Curtas

Hermes

Exposição individual de Bruno Vilela, na Amparo 60, marca um duplo aniversário: os 20 anos de carreira do artista e da galeria

TEXTO Samanta Lira

25 de Julho de 2018

'Transmutação', 114 x 155 cm, óleo e carvão sobre papel, 2018

'Transmutação', 114 x 155 cm, óleo e carvão sobre papel, 2018

Imagem Reprodução

[conteúdo na íntegra (degustação) | edição 212 | agosto de 2018]

Na Rua do Amparo
, Olinda, uma casa de número 60 se torna a primeira sede de uma galeria. Vinte anos depois, o espaço, agora situado no Edifício Califórnia, em Boa Viagem, inaugura a exposição Hermes do artista Bruno Vilela, que faz parte do seu casting, como marca de uma carreira que também completa duas décadas. Esta mostra difere das anteriores realizadas pelo artista na galeria – Animattack em 2014 e a Voodoo Drama no ano anterior – por se apresentar como uma grande instalação que integra desenho, pintura, fotografia e estudos, costurados por textos nas paredes, símbolos e ícones ressignificados por ele, cuja trajetória artística baseada numa mitologia pessoal se iniciou aos 21 anos, após a experiência com o mestre em desenho com anatomia e pintura oriental, o japonês Shunishi Yamada.

Para inspirar essa série de trabalhos, que assinala ainda o retorno de uma exposição sua no Recife após quatro anos, Bruno se lançou numa pesquisa sobre o hermetismo, grande ciência, religião ou arte que é tida como um guia para a evolução humana. A origem dessa antiga doutrina liga-se a Hermes Trismegisto (Hermes, o três vezes grande), um semideus, incorporado pelos egípcios na figura do Deus Tot, que tem a capacidade de levar o conhecimento do divino aos homens. Os primeiros registros do hermetismo na história surgem por volta de 2.600 a.C. e é a partir dele que surge a alquimia. Um pequeno livro composto por pouco mais de 120 páginas, o Caibalion, é a grande obra que elabora as suas sete leis.


Hermes, fotografia, 120 x 80 cm, 2018. Imagem: Bruno Vilela/Divulgação

Para Bruno, a inspiração está na descoberta de um mundo próprio, que será revelado para os espectadores através da mitologia pessoal. Há ainda um entendimento singular de “divino” incorporado nas suas criações. A pintura deixa de ser uma representação e passa a ser uma experiência mística vivenciada no âmbito de suas ideias. “Quando a gente pinta de uma maneira meditativa, estamos tendo uma experiência mística. O meu objetivo é transformar em algo real o estado de sonho no qual eu entro durante uma pintura, chegando perto de sentimentos reais”, declara o artista em entrevista à Continente.

Foi a afinidade com esses dois pilares (a mitologia pessoal e a experiência meditativa) que o guiou até o hermetismo. Num contato com o mitólogo Cid Marcus, questionou sobre qual tipo de literatura seria interessante para um aprofundamento. Como resposta, recebeu o Caibalion: “O único livro que você precisa ler é esse aqui”.

A partir do profundo mergulho nesse pensamento, Vilela criou obras que revelam visualmente o conhecimento do grande mestre, materializado em diferentes linguagens. A complexidade está presente não só no suporte, mas na transcriação em si. “As escrituras falam que Deus, o Todo, é indizível e incognoscível. A arte tem, então, a virtude de mostrar justamente o que não se consegue explicar com palavras”, destaca.

Como um anúncio do encontro proposto, a figura de Hermes, na fotografia de uma escultura numa fonte, abre a exposição. É uma espécie de oráculo que retrata uma conhecida citação do Caibalion. O princípio da Transmutação (a ideia da evolução humana é metaforizada na transformação do chumbo, que são os pensamentos negativos, em ouro, que são os pensamentos nobres), presente na prática da alquimia, também dá título a uma das obras que compõem o trabalho. O leão de São Marcos, feito de óleo e carvão, recebe asas e tem o papel de transmitir o conhecimento dos céus através do livro sagrado em suas patas. É possível perceber uma referência aos infinitos anéis do universo no espaço representado pela auréola e círculos ao redor de sua cabeça.


O que está em cima e como o que está embaixo, 114 x 147 cm, carvão e óleo sobre papel, 2018. Imagem: Bruno Vilela/Reprodução

O uso do material gráfico como meio artístico também é inédito no trabalho de Vilela. Um simples convite carrega símbolos e significados escondidos. Ancestrais. Atemporais. Além disso, foi produzida uma bandeira verde-esmeralda que traz estampado um símbolo criado pelo próprio artista. Dessa vez, a ideia da evolução humana é representada por figuras geométricas no centro, o selo hermético. Logo acima, uma meia-lua simboliza o fogo, juntamente à estrela de Davi, que é a fusão do símbolo da terra (triângulo para baixo) com o símbolo do céu (triângulo para cima). Do lado direito, o leão, animal terreno, está oposto à figura de uma águia, ligada ao céu.

O princípio da totalidade está presente desde o processo de pesquisa até o de criação em si. A dificuldade em integrar as obras da Hermes se dá justamente pela complexidade de expressar que o grande mestre, o divino, está em todo lugar. Seja na fotografia da asa de um avião ou no motor de uma fábrica abandonada, feito de carvão e tinta acrílica. A exposição é uma chave para se conectar com o pensamento hermético, mas é preciso estar aberto espiritualmente para submergir nele. Afinal, é como diz o ensinamento do Caibalion: “quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para enchê-los de sabedoria”. A exposição pode ser vista até o dia 15 de setembro.

SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.

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