro traz fragmentos de depoimentos de novos personagens, entregando um panorama da realidade pós-lançamento do smartphone/máquina do tempo Challenger Ten. Um deles profere: “Difícil explicar com palavras... Um erro corporativo destruiu nossas vidas”. A torcida é por novos episódios e a garantia de que tudo permaneça apenas no campo da ficção.
TAYNÃ OLIMPIA é jornalista em formação pela UFPE.