CONTINENTE Por quê?
NICOLAS KLOTZ Quando você filma alguém, está procurando por algo que não vê imediatamente. Existe um insight para quem filma, que precisa de algum tempo para levar aquelas imagens à tela, e também para quem vê. O público olha e vê uma outra coisa, totalmente diferente, e tem um outro tipo de experiência. Isso é essencial no mundo de hoje: olhar para as pessoas. Na França, por exemplo, as pessoas estão muito sós. Nem se olham mais. Acho que estamos perdendo o modo de olhar para o outro, talvez por causa das novas tecnologias. Sempre encaramos os celulares, perdendo a chance de observar ao redor.
CONTINENTE Mas as novas tecnologias não facilitam o acesso à produção de imagens? Qualquer um pode fazer um filme com um iPhone, por exemplo.
NICOLAS KLOTZ Sim, a revolução que os celulares e as novas câmeras trazem é interessante e importante, mas precisamos achar um meio para usar essa tecnologia sem perder o cinema. Os cineastas têm a responsabilidade de achar as condições através das quais é possível falar do mundo a partir de uma ideia concreta de cinema – às vezes, até, com uma concepção mais radical de cinema. E não se perder na facilidade das novas tecnologias ou no sistema comercial. Porque o esquema do cinema comercial coloca todo mundo para dormir, não para pensar.
CONTINENTE Ao fazer um filme sobre um campo de imigrantes, você se posiciona politicamente sobre a atual crise dos refugiados, talvez a maior da humanidade. Por que decidiu filmá-los?
NICOLAS KLOTZ Sim, é uma crise imensa, e não terminou, aliás, não está perto de terminar. Com os problemas climáticos e as outras guerras, talvez se torne maior. Quisemos mostrar, primeiro, que na França a mídia e os políticos de direita produzem uma imagem do imigrante que não bate com a realidade. Tentamos entrar na intimidade deles, e assim produzir uma outra imagem, diferente dessa visão difundida pela imprensa e pelos políticos.
CONTINENTE Para oferecer uma contranarrativa?
NICOLAS KLOTZ Totalmente. E para dizer que houve outros campos na história da Europa, campos de concentração, como bem sabemos, e que esse campo, o Jungle, foi uma oportunidade de construir uma ideia totalmente diferente. Porque poderia ter sido um lugar para os imigrantes encontrarem advogados que pudessem ajudá-los e onde pudessem trabalhar no que quisessem. Não um campo humanitário, mas um campo utópico, um experimento utópico do mundo de hoje, não do mundo do passado. Estamos num novo mundo e, ao destruir o campo, o governo francês está dizendo que não quer o mundo de hoje, e, sim, o de ontem. Os governantes querem ficar com as velhas ideias, com a Europa velha, mesmo que isso esteja matando a Europa. Querem ficar em guerras antigas, e com seu velho fascismo e suas velhas crises financeiras… Tudo velho. Esse lugar poderia crescer para ser algo totalmente diferente, totalmente novo. Seria algo do mundo de hoje. Existe uma lacuna enorme entre o mundo de hoje e o passado e queremos alcançar e discutir isso através do cinema. Isso é político. Os filmes precisam ser testemunhos do mundo em que vivemos hoje.