Dentro da proposta de trazer grupos cujos trabalhos refletem uma preocupação com o desenvolvimento de um projeto artístico, duas companhias que estiveram em edições passadas, inclusive a primeira, em 1997, retornam este ano: o Grupo Galpão (MG), com Nós, sua 23ª montagem, e a Cia. do Latão (SP), com O pão e a pedra. Obras de caráter político, que discutem o momento pelo qual o país passa, esses trabalhos refletem também o intuito dos criadores em utilizar o teatro como ferramenta de transformação, uma trincheira contra a barbárie.
“O momento político está afetando a circulação de espetáculos. Vivemos uma fase crítica na cultura por conta da visão neoliberal que está sendo implementada e só visa o lucro. Nossa postura tem que ser de resistência”, enfatiza o ator Eduardo Moreira, do Galpão. Em Nós, um grupo de sete pessoas (cuja ligação não fica clara) prepara sua última refeição: uma sopa. Durante o processo, os indivíduos discutem questões relacionadas ao seu lugar na sociedade, o público e o privado, violências reais e simbólicas e celebra os 30 anos do grupo. A direção é de Márcio Abreu, da Companhia Brasileira de Teatro (PR).
Para o Latão, voltar ao festival também tem um significado singular, porque o evento se confunde com a própria trajetória do grupo. “Participar das primeiras edições do FRTN foi importante para nós. A encenação de Ensaio para Danton no Teatro do Parque, em 1998, mostrou que nosso trabalho, ainda em seu começo, tinha uma linha estética que poderia interessar a muita gente. Tanto que a mais importante de nossas peças dos primeiros anos, O nome do sujeito, se passava no Recife, contando histórias de violência em torno de um barão do império que teria feito um pacto com o diabo: era uma alegoria da modernização regressiva, uma espécie de pré-história do que se vê em alguns dos filmes de nosso melhor cineasta atual, Kleber Mendonça Filho”, reforça Sérgio de Carvalho, fundador do coletivo.
O caráter de crítica social está presente também em Memórias de um cão, do Coletivo Alfenim (PB), inspirado na obra de Machado de Assis, que abre o festival e expõe as contradições do ethos brasileiro na questão da luta de classes. Outra aposta da curadoria é o Teatro Popular de Ilhéus (BA), cujo trabalho tem forte ligação com a cultura popular nordestina. A ideia é também fortalecer os laços entre os grupos da região.
PRATA DA CASA
Como mais uma característica do festival, as produções locais que foram destaque durante o ano, na visão da curadoria, estarão presentes no evento. Entre elas, dois espetáculos que põem sexualidade e gênero no centro do debate: Puro lixo, dirigida por Antonio Cadengue e inspirada na trajetória do Grupo Vivencial, e Ossos, do Coletivo Angu, baseada na obra de Marcelino Freire. Além de obras que já ganharam os palcos da cidade, o festival promove ainda a estreia de Severinos, Virgulinos e Vitalinos, dirigido por Samuel Santos.
Este ano, o festival presta homenagem ao grupo Mamulengo Só-Riso, fundado em Olinda, em 1975, por Fernando Augusto Gonçalves Santos, Nilson de Moura e Luiz Maurício Carvalheira, cujo trabalho na pesquisa e divulgação da arte do bonequeiro nordestino representou um marco na cultura pernambucana e nacional.“É um grupo fundamental para a preservação e renovação da arte do mamulengo, que é patrimônio imaterial, mas que, hoje, passa por uma situação difícil, com poucos artistas se dedicando à sua pesquisa e, principalmente, à sua execução. O teatro de bonecos é vibrante e precisa ter seu espaço destacado”, reforça Romildo.