Kirikou e a feiticeira deu uma visibilidade inédita ao talento de Michel Ocelot, que nunca tinha dirigido um longa-metragem, mas já havia vencido o César (o Oscar francês) e concorrido à Palma de Ouro em Cannes, respectivamente, com os curtas La légende du pauvre Bossu (1983) e Les quatre voeux du vilain et de sa femme (1987). No último mês de junho, aos 74 anos, ele lançou seu oitavo longa, Dilili em Paris, na abertura do maior festival de cinema de animação do mundo, que ocorre há 60 anos na cidade francesa de Annecy.
No Festival de Annecy, Ocelot cedeu entrevista à Continente e conversou sobre seus anseios enquanto animador. Ele considera-se, antes de tudo, um contador de histórias. A criatividade autoral é fundamental para sua obra, já que ele sempre trabalha com roteiros originais e chegou a se resar a fazer adaptações de livros como O Pequeno Príncipe. Mesmo seus filmes situados no universo das fábulas e dos contos de fadas, como Príncipes e princesas (2000) ou Contos da noite (2011), são totalmente originais, com personagens e tramas criados e desenhados pelo próprio artista.
Como demonstrou nos três longas de Kirikou, Ocelot sempre se preopou em elaborar filmes com pluralidade étnica e ltural, tanto nas temáticas quanto na equipe artística de produção, seja no elenco de vozes ou nos músicos das trilhas sonoras. Ele passou a maior parte da infância na República da Guiné, onde adquiriu familiaridade com lendas africanas que se tornaram uma influência fundamental. Enquanto os estúdios de Hollywood permanecem com difildade de reparar a falta de representatividade racial em suas produções, o cineasta francês demonstra naturalidade ao compor com liberdade os personagens de seus filmes de maior sucesso. Apesar de ser ambientado na capital da França, Dilili em Paris é protagonizado por uma menina de Nova Caledônia, uma ilha da Oceania.
Principalmente por ter consciência de que desperta bastante interesse no público infantil, o animador ainda demonstra sensibilidade e responsabilidade em relação aos valores transmitidos por seus filmes, como se pode perceber na quase ausência de sequências de violência ou nas inversões de moralismos de suas histórias de príncipes e princesas medievais – algo bem tardio e ainda incipiente nas produções da Disney, por exemplo.
Ocelot também gosta de alternar as técnicas empregadas e já trabalhou com desenhos animados, recortes, silhuetas (referência à pioneira da animação Lotte Reiniger), ólos 3D e computação gráfica. Com Dilili em Paris, experimentou usar fotografias de lugares reais como cenários, por um motivo que ele explica nesta entrevista exclusiva. Em outubro, no Recife, o festival Animage apresentará uma retrospectiva de rtas do diretor.
CONTINENTE Você considera que a animação é uma arte moderna que surge junto com a era da reprodutibilidade técnica ou é algo mais ancestral que vem do teatro de sombras e do teatro de bonecos?
MICHEL OCELOT Para mim, vem do teatro, dos bonecos e das sombras. É um desenvolvimento natural. Acho que nossos cérebros precisam de coisas que não são reais, alegóricas, que dependem da imaginação para serem completadas e entendidas. É um jogo entre os artistas e os espectadores. Com a animação, você pode fazer coisas que não consegue com atores no live action.
Em Dilili em Paris, Ocelot trabalhou com cenários bastante realistas. Imagem: Reprodução
Venda avulsa na loja da Cepe Editora e nas bancas.