Entre espetáculos, instalações, intervenções, performances e atividades formativas, o público brasileiro poderá acompanhar a criação de 13 países ibero-americanos, onde a língua portuguesa ou a espanhola é tida como oficial.
Coube à Colômbia o papel de país homenageado desta edição, compondo a programação com nove espetáculos de caráter inédito no Brasil, possibilitando-nos um recorte do intenso momento criativo que o país atravessa.
Labio de Liebre (de 2015), obra do Teatro Petra, companhia com 33 anos de atuação em Bogotá e mais de 35 países em seu currículo, é a escalada para abertura do evento. Retornando ao Mirada, após estar presente na edição de 2014, com El vientre de la ballena, o Petra ainda apresentará sua mais recente criação, Cuando Estallan las Paredes, trazendo marcas de suas criações, o entrelaçamento do humor e do horror.
Outro nome pungente da cena teatral colombiana é a companhia La Maldita Vanidad. A intensa atuação na capital do país tem ampliado as portas do mercado internacional para esta companhia. Sua última vinda ao Brasil ficou marcada pela fria recepção do público para as obras Matando el tempo e Morir de amor, apresentadas na MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Cabe então ao díptico Dramas Neo-Costumbristas de Carácter Fatal, composto por Nos Hemos Olvidado de Todo, e pela estreia mundial de Promesa de Fin de Año, a possibilidade de escrever nova relação com o público brasileiro.
Certo mesmo será a corrida em torno dos ingressos para as apresentações de La Despedida, espetáculo que constitui a última peça do projeto Anatomía de la Violencia en Colombia, desenvolvido pelo Mapa Teatro. Essa pesquisa, iniciada ainda em 2010, sobre os acordos de paz entre o estado colombiano e a mais antiga guerrilha do continente americano, as Forças Armadas Revolucionárias da Colombia – Exércíto do Povo (FARC–EP), desemboca nessa obra que, como bem define o grupo, é “uma alegoria dos dispositivos de guerra e de morte, utilizados por três dos atores da violência na Colômbia (guerrilha, paramilitarismo e narcotráfico).
Bastante presente no circuito brasileiro, o Mapa Teatro se caracteriza pela investigação do que define por “artes vivas”, em busca da possível transgressão entre as fronteiras geográficas, linguísticas e artísticas. Esses entrecruzamentos podem também ser vistos na instalação artística, Topografias: utopias e distopias que será exibida no festival.
Para além do valoroso panorama da produção cênica colombiana, merecem destaques na mostra a presença de dois outros artistas: o uruguaio Sergio Blanco, com a obra El bramido de Düsseldorf e a portuguesa Joana Craveiro, com Um museu vivo de memórias pequenas e esquecidas.
Portuguesa Joana Craveiro, em Um museu vivo de histórias pequenas e esquecidas. Foto: Juan Antonio Monsalve / Divulgação
A primeira demarca a pesquisa desenvolvida por Blanco em torno da construção de autoficções. Em El bramido, o dramaturgo entrelaça três possíveis hipóteses para justificar sua presença em Düsseldorf, local onde seu pai agoniza e acaba por morrer em uma clínica médica, num ativo jogo entre verdade e mentira. Já Craveiro parte de documentos históricos e testemunhos de pessoas desconhecidas para percorrer mais de 80 anos da história lusa, da ditadura do Estado Novo ao processo revolucionário pós-Revolução de 1974.
Portugal contará ainda com a presença da Mala Voadora, grupo português que esteve no Recife em 2015 na abertura do Trema! Festival. Desta vez, apresentará um de seus mais novos trabalhos – Amazônia –, que ainda viajará para o festival Porto Alegre em Cena no mesmo mês. Cercado por algumas polêmicas em Portugal e definido por seus criadores como uma obra que “nada é o que parece” e sem o intuito de ter “boas intenções”, é de se esperar a resposta do público brasileiro às provocações da Mala.
BRASILEIROS NA MOSTRA A produção brasileira também poderá ser acompanhada no Mirada 2018. Tal como acontece no recorte internacional, a curadoria demarca a pluralidade desta cena, passando por obras de grande porte como a montagem de Grande sertão: veredas, sob direção de Bia Lessa, por importantes companhias brasileiras, como os gaúchos da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, com Caliban – A tempestade, e os paranaenses da Cia Brasileira de Teatro com Preto, obra que traz Grace Passo e Renata Sorrah no elenco, ou ainda por processos de investigação de menor porte, como Colônia, de Vinicius Arneiros (RJ).
A produção cênica nordestina estará representada pelos baianos da Cia. Operakata de Teatro, com O circo de Soleinildo, e os potiguares do Grupo Carmin (RN), com A invenção do Nordeste. Partindo do livro homônimo do pesquisador Durval Muniz de Albuquerque Jr., intitulado A invenção do Nordeste e outras artes, este último propõe redesenhar essa unidade sociopolítica e cultural, com todas as suas individualidades e todos os estereótipos alimentados por décadas pela literatura, cinema, música e artes visuais brasileiras. Algo importantíssimo nesse festival, no qual o que mais se evidencia são as reflexões e validações identitárias dos territórios envolvidos.
PEDRO VILELA é diretor e produtor teatral responsável pela Trema! Plataforma de Teatro.