ILUSTRAÇÕES MANUELA DOS SANTOS
01 de Setembro de 2018
'Caixa das Letras' do Instituto Cervantes promove a cultura hispânica
Ilustração Manuela dos Santos
[conteúdo exclusivo para assinantes | ed. 213 | setembro 2018]
Em 2006, quando a Prefeitura de Madri destinou o edifício do antigo Banco Espanhol do Rio da Prata para ser sede do Instituto Cervantes, a direção da entidade viu-se diante de um dilema: o que fazer com o enorme cofre localizado no subsolo? Construído no começo do século passado, o prédio localizado na Rua Alcalá, uma das mais antigas e prestigiadas da cidade, é patrimônio protegido – o que significa que não pode sofrer qualquer alteração arquitetônica. Nem os guichês onde se faziam as transações bancárias nem a caixa-forte poderiam ser alterados. Foi então que César Antonio Molina, diretor do Cervantes à época, teve uma ideia. Se o instituto tem a missão de preservar e promover a língua espanhola, por que não converter o espaço numa espécie de cápsula do tempo da cultura hispânica?
“Um dos elementos simbólicos do banco será, a partir de agora, o lugar que acumulará no tempo o saber da nossa cultura, dos nossos escritores e artistas. Será uma capela, não do dinheiro, mas da nossa cultura”, anunciou o poeta e ensaísta. E assim nasceu a Caixa das Letras do Instituto Cervantes, que foi inaugurada em fevereiro de 2007 pelo escritor Francisco Ayala. Um mês antes de completar 101 anos de vida (morreu aos 103) e sem revelar o conteúdo do pacote que guardara em uma das mais de mil gavetas da caixa-forte, o literato espanhol determinou que o segredo só seja revelado em 2057, meio século depois de depositado.
Desde Ayala, foram mais de 30 as pessoas ligadas às letras, às artes, ao cinema e à ciência hispânica que participaram da iniciativa. Todos seguindo a mesma regra: deixar algo numa das gavetas e estipular uma data para a sua abertura. O compositor espanhol Luis de Pablo (1930), por exemplo, guardou uma partitura inédita sua e pediu para que ela seja executada no dia do seu falecimento. Nicanor Parra, que pela delicada saúde à época (2012) foi representado por um familiar, optou por algo mais concreto: a sua máquina de escrever. O argentino Juan Gelman levou um pergaminho e um poema inédito que só será tornado público no dia 3 de maio (aniversário do escritor) de 2050. Ana María Matute, romancista espanhola, depositou um exemplar da primeira edição de um de seus livros mais conhecidos, Olvidado rey Gudú, e justificou assim a escolha: “O que posso deixar senão um livro? A literatura é a minha vida. Quero ser recordada dentro de 20 anos pela minha obra, porque os livros são uma forma de perdurar e de estar na memória daqueles que nos amaram. Um livro e um escritor não existem se não há quem os leia”.
Venda avulsa na loja da Cepe Editora e nas bancas.