Isolante, 2008, madeira, ferro pintado, 40 x 145 x 250 cm. Imagem: Divulgação
Isolante, 2010, ferro pintado e prego, 170 x 240 x 5 cm. Imagem: Divulgação
Exercício de divisão de área, 2014, concreto e pintura
epóxi, 80 x 80 x 12 cm até 5 x 5 x 12 cm. Imagem: Divulgação
Sua penúltima individual foi em 2019, no Espaço Auroras, em São Paulo. Em Água parada, projeto site specific na piscina do local, Galan simula a decantação de água no fundo da piscina pintando um degradê que vai de um verde-escuro até um preto profundo. Como diz o artista e pesquisador Ilê Sartuzi, ao escrever sobre esta exposição, “o artista modifica o ambiente com precisão, pintando faixas de cor nos azulejos brancos. Essa imagem da água parada sofre uma mudança: em vez de se manter fiel ao nível horizontal, as linhas que delimitam essas marcas estão em diagonais. Essa estranha variação, quase como se o centro de gravidade do mundo fosse deslocado, insere a obra dentro de um campo impossível”.
Marcius Galan toma emprestado do cotidiano aspectos visuais e – principalmente – conceituais. Seus trabalhos mexem com a nossa cognição, subvertem a função de objetos, colocando em xeque a nossa percepção. É necessário olhar mais de uma vez, duvidar, para então apreender a obra atravessada pelo absurdo, pelo banal e pelo (sur)real. De certa maneira, em várias de suas obras, Galan opera como um ilusionista, fazendo truques de prestidigitação que levam o público a cometer erros de percepção. Seus trabalhos contêm um humor sofisticado que convida o público, o espectador, a brincar. Em relação a eles, podemos aplicar a palavra ilusão, com origem no latim e derivada do verbo iludo (formado pelo prefixo in e o verbo ludo, “eu brinco”), que, além de significar “divertir-se”, “recrear-se”, também significa “burlar”, “enganar”. Suas obras trazem também consigo algo muito parecido com “ironia”, termo da retórica e artifício do recurso em que o locutor diz algo fingindo dizer outra coisa, com o intuito do deboche.
Água parada, 2019, pintura sobre azulejo, dimensões variáveis. Imagem: Divulgação
Seção (prisma fumê), 2012, madeira, cera de piso e pintura sobre parede, Ed.3 + PA edição: 1/3 + 1PA, dimensões variáveis (site specific). Imagem: Divulgação
Quando lhe perguntei sobre seu processo de trabalho, o artista deu pistas de como o banal e o cotidiano influenciam sua pesquisa visual. “As coisas entram em sintonia. Numa caminhada, por exemplo, vejo um objeto no lixo que se relaciona com alguma ideia de trabalho que já estava quase pronta. Às vezes faltava um ângulo de apoio de um metal no outro que está ali resolvido dentro da caçamba. Sou bem atento às coisas da rua, muitas vezes falta uma palavra que pode vir de uma conversa na fila do supermercado ou de um livro. Não consigo precisar como acontece meu processo de pensamento para produzir um trabalho. Os já existentes também vão informando os próximos, é um desenho que vai se formando, incompleto. Também tenho cadernos que me ajudam, onde eu faço minhas anotações, desenhos sem ordem cronológica. E tem muitos artistas que me influenciam, claro. É uma lista extensa e que muda de tempos em tempos. Não consigo fazer uma só lista.”
Esse cruzamento do banal, do cotidiano e do absurdo se desdobram em trabalhos como Sino, obra de 1998 na qual o artista apresenta um sino cujo badalo não consegue encostar nas paredes, tornando-o incapaz de emitir sons. Dez anos depois, surgiria Seção diagonal, que foi exibida pela primeira vez na galeria que representa o artista, a Luisa Strina, em São Paulo. Nela, talvez a mais conhecida e popular dentre suas obras, Galan sugere a presença de um elemento que não existe no espaço. Ele pinta as paredes, o teto e o chão de um canto do ambiente com tinta verde clara, dando uma sensação de que há ali uma parede de vidro. Mas há apenas o vazio, que permite ao espectador atravessar o espaço. Só então a obra se revela aos seus olhos e, principalmente, aos seus sentidos. Por intermédio de uma área de cor, além de uma linha diagonal, o artista presentifica o contraste entre aquilo que é/pode ser real, tem matéria e peso, e o vazio.
Composição apagada (bicolor), 2013, borracha de látex sobre madeira, 34,5 x 47 x 5 cm. Imagem: Divulgação
Uri Gueller #2, 2011, ferro pintado e madeira, 110 x 150 x 116 cm.
Imagem: Divulgação
Nesse contexto, lembro a exposição O vazio, que o Yves Klein apresentou em 1958, em Paris. No dia da abertura, os visitantes foram recebidos por uma banda militar, contratada para a ocasião, e passaram por uma cortina tingida de “azul internacional Klein”, pendurada à porta da galeria. Ao entrar na exposição, entretanto, encontravam uma galeria vazia. A obra do artista francês incorporava a ideia da invisibilidade como parte de sua matéria principal e o vazio alcançava um status na arte até então impensável.
Seção diagonal não é um uma escultura tradicional, é um site specific constituído de espaço, luz e tinta. Quando vi pela primeira vez a obra, no Instituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto (SP), e, recentemente, em Inhotim (MG), a surpresa, o susto e alegria de (re)ver e sentir uma obra de arte foram os mesmos. Ela acontece dentro do espaço da galeria, do museu ou onde quer que seja montada. Em suas remontagens, o trabalho se apropria de cada novo espaço, com suas singularidades e desafios. Pode-se dizer que, em Seção diagonal, Galan cria contornos para o vazio, um vazio escultórico, quase um paradoxo. Uma presença ausente.
JURANDY VALENÇA, jornalista, artista visual e curador independente. É redator do Mapa das Artes São Paulo há 16 anos, e atualmente é diretor adjunto do Centro Cultural São Paulo.