A natureza está em disputa de uma forma decisiva para as espécies, é só no que tenho pensado nos últimos tempos. De um lado, a civilização ocidental bastante adaptada às eficientes diretrizes do sistema capitalista se dispõe a levar às últimas consequências, sobretudo com a ascensão dos governos conservadores, seu projeto de hierarquia e domínio das florestas, dos demais seres viventes e dos povos indígenas. Esse é, na verdade, um projeto de aniquilação da vida, no sentido extremo da extinção. E os animais humanos, pautados pela desconexão, seguem atuando, em grande parte do tempo, como catalisadores de catástrofes.
Por outro ângulo, no seio desse mesmo sistema, a resistência a esse projeto parece se renovar e fortalecer. Não é só o discurso ecológico que se amplia nas suas variadas frentes, mas, no subterrâneo da sociedade, uma revisão do modelo de convívio se realiza a partir de novos lances de integração com a natureza. Com frequência, pergunto-me se esse movimento que venho identificando não é apenas fruto do meu algoritmo, no rastro dos meus próprios interesses. Gosto de pensar que não.
Os saberes astrológicos e xamânicos, para ficar em dois exemplos, ilustram bem esse esforço de reprogramação e expansão da consciência. Embora se trate de dois campos de conhecimento e experiência milenares sempre praticados, ambos parecem ganhar terreno de forma imprevista nos dias de hoje. Ainda que, por vezes, recorra-se a eles por interesses estritamente individuais ou egoicos, ainda que eles atuem sob o risco das distorções do modismo ou do desvirtuamento próprio da sociedade de consumo, ainda assim, o crescente interesse pela astrologia e pelo xamanismo sugere o desejo por conexões cósmicas e pela insuficiência dos modos de compreensão da vida tais quais nos vêm sendo ensinados numa perspectiva estritamente racionalista.
Assistimos, junto a isso, à espiritualidade se realocar na sociedade de modo plural, enfrentando o estigma de ser uma inimiga da inteligência. Não é que o humano tenha deixado de cultivar a demanda espiritual nos últimos séculos, mas aquilo que era dado como “irracional” ficava fora do debate público. Não parece muito afirmar que essa cisão com a espiritualidade também colaborou para que o terreno da fé e da sabedoria mítica fosse regularmente colonizado por interesses específicos e autoritários. Porém, estou ciente do perigoso que pode soar o meu olhar otimista, no que diz respeito à presença da espiritualidade no debate público, num momento em que várias instituições religiosas respaldam perseguições às liberdades individuais e ambicionam ocupar cada vez mais espaços de poder nos quais não cabem dogmatismos. Esse, porém, chega-me como mais um motivo para suspendermos a negligência perante o mistério. A força das religiões também se deve à nossa incapacidade de responder racionalmente a muitos fenômenos e de lidar com essa limitação de modo mais honesto.
Nesse contexto, livros como A serpente cósmica – O DNA e a origem do saber, do antropólogo Jeremy Narby, começam a ocupar lugares mais prestigiosos e pautar discussões, como pistas de uma nova visão da experiência do viver, e não mais como um desvio delirante e demasiado místico. Originalmente publicada em 1995, a obra chega ao Brasil por iniciativa da Dantes Editora, selo que já tem mais de 20 anos e derivou das práticas de uma livraria carioca homônima que existiu entre 1994 e 2005, a Dantes Livraria. Seu breve e seleto catálogo é também diverso. Parte significativa dedica atenção aos conhecimentos da selva e da ancestralidade; e o manifesto em seu site afirma: “Livro é vivo, é a roda de contação de histórias, ou a escrita de plantas na mata”. A equipe da editora foi ainda responsável, no fim do ano passado, pela organização do evento Selvagem, ciclo de estudos sobre a vida, que reuniu xamãs, astrofísicos, botânicos, antropólogos, representantes de diversos campos do saber. Entre eles, estava Jeremy Narby.
A REVISÃO O trabalho realizado por Narby em A serpente cósmica é, em vários momentos, o de retornar a teóricos rejeitados no seu campo de atuação. Sem abrir mão das críticas que considera pertinentes, o autor volta a alguns nomes subestimados pela comunidade de antropólogos da época. É o caso de Mircea Eliade, autor de O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase e “uma das principais autoridades em matéria de história das religiões”, nas palavras do próprio Narby.
Ainda segundo ele, porém, seus pares rejeitaram o trabalho de Eliade devido ao seu misticismo latente. “Acusaram-no, entre outras coisas, de separar símbolos dos seus contextos, de mutilar e distorcer fatos, de eliminar o aspecto sociocultural do fenômeno, encerrando-se num impasse místico.” Sem ignorar as especificidades e limitações do legado do mitólogo, Jeremy Narby defende que ele, no entanto, “antes de muitos antropólogos, havia compreendido ser útil levar a sério as pessoas e as suas práticas, prestando atenção a detalhes do que elas dizem e fazem”.
Considerações parecidas surgem no tocante a Michael Harner, que é descrito como “um caso um tanto particular”. “Depois de seguir uma carreira invejável, lecionando em universidades reputadas e publicando livros sobre xamanismo pela prestigiosa Oxford University Press, Harner deu as costas à boa parte dos seus colegas ao escrever, em 1980, um livro de divulgação que apresentava uma série de técnicas xamânicas. Não faltaram críticas por parte da profissão antropológica.” Ambos os teóricos, Eliade e Harner, são importantes fontes de pesquisa e insights no trabalho de Narby, que admite ter correspondido até então à parte desses preconceitos.
A investigação que propõe em sua obra depende fundamentalmente da suspensão da incredulidade e, consequentemente, possibilita essa releitura de autores descreditados por seus métodos ou abordagens heterodoxas. A própria obra em gestação seria exemplar de um modo de reflexão descolado das convenções do seu campo. Isso porque, ao deixar o Vale do Pichis, na Amazônia peruana, após dois anos de imersão como parte das atividades do doutorado, Narby já desconfiava de que o problema estava mais na sua “incapacidade de compreender o que as pessoas haviam dito do que na insuficiência das explicações”. No seu caso, o enigma que interessa é o da ayahuasca. Ou, como descreve, “o enigma da origem alucinógena do saber ecológico dos ashaninka”, povo com o qual teve mais contato. Tomado pelas inquietações geradas pelos diálogos com xamãs, mas distante da convicção espiritual colocada nas suas explicações, Narby se viu diante do impasse de compreender como se davam os mecanismos desse saber, afinal, “a análise acadêmica do xamanismo será sempre o estudo racional do irracional”. Esse impasse é o coração da sua busca.
A serpente cósmica se inicia e se encerra, porém, evidenciando limites. No capítulo 2, o pesquisador levanta as diferentes formas de como a antropologia enxergou os xamãs no decorrer das décadas, que já foram vistos como psicóticos, charlatões, criadores da ordem, criadores da desordem e curandeiros. Hoje em dia, cada vez mais, são reconhecidos como protocientistas, botânicos, mitologistas e médicos da mente. Ao recuperar essas classificações a partir da história da antropologia, Narby nota que há sempre um espelhamento no que está sendo proposto: “Quando a antropologia era uma jovem ciência nascente, ainda pouco à vontade consigo mesma, inconsciente da natureza esquizofrênica da sua metodologia, o xamã foi visto, sobretudo, como doente mental. Mais tarde, quando a antropologia (‘estrutural’) pensou chegar ao status de ciência e os antropólogos tratavam de encontrar ordem dentro da ordem, o xamã se tornou criador da ordem. A partir do momento em que a disciplina passou a viver uma crise de identidade (‘pós-estruturalista’), sem saber mais se é ciência ou uma forma de interpretação, o xamã ‘começou a desempenhar’ todo tipo de ofício. (…) Tudo indica, então, que a realidade escondida por trás do conceito de ‘xamanismo’ sistematicamente remete ao olhar do antropólogo a si mesmo, seja qual for o ângulo da abordagem”.
A compreensão de que a antropologia é uma forma de interpretação, solução encontrada pela disciplina diante da maior consciência sobre seu olhar como ferramenta de poder e sobre a subjetividade inescapável dessa prática, diz dos seus limites, pontuados, inclusive, pelo próprio Lévi-Strauss, quando o teórico afirma: “As ciências humanas só são ciências graças a uma lisonjeira impostura. Elas esbarram num limite insuperável, uma vez que as realidades que querem conhecer são da mesma ordem de complexidade que os meios intelectuais que disponibilizam. Por isso, são e sempre serão incapazes de dominar seu objeto de estudo”.
No outro extremo do livro, no capítulo 10, intitulado O ângulo cego da biologia, Narby esboça uma crítica à tradição materialista, estabelecida pelos naturalistas dos séculos XVIII e XIX, no tocante, sobretudo, ao fundamento que diz que “a natureza não tem inteligência nem objetivo, ou seja, não está animada por espírito algum nem pode se comunicar”. Como vai apresentando em seu trabalho, a partir do levantamento de vários cientistas, a biologia molecular, área a qual vai se ater mais especificamente, alçou seus sucessos “baseada no indemonstrável pressuposto de ser o acaso a única fonte de mudança da natureza, que não tem objetivos, intenção nem consciência”. Seu trabalho mostra como esse setor da ciência tem mais perguntas que soluções, e, no entanto, se recusa a levar em consideração o mistério. Para a abordagem racional, o que ela não compreende simplesmente não interessa. Um dos exemplos mais representativos que o livro indica é aquilo que a biologia molecular chama de junk DNA, que representa 97% do genoma humano. O DNA não codificante, ou seja, o que não contém instruções para fazer proteínas e que, consequentemente, não se compreende o funcionamento ou finalidade, é tratado como “lixo”. Aquilo que a racionalidade humana não desvenda é tido como descartável.
Sobre isso, Narby comenta seu incômodo: “quando não se compreende alguma coisa, primeiro se saca a arma, para depois fazer perguntas. É uma ciência de cowboy, não tão objetiva quanto se diz, pois a verdadeira neutralidade, ou mesmo simples honestidade, seria dizer: ‘por agora não sabemos’. Assim fosse, seria perfeitamente possível dizer DNA ‘mistério’, em vez de ‘lixo’”.
Jeremy Narby lançou A serpente cósmica – O DNA e a origem do saber em 1995, mas só agora a obra ganhou edição no Brasil. Imagem: Divulgação
O ANTROPÓLOGO Antes de, finalmente, apresentar a hipótese colocada nessa obra, vale entender melhor quem é Jeremy Narby, afinal, o arco da narrativa que escreve coincide com a sua própria expansão de consciência, e, por isso, o antropólogo opta por produzir um texto que é também autobiográfico. No capítulo 1, em que narra seu primeiro contato com a ayahuasca, o autor deixa claro seu lugar e ponto de vista naquele momento: “Estávamos no início de 1985, na comunidade de Quirishari, no Vale do Pichis, na Amazônia peruana. Eu, jovem branco de 25 anos, tinha começado uma pesquisa de dois anos, para um doutorado em antropologia, numa universidade americana. Esperava que os ‘indígenas’ contassem esse tipo de história extraordinária, achando que meu trabalho como antropólogo consistiria em não me deixar enganar e descobrir, meio como um detetive particular, o que eles realmente pensavam”.
Narby é um canadense que cursou o doutorado na Universidade de Stanford. Quando vai realizar seu trabalho de campo, conforme descreve no trecho citado, aproxima-se do seu “objeto de estudo” com bastante ceticismo. Naquele momento, reconhecia-se como um humanista materialista e seu viés era político. Seu interesse principal, ainda muito pertinente, era a situação territorial dos ashaninka do Pichis, e não a sua base mitológica. “Na verdade, na arrogância da juventude, eu considerava o estudo da mitologia um passatempo inútil e, até mesmo, ‘reacionário’. Para mim, o importante eram os hectares dos índios, confiscados em nome do desmatamento disfarçado de ‘desenvolvimento’ e os milhões de dólares provenientes de fundos internacionais que financiavam toda essa operação”.
O que o aprimoramento da perspectiva do antropólogo nos mostra, quando ele decide acreditar no que os ashaninka estavam recorrentemente afirmando, é que não é possível garantir o espaço desses povos sem reconhecer e respeitar a sua sabedoria, sem integrar os ensinamentos da sua tradição. Em síntese, o benfeitor incrédulo, de algum modo, não deixa de ser um tipo de colonizador, que igualmente formula uma participação heroica e que enxerga esses grupos a partir de um dualismo hierárquico.
No capítulo 11, Jeremy Narby fala do seu retorno a Quirishari, nove anos depois de ter concluído o doutorado, quando já tinha realizado as pesquisas que culminaram em A serpente cósmica. Nessa visita, reencontra Carlos Perez Shuma, tabaqueiro-ayahuasqueiro que fora seu principal consultor no período em que residiu na região, e, sobre esse reencontro, escreve um dos diálogos mais bonitos do livro: “‘Tio, tenho que contar algo importante. Não se lembra de todas aquelas coisas que você me contava no gravador e eu tinha dificuldade de entender? Pois bem, depois de pensar nelas e estudá-las durante todos esses anos, descobri que, em termos científicos, tudo aquilo é verdade’. Achei que ficaria satisfeito e estava prestes a continuar, quando ele me interrompeu, perguntando: ‘Por que levou tanto tempo?’”. A HIPÓTESE Apesar dos limites expostos da antropologia e da ciência, as descobertas incontáveis de cada campo e a sofisticação de seus métodos fazem com que seus pressupostos sejam pouco questionados, e, consequentemente, no contexto dessa hegemonia, a hipótese de Jeremy Narby já está previamente condenada. “A minha hipótese, que afirma o princípio vital como animado e a natureza, em seu conjunto, como capaz de comunicar, contradiz o princípio fundador da biologia molecular que está atualmente em voga”.
O principal gatilho da investigação de Narby é a afirmação dos ashaninkas de que bebendo ayahuasca é que aprendiam aquilo que sabiam. É a planta quem ensina. Apesar de ter concluído a pesquisa de doutorado no assunto que havia delimitado, a curiosidade relativa aos alucinógenos é semeada naquele momento e não demora muito a esse tema voltar a ter centralidade na vida do antropólogo. Na ocasião da ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, o canadense se surpreende positivamente ao perceber que os saberes indígenas estavam sendo levados mais a sério, porém “ninguém, dos que falavam da importância dos conhecimentos botânicos dos índios da Amazônia, mencionava a origem alucinógena de parte daquele saber, como os próprios indígenas afirmavam. A maior parte dos antropólogos e dos etnobotânicos evidentemente desconhecia o assunto, mas mesmo os que sabiam se calavam – em princípio por não haver como falar disso e ser levado a sério”.
Há inúmeros “tabus” e dificuldades na pesquisa a que Narby se propõe, a ideia de uma comunicação com as plantas via alucinações, como o próprio escritor aponta, contradiz o conhecimento ocidental em dois níveis: as alucinações não podem ser consideradas fonte de informação autêntica e as plantas não se comunicam. É o que diríamos todos, dentro de uma perspectiva racionalista. Ainda no início dos seus estudos sobre os mecanismos das alucinações, dos quais se tem pouca compreensão, ao revisitar o relato do antropólogo Michael Harner sobre sua experiência com o alucinógeno, Narby topa com uma nota despretensiosa: “Em retrospectiva, pode-se dizer que elas são quase como o DNA, só que, naquela época, em 1961, eu não sabia nada a respeito do DNA”. Elas, no caso, eram as criaturas reptilianas gigantes que emanavam das visões de Harner, assim como também apareceram para o próprio Narby em sua experiência com a ayahuasca. É nesse ponto que a investigação começa a ficar mais obsessiva, quando, por brincadeira, o canadense cria a categoria de pesquisa intitulada “DNA-serpentes”.
O estudioso então se engaja na busca por correspondências entre esses elementos/símbolos/conceitos nas duas direções: tanto o que no âmbito da mitologia xamânica remetia ao conteúdo biomolecular (a ideia de uma essência animada comum a todas as formas de vida; as serpentes duplas de origem cósmica que simbolizavam a energia vital sagrada; a imagem de escadas ou cordas entrelaçadas, similares à dupla hélice do DNA, por exemplo), quanto aquilo que, no âmbito da biologia molecular, remetia ao diálogo com as noções xamânicas, o que, a primeira vista, parece bem mais improvável.
No entanto, o codescobridor do DNA e prêmio Nobel Francis Crick é o primeiro a sugerir que a molécula da vida é de origem extraterrestre, “exatamente como os povos ‘animistas’ ao afirmarem que o princípio vital é uma serpente cósmica!”, observa Narby. A hipótese de Crick, intitulada “panspermia dirigida”, leva em conta a impossibilidade do puro acaso ter gerado a complexidade organizada no nível celular que havia sido recém-descoberta. Outro dado que perturbava o antropólogo era o comprimento astronômico do DNA presente no corpo humano; ele tem extensão suficiente para ir ao Sol e voltar dele 66 vezes. Na parte final de seu estudo, Narby chega a afirmar: “Então pensava ser ele (o DNA) a corda celeste a que se referem os ashaninka: está dentro de nós e é bastante longa para ligar céu e terra. O que achavam os biólogos desse número cósmico? A maioria sequer o mencionava e os demais o registravam, em nota ou à margem de seus trabalhos, como algo ‘inútil mas divertido’”.
A serpente cósmica conta ainda com o estudo de imagens de várias épocas e civilizações, além do levantamento de mitos de diferentes povos. O argumento, ciente da sua ousadia, tenta se munir do máximo de informação a partir de múltiplos campos, movido pelo desejo de chegar mais perto de alguma compreensão desse enigma. Narby busca explicações em teorias muito diversas, chegando às fraturas dos mais diversos âmbitos científicos: na bioquímica, na fisiologia da consciência, na fisiologia da visão, na neurologia, na genética, na biofotônica…
Apesar do aparente “absurdo” da sua proposta, a hipótese – e o conhecimento reunido no esforço de formulá-la – segue em discussão, como vimos no evento realizado no fim do ano passado que citei anteriormente. Um aspecto que esclarece em suas conclusões é o de que não intenciona, com sua proposição, estabelecer uma equivalência entre o xamanismo e a biologia molecular, além de também ressaltar que esse recorte pode ter causado distorções na compreensão da realidade multidimensional do próprio xamanismo. Suas observações, porém, servem para romper o cercado de um tema tão enigmático: “O mundo microscópico do DNA, fervilhando dentro de nós, tem tudo para nos maravilhar. Mas o discurso racional, que tem o exclusivo monopólio do assunto, proíbe a si mesmo qualquer espanto”.
A origem da vida é, sim, um assunto misterioso, e essa imprecisão permite, inclusive, os cabos de guerra ideológicos a que assistimos nos últimos tempos. É um terreno para muitas vozes, com teorias e hipóteses mais prováveis, mais “racionais” e “lógicas”, mas onde habita ainda muita indefinição. E há um universo de encanto que não conseguimos entender até agora, para muito além do embate entre criacionismo e evolucionismo darwinista. Quando Narby retornou à Amazônia peruana, em meados da década de 1990, após ter terminado o original de A serpente cósmica em francês, ele deu uma palestra para estudantes falando de sua hipótese sobre a relação entre as serpentes das visões xamânicas e a dupla hélice do DNA descoberta em 1953. Quando terminou sua comunicação, no fundo da sala, alguém perguntou: “Quer dizer que os cientistas estão nos alcançando?”. Porém, como arremata Narby, “a sabedoria exige não só a investigação de inúmeras coisas, mas também a contemplação do mistério”, e os que não ousam essa contemplação estarão sempre estacionados na metade do caminho.
GIANNI PAULA DE MELO, jornalista, mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp e arteterapeuta em formação.