(cidade no Pará)
Acordo sufocado no meio da noite porque o ar-condicionado parou. Abrir a janela não é uma opção porque os insetos invadem. Sair do quarto e integrar-se à noite, sim. Tateio até a beira do rio e verifico que a escuridão é total. O rapaz me tranquiliza dizendo que a eletricidade precisa voltar em no máximo 40 minutos para que não se esfriem os altos-fornos da fundição de alumínio, pois o prejuízo seria monumental. Em menos de 40 minutos a luz voltou.
As capitulares adornadas com desenhos são um dos detalhes divertidos da publicação. Imagem: Divulgação
FOUR CORNERS
(ponto turístico dos Estados Unidos)
Arizona, Colorado, Novo México e Utah. Quatro ângulos retos, alinhados aos pontos cardeais no meio do nada. Posicionando bem o pé no marco de bronze, você pode pisar nos quatro estados simultaneamente, porque não existem limites para o turismo.
SALTA
(cidade da Argentina)
Na Argentina meia-noite ainda é cedo. Saí em busca de mais um choripán, dei algumas voltas e uma hora depois encontrei algum som e luz. No auge da noite, surgiu no estreito palco uma formosa índia Aymará. Alta, nariz adunco e longos cabelos negros, dublando e dançando Toxie da Britney com perfeição raramente vista.
O leitor terá notado que humor, ironia e coloquialidade perpassam os verbetes criados por Červený ou, pelo menos, boa parte deles. Isso reverbera a disposição de espírito do artista: ele diz que já contou algumas dessas histórias em rodas de amigos. “Primeiro, achei que só os nomes dos lugares bastavam para rechear as páginas ilustradas, mas o Beto Furquim, um dos editores e grande amigo me olhou e... ‘mas, e as histórias?’. Ele conhece meu arsenal de histórias, que faz parte do meu ‘traquejo social’, para romper silêncios constrangedores, tentar animar rodas difíceis e disfarçar eu mesmo minha timidez.”
A composição de textos e imagens ao longo das páginas não é simétrica, embora haja algumas analogias; também não há relação de subordinação entre as duas linguagens, cada uma mantém sua relevância e autonomia. Estão ali reproduzidos desenhos, pinturas, aquarelas e obras em técnicas mistas de várias dimensões e datações, fiéis ao estilo figurativo detalhista deste artista.
Ele revela de onde surgiu a estrutura em verbetes do livro: “Esta lista de lugares surgiu primeiro na pintura Los hombres no deben llorar (canção do Leonardo Favio), que é uma choradeira só. Fui pintando pequenos bustos de homens sofredores num limbo escuro e começaram a surgir listas de ‘conforto’, de comidas, de músicas e de lugares. A lista dos lugares começou aí. Retirada para fora do quadro, ela foi ampliada, colocada em ordem alfabética”. A ideia de trazer os nomes dos vários lugares visitados pelo artista na sua grafia e no seu idioma originais foi de Furquim, um elemento que dá charme aos verbetes, como sugere Červený.
Capa de Todos os lugares, editado pela Circuito.
Imagem: Divulgação
O livro tem apresentação de Renato Resende e traz, ao final, um texto crítico do escritor e filósofo Rodrigo Petrônio e uma cronologia do artista feita pelo curador Giancarlo Hannud, ambas de excelente qualidade.
Todos os lugares permite, assim, o encontro prazeroso com a figuração livre do artista, ligada ao seu cultivo pelas viagens e deslocamentos. Se, por acaso, nos deparamos antes com seu estilo – em ilustrações para livros ou outros suportes –, rapidamente reconhecemos sua gramática visual, que nos remete a algo simples, familiar e arcaico, a um só tempo.
No que diz respeito ao tema, relatos de viagem, Červený pontua a “admiração absoluta pela figura do artista viajante (de Eckhout, Ender a Claudia Andujar) e a vontade de incorporar minhas viagens como matéria-prima de um livro, e ser reconhecido também como artista viajante”. Deu certo.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora da revista Continente e professora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.