Ensaio visual

Caminhos do sagrado

TEXTO E DESENHOS DANTAS SUASSUNA
FOTOS GEYSON MAGNO

01 de Janeiro de 2019

Foto Geyson Magno

[conteúdo na íntegra | ed. 217 | janeiro de 2019]

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Meu pai dizia que, para entendermos o Brasil, tínhamos que compreender Canudos. Essa frase ecoava na minha cabeça, muitas vezes… Ao longo da minha vida, li Os sertões, de Euclides da Cunha, e lá ele citava o caminho percorrido por Antônio Conselheiro e seu séquito, de Quixeramobim ao sertão baiano – onde, posteriormente, ele iria se fixar, na Fazenda Canudos, fundando o Arraial do Belo Monte…

“E fez-se o Monumento prodigioso, erguido pela Natureza e pela Fé, mais alto do que as mais altas Catedrais do mundo; a extensa Via-sacra de três quilômetros de comprimento, em que se erigem, a espaços, 25 Capelas, encerrando os passos da Paixão. Amparada por Muros capeados; calçada, em certos trechos; tendo noutros, como leito, a Rocha viva, rampeada ou talhada em degraus – aquela Estrada de quartzito, onde ressoam há mais de 100 anos as litanias das procissões da Quaresma e têm passado legiões de Penitentes, é um prodígio de Arquitetura, de Engenharia rude e audaciosa” (Euclydes Schabino da Cunha, no Romance de Dom Pantero no palco dos pecadores, Ariano Suassuna, p. 588).



Posteriormente à leitura de Os sertões, na biblioteca do meu pai, encontrei o livro Cartografia de Canudos, do professor José Calasans, no qual ele citava obras erguidas por Conselheiro e seus seguidores, num total de 25. Então, pensei em criar um olhar sobre a compreensão de Canudos através desse caminho percorrido por ele, que intitulei Pelo Caminho Sagrado de Santo Antônio Conselheiro. Desde então, venho percorrendo, com uma trupe de artistas denominada Ordem da Chave, os Caminhos do Conselheiro – fazendo uma analogia com o Brasil de hoje, numa tentativa de melhor compreendê-lo.

O nome do Conselheiro está diretamente ligado ao conflito da Guerra de Canudos, e me interessa mais a construção de Canudos. No próprio Arraial, ele restaurou uma igreja chamada “Igreja Velha” (de Santo Antônio); construiu um cemitério e estava erguendo a sua maior obra, denominada “Igreja Nova” (do Bom Jesus). E, anteriormente à fundação do Arraial do Belo Monte, ao longo do caminho percorrido do Ceará até a Bahia, ele edificou igrejas, cemitérios, açudes, estradas e caminhos. É através da arte – pinturas, fotografias, instalações, vídeos, trilha sonora e livro – que pretendemos mostrar, Pelo Caminho Sagrado de Santo Antônio Conselheiro, esse grande arraial chamado Brasil.



O grupo é formado pelo fotógrafo Geyson Magno, que idealizou junto comigo o projeto, pelos pesquisadores Carlos Newton Jr., Claudio Brito, João Carlos Beltrão, Thiago Andrade, pelo diretor de arte Ricardo Gouveia de Melo e pelo músico e produtor Berna Vieira, com o suporte do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Juntos, desde 2013, já percorremos cerca de 30 mil quilômetros e ainda vamos viajar, este ano, cerca de cinco mil. Viajamos pelos sertões baiano, paraibano, alagoano e sergipano – aonde devemos voltar. Nessas viagens, fomos às cidades com obras que receberam a visita do Conselheiro.

Dois documentários já foram realizados (Prelúdio e Andante), e exibidos em Taperoá e no IFPE da capital paraibana. Um terceiro documentário será produzido, documentando a finalização do projeto, sua culminância, a montagem e a exposição em si. A ideia é de que todo o material realizado ao longo do projeto possa vir a público em 2020.

DANTAS SUASSUNA, artista plástico.
GEYSON MAGNO, fotográfo.

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