Perfil

A guerreira do fim do mundo

Aos 90 anos, Elza Soares é exemplo de resistência em meio ao racismo, feminicídio e à pandemia, que escancara os efeitos perversos da desigualdade social

TEXTO Débora Nascimento

01 de Abril de 2021

Elza Soares é inspiração através de sua garra, força, coragem, disposição, vontade de viver e sobreviver

Elza Soares é inspiração através de sua garra, força, coragem, disposição, vontade de viver e sobreviver

FOTO Marcos Hermes/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 244 | abril de 2021]

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“V.A.C.I.N.A.D.A. Com o coração cheio de esperanças, o braço pronto para receber a vacina em prevenção ao coronavírus, a bandeira do meu Brasil nas mãos, o pensamento em cada brasileiro que ainda aguarda sua vez chegar e sem furar a fila da vacinação. Precisamos imunizar toda a nossa população. Nossa gente merece ter o mesmo direito à vida, que qualquer um de nós.”

No dia 5 de fevereiro, Elza Soares postou, em seu perfil no Instagram, a imagem da aplicação da primeira dose da vacina contra a Covid-19 no seu braço esquerdo. A longa legenda incluía a frase: “A ciência venceu o medo, o negacionismo e a desinformação”. O olhar sério fixa a câmera. No colo, segura, com a mão direita, a bandeira do Brasil. 

Quase um mês depois, no dia 4 de março, postou no Twitter: “Essa doeu! Não na carne, mas no peito. Doeu e dói, quando penso nas pessoas que não terão a mesma chance de tomar a vacina a tempo. Quantas famílias sonharam com essa cena, mas não deu tempo. Meu coração tá com vocês. Tomei a segunda dose. Queria comemorar, mas não seria justo”.

A artista refere-se ao fato de a vacinação ainda estar lenta, devido à falta de doses suficientes nos postos, em meio a uma segunda onda com variantes mais transmissíveis infectando e matando um maior número de brasileiros, provocando colapso nos sistemas de saúde pública e privada em todo o país. A cantora faz parte do grupo prioritário a ser imunizado. Pertence à faixa etária que foi atingida em cheio pela pandemia do novo coronavírus.

A imunização de Elza é, também, a salvaguarda de um dos maiores tesouros nacionais. E atravessar a pandemia, um dos muitos desafios de sua trajetória. Neste momento de extrema vulnerabilidade permeado de incertezas, medos e ansiedades no país, sua história de garra, força, coragem, disposição, vontade de viver e sobreviver, representa, mais do que nunca, uma inspiração para todos. “Tem que ter consciência. É não levar pra dentro de casa a doença. Consciência, gente. Vamos usar máscara, álcool em gel, vamos amar o próximo, por favor. Estou me cuidando, fazendo muita fisioterapia, cuidando do corpo e da alma”, afirmou em entrevista à Continente, por mensagens de voz. “A gente tem que se cuidar, senão, não tem jeito, minha gente. Estou pegando o meu sol de manhã, nessa vista maravilhosa de Copacabana. Tem coisa melhor do que isso?”


Elza Soares tomou a 1ª dose da vacina contra Covid-19 no dia 5 de
fevereiro deste ano. Foto: Pedro Loureiro/Divulgação

Nessa quarentena em seu apartamento na Avenida Atlântica, Elza tem diante de si “as ondas, as ondas, as ondas”, como canta no refrão de Dura na queda, composição do amigo Chico Buarque que abre o festejado Do cóccix até o pescoço, álbum de 2002, responsável por iniciar a atual fase gloriosa da carreira da artista: “O Sol ensolarará a estrada dela/ A Lua alumiará o mar”.

A estrada dela começou 90 anos atrás (ou um pouco menos: pode ter nascido em 1930, 1931, 1935 ou 1938; em 23 de junho ou 22 de julho; ela não confirma), a 40 quilômetros do mar de Copacabana, em Moça Bonita, uma das primeiras favelas do Rio de Janeiro, hoje Vila Vintém, na zona oeste da cidade, situada entre os bairros de Realengo e Padre Miguel – onde se localiza sua escola de samba do coração, Mocidade Independente. Quando Elza era ainda bem pequena, a família mudou-se para o Bairro de Água Santa, próximo de Engenho de Dentro, na Zona Norte.

Elza Gomes da Conceição tinha cinco anos quando disse ter sido acordada por São Jorge. “Posso pedir para o senhor dizer para meu pai não me bater tanto assim? Eu prometo que vou ser uma menina boazinha. São Jorge, eu não vou ficar aprontando muito não.” O santo respondeu que ela ainda apanharia muito na vida. Seus pais, Avelino e Rosária, eram ligados ao espiritismo. E Elza, durante toda a sua vida, receberia sinais e veria aparições, que, de alguma forma, a prepararam para situações desafiadoras.

Seu Avelino, apesar de bater em Elza por suas peraltices, era muito apegado à primogênita. Ele, que tocava violão como hobby, ficava todo orgulhoso pelo fato de ela gostar de cantar e ser naturalmente afinada, treinada através do rádio que vivia ligado em casa, tocando as músicas de Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Sílvio Caldas, Orlando Silva e as big bands. 

Enquanto as canções permeavam o ambiente, Elza e suas irmãs Georgina, Carmela, Matilde, Malvina e Alice (irmã de criação) davam apoio à mãe, que era lavadeira de roupa, com mais de 20 trouxas por semana. Além dos afazeres domésticos, ajudavam na lavagem, a buscar água para a casa e a entregar as vestimentas limpas das clientes. A estrofe “Lata d’água na cabeça, lá vai Maria” não era, para Elza, apenas ficção.

Desde cedo, a menina não somente demonstrava força e equilíbrio para segurar a lata d’água na cabeça como também desenvoltura para driblar as restrições orçamentárias da família. Com um ímpeto nato, encontrava uma forma de se virar sozinha. Para ganhar uns trocados, recolhia nas ruas cacos de vidro e os vendia. Algumas vezes, na entrega das roupas limpas, ao esperar a mãe na Central do Brasil, usava o dinheiro da passagem para comer um pastel vendido na estação. Depois, abordava os transeuntes e lamentava que havia perdido o dinheiro do bilhete. Com o chororô, às vezes conseguia até mais do que tinha.

Ainda como contribuição à rotina da casa, cabia a Elza a entrega da marmita do pai, que trabalhava numa pedreira. Em uma dessas vezes, aproximou-se do inseto que ela adorava ouvir: o louva-a-deus. Enquanto descobria de onde vinha o som estridente, um rapaz do Bairro de Água Santa a agarrou pelas costas. Ela virou-se já batendo com o bule de café na cabeça do desconhecido. E o corpo a corpo começou. Acostumada a brincar e brigar com os meninos na rua, não teve receio de revidar. 

Seu pai, ao avistar de longe o que ele não sabia exatamente o que era e ao notar o vestido rasgado da filha, achava que deveria prezar pela honra dela, como se fazia antigamente, e ordenou que houvesse um casamento entre os jovens. O rapaz tinha 22 anos. Ela, 13. Não é difícil imaginar que essa união forçada e sem amor não teria boas consequências: Elza sofria constantes violência física e sexual. 


Elza ainda no começo da carreira, quando cantava em diversos
programas de rádio. Foto: Reprodução

Enquanto ainda queria brincar na rua com seus amigos, foi obrigada a largar os estudos, mesmo sendo boa em matemática, e a fazer sexo com um homem que mal conhecia, um descendente de italianos chamado Lourdes Antonio Soares, cujo apelido era Alaordes e de quem herdou o sobrenome que levaria por toda a vida. Um ano depois, já estava com um filho no colo, João Carlos.

Depois que nasceu Raimundo, Mundinho, o segundo filho, Elza passou a procurar emprego. Conseguiu uma vaga na Fábrica de Sabão Véritas, no Engenho de Dentro, onde, além de embalar o sabão, também fazia escovas de enceradeira, chegando em casa com as mãos furadas. Ganhava por produção, então trabalhava bastante.

Uma noite, quando voltou do trabalho, percebeu que Mundinho ardia em febre alta. Impossibilitada de faltar ao emprego na manhã seguinte, pediu à Dona Rosária que levasse o neto ao médico. O pediatra deu o diagnóstico: pneumonia. Mas o remédio prescrito não surtia efeito. Poucos dias depois, ao chegar em casa, encontrou o filho nos braços do pai, prestes a morrer. Elza tinha 15 anos e já enfrentava a dor maior de uma vida.

A morte de Mundinho, com menos de 1 ano de idade, provocada por uma doença agravada pela desnutrição, transformou o comportamento de Elza. Se ela já tinha determinação para trabalhar, virou uma obsessão colocar mais comida no prato dos filhos, numa época em que, segundo o IBGE, morriam de desnutrição 140 crianças, nessa faixa etária, a cada 1 mil nascimentos no Sudeste. 

Depois da perda de Raimundo e de um terceiro filho, que morreu após o parto, veio o receio de que o filho seguinte, Gérson, tivesse o mesmo fim. Por isso, o entregou temporariamente aos cuidados de seus padrinhos – que, tempos depois, a pressionaram, na justiça, para ceder a guarda do menino. O que ela acabou fazendo. Em seguida, nasceram Dilma e Gilson.

Ganhar uma grana extra foi o que encorajou Elza a apostar e ganhar no jogo do bicho, com a ajuda de sua intuição, e a arriscar uma participação, em 1953, no programa Calouros em desfile, que pagava em dinheiro os candidatos que recebiam nota máxima do apresentador Ary Barroso. Na vez da caloura Elza, ocorreu a história clássica, contada em diversas entrevistas. Ary, para diversão da plateia, perguntou à jovem magra e malvestida, com uma roupa da mãe cheia de alfinetes para ficar ajustada ao corpo, de que planeta ela teria vindo. “Do mesmo planeta que o seu, Seu Ary. O Planeta Fome”. Calou todos os risinhos.


Ainda iniciante, com o compositor Ary Barroso, apresentador
do programa
Calouros em Desfile, da Rádio Tupi. Foto: Reprodução

Mesmo após ter sido aprovada e ouvido, de Ary Barroso, a frase “Acaba de nascer uma estrela”, ela ainda voltou a trabalhar como empregada doméstica. No entanto, por conta de um desafio de seu irmão Avelino (Ino), que era músico na Orquestra de Bailes Garan, fez a prova que contribuiu para dar uma guinada no que parecia ser o destino de uma moça oriunda da favela naquela época. Ino, ao ouvi-la sempre a cantarolar, informou que haveria um teste para cantora na orquestra em que ele trabalhava como músico.

Para sua surpresa, ela apareceu e foi aprovada pelo maestro Joaquim Negli. Virou a crooner do conjunto. A orquestra se apresentava em bailes, casamentos e demais eventos sociais. Todas essas façanhas, da participação no programa de Ary Barroso a cantar na noite, eram concretizadas sem que a família soubesse. Para despistar, Elza surgia com várias desculpas e a principal delas era dizer que estava trabalhando para a patroa nos finais de semana à noite.

Algumas vezes, levava horas para chegar ao local do show, em vão. Não podia cantar, quando o dono do evento ou clube descobria que a cantora do grupo, liderado por um maestro branco e com alguns músicos negros, era uma mulher negra. Elza ainda não tinha noção da existência do racismo. Uma noite, por ímpeto, desrespeitou a proibição. Estava tocando uma música animada e ela não se conteve. Pegou o microfone e começou a cantar. O público se levantou e passou a dançar. Com a empolgação da plateia, ninguém teve coragem de tirá-la do palco. Ela terminou o restante do repertório, para surpresa e alegria de todos da orquestra.

Em um dos shows, dois homens que a viram cantar apresentaram-na à dançarina Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Theatro Municipal e pioneira na mistura entre dança africana e balé clássico. Mercedes participava do teatro de revista É tudo Juju-Frufru, espetáculo de sucesso no Rio em 1958. Elza fez o teste, mas sua maior dificuldade foi se apresentar de biquíni, pois raramente ia à praia e nunca tinha vestido duas peças de banho. Ela foi aprovada e sua performance chamou a atenção de Grande Otelo, que lhe deu conselhos preciosos no começo da carreira. O ator queria transformá-la em atriz, mas os ensinamentos dele serviram mais para os shows dela.

Com Mercedes, Elza fez sua estreia fora do país. Em Buenos Aires, dormiu pela primeira vez em uma boa cama, mesmo que fosse em um hotel popular na Rua Florida. Na infância, ela e os irmãos dormiam em esteiras, que, na realidade, consistiam em sacos de batata costurados. Mas o que parecia ser um ótimo negócio na Argentina terminou em calote do produtor. Quem tinha dinheiro para voltar ao Brasil, voltou. Como Elza não tinha, acabou levando um ano para poder reunir verba suficiente para retornar. Nesse período, conheceu alguns músicos hermanos, inclusive Astor Piazzolla. Raramente, ela conseguia alguma informação dos filhos e dos pais. Um dia, teve uma visão de que o pai falava com ela. E ficou cismada de que ele tivesse morrido. A certeza, só conseguiu na volta.

No retorno ao Rio de Janeiro, descobriu também que o marido não poderia continuar a trabalhar, pois estava internado com tuberculose. E tentou retomar os contatos que havia perdido ao passar um ano fora do circuito musical brasileiro. “Depois que voltei à Água Santa, sonhei novamente de olhos abertos com meu pai. Ele estava bem diante de mim e me olhava com uma expressão muito serena. A gente estava conversando normalmente e ele me dizia para eu ficar tranquila, que um dia eu seria muita rica”, contou na biografia Elza (Editora LeYa, 2018), de Zeca Camargo. Desde criança, ela repetia isso aos pais, que queria ser rica e bonita. No sonho, atendeu ao pedido de Seu Avelino para cantar Ave-Maria no Morro: “Você tem uma voz tão linda. Ainda vai cantar tanto”.

Após trabalhar por pouco tempo no Centro Psiquiátrico Pedro II (Instituto Municipal Nise da Silveira), Elza conseguiu um contrato para se apresentar no Bar Texas, no Leme. Saía de casa todos os dias às 18h para conseguir chegar ao local às 22h. Ao mesmo tempo, apresentava-se no programa de Hélio Ricardo, na Rádio Mauá, sem cachê, para conseguir visibilidade. Foi lá que Moreira da Silva a ouviu e encantou-se por sua voz, levando-a para se apresentar na Rádio Tupi, desta vez com cachê. 

A reação da mãe ao saber dessas andanças foi negar-se a continuar cuidando dos netos enquanto a filha saía à noite. Para ela, aquilo não era trabalho, mas vadiagem. Elza teve que apelar para a irmã cuidar dos sobrinhos, enquanto ela trabalhava até as 4 da manhã. Pegava dois ônibus para voltar para casa e já encontrava os filhos acordados se preparando para irem à escola. 

O Texas Bar era frequentado por figuras do meio musical, como o compositor Aldacir Louro, que a indicou para a RCA Victor. Empolgada em descobrir uma nova e rentável estrela, a gravadora enviou olheiros, mas não houve assinatura de contrato, pois descobriram que a cantora era negra. O seu primeiro compacto acabou sendo registrado pelo selo independente Rony, com dinheiro dos autores das músicas Brotinho de Copacabana e Pra que é que pobre quer dinheiro?: Moreira da Silva, Carvalhinho e Getúlio Martins. A propósito, esse foi o primeiro disco que Elza teve em mãos na vida. As gravações não fizeram sucesso. Mas depois surgiria outra chance de gravar…


Elza com Garrincha e os filhos Carlinhos e Dilma, em sua casa na Itália. Foto: Acervo pessoal

Uma noite, apareceu no bar a cantora Sylvia Telles, como um daqueles anjos que surgem na vida de qualquer pessoa com sorte. A intérprete de Dindi e A felicidade viu em Elza um grande talento e pediu que ela fosse à sua mesa após terminar o show. Assim, Elza reuniu-se ao grupo que contava com Lúcio Alves, Roberto Menescal e Aloysio de Oliveira, produtor musical e marido de Sylvinha: “Eu quero convidar você para gravar na Odeon. O convite é oficial. Não posso garantir que vai ser um sucesso, mas tenho certeza de que vai fazer um grande barulho”.

E fez. Elza escolheu gravar duas composições que já integravam seu repertório nas apresentações, Urubu malandro e Se acaso você chegasse – que se tornou o seu primeiro grande sucesso. Ouvir sua própria voz no rádio era uma experiência surreal para ela. Parecia incrível ouvir-se no mesmo equipamento de onde vinham as vozes de seus ídolos Silvio Caldas, Elizeth Cardoso e Cauby Peixoto, que também a viam cantar no Texas Bar. Nesse período, Elza ficou também amiga de Ronaldo Bôscoli, que fazia questão de circular com ela por lugares onde a presença de negros provocaria incômodo. 

Com o sucesso de Se acaso você chegasse, Elza já era reconhecida e dava seus primeiros autógrafos. Aproveitou a fama iniciante e foi a um armarinho comprar linha e renda. A dona do lugar reconheceu a voz da cantora e, entusiasmada, pediu para que a visitante esperasse o marido chegar para conhecê-la pessoalmente. E a convidou para tomar um café. Ambas entraram na sala de jantar. Quando a anfitriã voltou com a bandeja, a cantora perguntou se ela não a reconhecia. A mulher ficou sem reação ao descobrir que estava servindo sua antiga empregada doméstica. Diferentemente daquele dia, Elza, anos atrás, só podia entrar pelos fundos e não tinha direito a aparecer na sala, muito menos no armarinho. 

Nessa fase de ascensão da carreira de Elza, seu marido, Alaordes, aproveitou uma melhora no estado de saúde e foi abordá-la com um revólver na mão, pois havia descoberto que sua esposa estava cantando profissionalmente. Ela não teve nem tempo de falar. Ele atirou duas vezes. Uma das balas a atingiu de raspão no braço. Se, em 2015, ela cantava em Maria da Vila Matilde “Cadê meu celular?/ Eu vou ligar pro 180/ Vou entregar teu nome/ E explicar meu endereço”, na década de 1950, as mulheres ainda nem sonhavam com uma Central de Atendimento à Mulher ou com a Lei Maria da Penha. Foi a última vez que o viu. Após uma piora, ele faleceu em 1959, aos 36 anos.

Com a viuvez, Elza sentiu-se livre para cantar e namorar pela primeira vez com alguém escolhido por ela mesma. Um dos namorados foi o baterista Milton Banana, cujas batidas estão eternizadas em várias gravações, incluindo o clássico Chega de saudade, na versão definitiva de João Gilberto, em 1959. O músico queria casar, mas com o trauma do primeiro casamento, ela nem cogitava trocar sua independência por um matrimônio – opinião que mudaria ao apaixonar-se por Garrincha.

Ela e o jogador se conheceram rapidamente em 1958, em um evento após a Seleção Brasileira de Futebol ganhar a sua primeira Copa do Mundo. Depois, Garrincha bateu à porta dela para angariar votos para um concurso promovido pelo Jornal dos Sports, de Mario Filho. Elza ajudou comprando vários exemplares da publicação que trazia cédulas para os leitores votarem no jogador mais popular. Aquele que conseguisse mais votos ganharia um Simca Chambord. 

Garrincha acabou vencendo a disputa e voltou à casa da artista para agradecer. Combinaram um jantar, do qual participaram algumas pessoas, dentre elas, a cantora Elizeth Cardoso. A partir de então, o craque virou uma presença frequente na casa de Elza, que, em ótima situação financeira, vivia promovendo reuniões e festas. Depois, reencontraram-se na Copa de 1962, quando a cantora foi convidada para acompanhar o evento no Chile como a Madrinha da Seleção Brasileira. Nessa viagem, conheceu Louis Armstrong, em um encontro que rendeu situações cômicas que ela costuma contar em entrevistas, como quando o cantor disse que, por conta do seu timbre e do scat que ambos fazem, ela parecia ser sua filha, “daughter”, palavra que Elza confundiu com doctor.

Após vencer a segunda Copa do Mundo, Garrincha não voltou mais para sua casa em Pau Grande, em Magé, onde tinha esposa e sete filhas, e passou a viver com Elza. Por conta desse novo relacionamento, a cantora virou o alvo preferido dos ataques de jornais, rádios e de parte da sociedade. Era chamada de “destruidora de lares” e encarada como uma “ameaça à família brasileira”, numa época em que marido e esposa deveriam permanecer juntos até que a morte os separasse. 

Elza recebia ofensas na rua e ameaças físicas. A oficialização do casamento deles em 1966 não ajudou muito na recepção do público. Em alguns shows, espectadores, principalmente mulheres, viravam as costas para a artista. Diziam que havia interesse financeiro por parte dela. No entanto, naquela época, jogadores de futebol não ganhavam como hoje. Além disso, ele havia perdido todo o dinheiro que guardara debaixo do colchão – as cédulas ficaram imprestáveis. E ainda tinha a pensão das filhas, que pagava de forma errática. Era ela quem bancava as despesas da casa, pois já era bem-sucedida na carreira, tinha programa de TV, vendia discos, fazia shows.

Um deles aconteceu em 1968, em Nova York, no hotel de luxo Waldorf-Astoria. Dentre os espectadores, estava Sammy Davis Jr, que a convidou para passar uma temporada nos EUA. A artista foi também procurada por um executivo da Motown, gravadora especializada em artistas negros como Supremes, Stevie Wonder, Marvin Gaye e Jackson 5. Mas a Odeon, com quem tinha contrato, não a liberou. 

A história de amor do casal só era interrompida pela perseguição da sociedade e pelo alcoolismo do jogador, que viria aumentar a repulsa de Elza ao álcool, iniciada por causa das bebedeiras do pai e do primeiro marido. O casal vivia entre altos e baixos. Uma noite, ela sonhou com o jogador e com o refrão do sucesso de Wilson Simonal: “Vesti azul, minha sorte então mudou”. De manhã, Garrincha avisou que ia visitar suas filhas. Ela tentou dissuadi-lo, pois considerou que o sonho seria um alerta. Ele ignorou. 

No passeio de carro, foram com ele Sara, a filha adotiva do casal, e Dona Rosária, que tinha uma relação muito afetuosa com o genro. Em certo momento do dia, Elza ouviu a voz de sua mãe chamando-a. Pouco tempo depois, o telefone tocou. Era alguém de uma rádio informando sobre o acidente e que os três tinham falecido. No acidente, no entanto, Dona Rosária foi a única vítima fatal. Muito abalado com o ocorrido e em depressão, Garrincha tentou suicídio pela primeira vez. Escapou, mas mergulhou na bebida. 

Para somar-se à perseguição da sociedade conservadora, veio o Golpe Militar de 1964. Com ele, Elza enfrentou também perseguição política por ser amiga de Juscelino Kubitschek e ter cantado em comícios de João Goulart. Ela passou por tentativa de sequestro, teve a casa revirada pelo Dops em uma madrugada (após essa invasão, que deixou as crianças aterrorizadas, seu filho Gilson passou a ter ataques de epilepsia), recebia cartas e telefonemas anônimos com ameaças de morte e houve tiroteio na sua residência, com o aviso “Vocês têm 24 horas para deixar o país”. O que ela acabou por fazer com Garrincha e os filhos. 

Aproveitou uma proposta de shows na Itália e foi para aquele país em 1969. Lá, realizou apresentações e mantinha contato com alguns artistas brasileiros, principalmente Chico Buarque e Marieta Severo, que estavam exilados em Roma. Os quatro ficaram amigos. “Eles foram extremamente generosos com a gente e nos acolheram de imediato. (…) Eu sou muito grata ao Chico por tudo – eu amo esse cara! E Marieta era meu ombro amigo, sempre me dando ouvidos. Quando as coisas apertavam, quando eu tinha dúvidas de onde aquela aventura toda ia dar, era Marieta quem parava pra me ouvir e me aconselhar”, contou a artista na biografia Elza

Chico a apresentou ao produtor italiano Franco Fontana e também fazia indicações de shows e contrato com a gravadora RCA Victor, para a qual ela gravou um LP em italiano. Lá, ela, por sugestão de Naná Vasconcelos, chegou a cantar no lugar de Ella Fitzgerald em uma turnê pela Europa, pois a cantora norte-americana precisou fazer uma cirurgia de catarata.

Nesse período, Elza tentou de tudo para Garrincha trabalhar na Itália, mas ele sabotou todas as possibilidades: não aparecia aos compromissos e, em um jantar que Elza promoveu para um time italiano, surgiu completamente bêbado. Comportava-se mais como um filho para a esposa cuidar – que ela até o chamava de Neném. Ela ainda enfrentava a má vontade dos artistas italianos, que não admitiam a concorrência por público com uma estrangeira. Após receber uma carta de Chico Xavier, Elza decidiu finalmente voltar ao Brasil no dia 10 de dezembro de 1971.

Na volta à terra natal, perdeu todo o repertório que gravaria. As músicas foram parar no disco de Clara Nunes, que havia sido apresentada por Elza a Milton Miranda, produtor da gravadora. Então, imaginou um novo projeto, ao ouvir a bela voz de um cantor novato: Roberto Ribeiro. Quis gravar um disco em parceria, como havia feito com Miltinho em três discos no final dos anos 1960. Mas, por conta de descriminação racial de um executivo, teve que batalhar para fazer esse dueto. Enfim, o disco acabou sendo gravado e seria o penúltimo trabalho dela na Odeon. Depois foi para a Tapecar e, em seguida, para outras gravadoras e selos.

Na década de 1970, enquanto dava seguimento à sua carreira, Elza tinha ideias mirabolantes para tentar manter Garrincha sóbrio. E a mais forte delas era ter um filho biológico do casal. A cantora, que já havia até raspado a cabeça numa promessa para o marido parar de beber, fez uma outra: ele pararia de beber, se ela conseguisse engravidar de um menino. O trato foi feito, mas durou até o dia do parto, comemorado por Garrincha com um pileque. Outra tentativa foi comprar um espaço chamado O Bigode do Meu Tio, em Vila Isabel, que pertencia a Joffre Rodrigues, filho de Nelson. Foi rebatizado de La Boca. O lugar, que era uma mistura de bar com espaço cultural, durou menos de um ano. Restaram apenas dívidas para pagar e o ambiente não ficou na memória do Rio como o lendário Zicartola, de Dona Zica e Cartola. 

Com a morte de Nair, a primeira esposa de Garrincha, as filhas dele, que tinham idades entre 11 e 18 anos, foram morar com Garrincha e Elza, que conseguiu conquistar a amizade de todas. Nesse período, ela não confiava em deixar Juninho sozinho com o pai, que vivia bêbado. Ela tolerou essa situação até o dia em que o marido, ao pé da escada da casa, segurou o bebê por uma perna e brincou dizendo que o soltaria. Essa brincadeira insensata foi a gota d’água para uma mãe que já havia perdido dois filhos. Ela saiu de sua casa e foi morar num apartamento pequeno na Barata Ribeiro, em Copacabana. Garrincha ainda tentou reatar o relacionamento, até com uso de violência, arrombando a porta do apartamento. Mas nunca houve reconciliação. O jogador, considerado por muitos como o melhor craque da história da Seleção Brasileira, veio a falecer em 20 de janeiro de 1983, de cirrose hepática e coma alcoólico, com apenas 49 anos. 


No Circo Voador, durante a turnê A mulher do fim do mundo, em 2016, com Caetano Veloso. Foto: Raphael Castello/AgNews

Entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, parecia que a carreira de Elza Soares tinha definhado. Eram raros os convites para shows, como o Projeto Pixinguinha e o Projeto Seis e Meia. Por conta de dívidas, sua casa em Jacarepaguá acabou ficando com seu empresário na época. A situação estava péssima. Uma das apresentações decadentes ocorreu em um circo. O público economizava nos aplausos. Morando em São Paulo por um período, soube que Caetano estava na cidade e hospedado no Hotel Hilton. Foi lá, desabafou sobre tudo e revelou que pensava em desistir da carreira para trabalhar numa creche. Caetano respondeu que essa seria uma “decisão impensável” e que encontraria uma solução. 

Atendendo ao conselho do baiano, voltou ao Rio. Sem dinheiro, foi morar na casa do amigo Nélio, até que um dia recebeu um telefonema de Caetano dizendo que a pegaria no Teatro João Caetano, após a apresentação dela no Seis e Meia. De lá, passaram no show de Gil no Canecão, foram ao camarim e, em seguida, para a gravadora Philips. Ele mostrou a composição Língua, que entraria no disco Velô (1984).

A música foi um sucesso e aparentemente marcou o final da fase decadente na carreira de Elza. Mas, quando tudo parecia entrar nos trilhos novamente, ela ouviu uma notícia terrível no rádio, no dia 11 de janeiro de 1986: a morte de seu filho Garrinchinha. Juninho, como ela chamava, tinha ido à casa das irmãs jogar bola com amigos e foi visitar, com eles, o túmulo do pai, em Magé. Na volta, o motorista perdeu o controle do carro e caiu em direção ao Rio Imbariê. A porta do lado do menino se abriu. Apesar de saber nadar, ele foi levado pelas águas. Apenas ele faleceu. O motorista estava bêbado e esse é mais um motivo para ela detestar bebida alcoólica. Sedada, não teve condição emocional de ir ao enterro do garoto de 9 anos. 

Poucos dias após a morte do filho, a artista surpreendeu Lobão ao aparecer no estúdio para cumprir com sua participação na gravação de A voz da razão, do disco O rock errou (1986). “Fui gravar porque a Elza não se deixa derrubar. É um compromisso que eu tenho comigo mesma. A dor era só minha e era eu que tinha que resolver. Era uma coisa que eu deveria enfrentar – eu comigo mesma. E o jeito que eu achei para fazer isso naquele momento foi me curar com música.” 

No livro Guia politicamente incorreto dos anos 80 pelo rock, Lobão falou que a concentração da cantora antes de começar a gravar “foi a coisa mais emocionante e comovente que uma expressão musical já me causou ou me causará”. No mês seguinte, mesmo arrasada, cantou em bailes carnavalescos no Rio. Sem suportar a dor, foi às favelas, ficou próxima de traficantes, buscando amparo nas drogas. Um período sombrio.

Em novembro de 1990, recebeu convite para se apresentar em Los Angeles. E acabou passando uma temporada de dois anos por lá, quando chegou a ter aulas de saxofone com o compositor e maestro pernambucano Moacir Santos, residente em Pasadena. O dinheiro que tinha era apenas para o básico. Começou a frequentar igrejas negras e a ouvir gospel, envolveu-se também com um culto religioso e até se casou com um desconhecido para obter o green card. Mas, antes de buscar o documento, voltou ao Brasil em 1992, após um projeto cultural malsucedido. Estava se sentindo sem rumo, solitária, longe dos filhos e dos amigos.

Nessa mesma década, foram publicados livros que remontaram boa parte de sua história: a biografia Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha (1995), de Ruy Castro, e Elza Soares: cantando para não enlouquecer (1997), de José Louzeiro. Em 1969, ela já havia lançado a autobiografia Minha vida com Mané. A propósito, a história cinematográfica da cantora também rendeu dois musicais (Crioula, em 2000, e Elza, em 2018), dois documentários (Elza, de 2008, e My name is now, de 2014) e uma cinebiografia a ser protagonizada por Taís Araújo, ainda sem título e data de lançamento.

Nos anos 1990, lançou o álbum Trajetória (1997), pela Universal, quase 10 anos depois de Voltei (1988). E, em 1999, gravou Carioca da gema – Elza ao vivo, em que um imbróglio sobre sua gravação de Sá Marina, que foi retirada pela gravadora Universal para dar a Ivete Sangalo, prejudicou a distribuição e divulgação do disco, que, neste 2021, estreou nas plataformas digitais.

Naquele 1999, num show no Metropolitan, na Barra da Tijuca, em setembro, aconteceu mais um evento que marcaria a vida de Elza. Ela havia passado as duas semanas anteriores à apresentação dentro de casa, sentindo que ia acontecer alguma coisa ruim. Quando chegou o momento do espetáculo, Elza caiu no fosso. As dores passaram a lhe acompanhar. Teve que usar um colete ortopédico. Porém, quatro meses antes do recomendado pelos médicos, retirou o suporte em um show no hotel Glória, que foi transmitido ao vivo pela BBC em 2000 – após ter recebido o título de “cantora do milênio”, pela rádio britânica. Depois da performance, quase desmaiou de dor.

A queda foi um dos muitos reveses que seu corpo sofreu. Houve também a batida de carro que a fez perder vários dentes; queimadura no rosto num acidente na cozinha; uma diverticulite aguda, cuja cicatriz abriu e deixou suas entranhas de fora, tendo que enfrentar nova cirurgia e ficar com uma bolsa de colostomia durante a gravação do show Beba-me (2007). Para retirar a bolsa, precisou fazer uma cirurgia de reconstrução do trato intestinal, a apenas um mês do compromisso de cantar o Hino Nacional à capela na abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Rio, em 2007. Fez ainda uma cirurgia nas vértebras da região cervical, em que corria o risco de afetar as cordas vocais. E, em 2014, passou por outra cirurgia na região lombar. 

Isso tudo somado aos procedimentos cirúrgicos estéticos, aos quais começou a se submeter já nos anos 1960. Apesar de vir de uma família pobre, Elza tinha uma mãe que fazia questão que os filhos não se vestissem de maltrapilhos. Talvez por isso, a filha aprendeu desde cedo a cuidar da aparência – algo que ela carrega por toda a vida, inclusive cuidando do corpo com atividades físicas, fisioterapia e usando maquiagem e lentes de contato.

A vaidade e a autoestima sempre foram aspectos fortes em sua personalidade. Após a morte de Garrincha, ela teve vários relacionamentos, alguns ganharam destaque na imprensa pela diferença de idade com os namorados, como Anderson Lugão, que mostrou a ela a cena eletrônica, hip hop e a nova geração de músicos, e Bruno Lucide, seu último marido, que conheceu em 2008. Quatro anos depois, ela decidiu por fim à relação. Respectivamente, eram 47 e 52 anos de diferença.

Em 2002, Do cóccix até o pescoço marcou uma virada definitiva em sua carreira. Com direção artística de Zé Miguel Wisnik e produção de Alê Siqueira, o disco trouxe músicas como A carne, Hoje é dia de festa e Dura na queda. Finalmente, ela conseguiu ter algo que já queria há um bom tempo: um bem-sucedido repertório diversificado, com arranjos contemporâneos e sem ficar aprisionada apenas a sambas, algo imposto pelas gravadoras. “O dia em que eu descobri que eu não era uma sambista só, que eu poderia cantar o que eu queria cantar valeu muito”, disse à Continente.

Desde então, voltou a ser lembrada como um nome de peso do Olimpo da história da música popular brasileira – história longa que se mistura à própria trajetória de Elza Soares, em cuja existência cabem tantas transformações sociais, políticas e culturais do Brasil, tantas outras vidas de artistas que nasceram e morreram dentro desses seus 90 anos, como Sylvinha Telles, Elis Regina, Cazuza, Cássia Eller, cuja gravação de Nós ganhou, em 8 de março de 2021, Dia da Mulher, outra versão de Elza em um dos singles que ela vem lançando durante a pandemia.



No carro-alegórico do desfile da Mocidade Independente, que a homenageou com o enredo Elza Deusa Soares, em 2020. Foto: Raphael David/RioTur/Divulgação

Incansável, em 2015, lançou mais um disco impactante, A mulher do fim do mundo, que entrou nas listas dos melhores do ano de diversos veículos nacionais e internacionais e ganhou, em 2016, o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. Enquanto gravava esse trabalho, veio mais uma perda cruel, a de seu filho caçula Gilson, aos 59 anos, em decorrência de complicações de uma infecção urinária. E Elza teve, mais uma vez, que ser forte e seguir em frente, cumprindo sua agenda de shows, nos quais, mais do que nunca, virou referência para jovens que querem discutir racismo, feminismo, representatividade, diversidade sexual, desigualdade social e que encontram em Elza a voz-símbolo da resistência. Por isso, hoje ela canta “A carne mais barata do mercado era a carne negra” e “A carne mais barata do mercado não tá mais de graça”.

O conceito empoderador segue nos discos seguintes Deus é mulher (2017) e Planeta fome (2019) – cuja turnê foi interrompida pela pandemia que vem afetando profundamente as áreas mais pobres do país, resultando em maior índice de mortes, desemprego, miséria e agravamento da fome, questões tão caras a Elza, que, no final do ano passado, lançou sua regravação de Comida, dos Titãs. 

É incrível que, em Planeta fome, ela tenha cantado frases que façam tanto sentido hoje, como “Eu preciso encontrar um país onde a saúde não esteja doente” (País do sonho); e regravado Comportamento geral, de Gonzaguinha, cuja letra ironiza a postura do cidadão isento. A letra inclui uma frase que parecia surreal há algum tempo atrás, mas que, em 2021, inacreditavelmente virou realidade: “Você merece… Se acabarem com o teu Carnaval”.

Se, no último fevereiro, com um ano de pandemia, Elza Soares era vacinada, em fevereiro do ano passado, ela estava na Marquês de Sapucaí, no desfile de sua escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, sendo homenageada com o enredo Elza Deusa Soares. No último carro alegórico da verde e branco, a cantora, com um vestido branco cintilante, era ladeada por um dos fiéis escudeiros de sua vida e carreira atual, Pedro Loureiro, cuja aparição da mãe já falecida para Elza foi entendida, por esta, como um sinal para contratá-lo. 

Na apoteose do samba, o gênero nascido nas favelas e que a projetou ao planeta, parecia mesmo uma rainha – para usar o substantivo que até deveria virar adjetivo, por ser tão mencionado por seus milhares de seguidores nas redes sociais. Acenava, emocionada, para as arquibancadas e camarotes. Desde a comissão de frente, que trazia meninas negras representando a cantora com latas d’água na cabeça, e pelas 25 alas, a trajetória da artista desfilava como um triunfo da fome de viver. Como observou seu amigo Chico: “Nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares”. 

DÉBORA NASCIMENTO, jornalista, repórter especial da Continente e colunista da Continente Online.

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