Arquivo

Enfant terrible lança o sexto longa-metragem

"É apenas o fim do mundo", filme mais recente do jovem diretor canadense Xavier Dolan, estreia no Brasil depois de uma passagem conturbada pelo Festival de Cannes

TEXTO Mariane Morisawa

01 de Novembro de 2016

Adaptação de uma peça de Jean-Luc Lagarce, filme 'É apenas o fim do mundo' estreia agora no Brasil

Adaptação de uma peça de Jean-Luc Lagarce, filme 'É apenas o fim do mundo' estreia agora no Brasil

foto divulgação

[conteúdo da ed. 191 | novembro de 2016]

Pode-se acusar Xavier Dolan de muita coisa, menos de falta de energia. O menino-prodígio do cinema de autor, o enfant terrible que aos 27 anos já lançou seis longas-metragens, todos apresentados no Festival de Cannes, além, lógico, do muito comentado videoclipe de Hello, de Adele, faz um cinema vibrante, apaixonado, ou, para alguns, histérico.

Sua estreia, Eu matei minha mãe (2009), era uma história semiautobiográfica com roteiro seu sobre a relação conturbada entre um jovem adolescente (interpretado pelo próprio Dolan) e sua mãe (Anne Dorval). Amores imaginários (2010), sobre um triângulo amoroso, também foi escrito, dirigido e protagonizado pelo franco-canadense. Laurence Anyways (2012) tinha Melvil Poupaud no papel de um homem que fazia a transição de gênero e mostrava como isso afetava seu relacionamento com sua mãe (Nathalie Baye) e sua namorada (Suzanne Clément). Tom na fazenda (2013) é a primeira adaptação feita pelo cineasta, de uma peça de Michel Marc Bouchard. Dolan é um rapaz da cidade que passa um tempo com a família do namorado, que acabou de morrer. Mommy (2014) era novamente a história da relação conturbada entre uma mãe (Anne Dorval) e seu filho, o problemático adolescente Steve (Antoine-Olivier Pilon).

É apenas o fim do mundo, que estreia agora no Brasil, é uma nova adaptação teatral, desta vez de uma peça de Jean-Luc Lagarce, sobre um escritor famoso (Gaspard Ulliel) que, no estágio terminal de uma doença, retorna à casa de sua família depois de 12 anos. O que precisa ser dito não é, e o que não precisa é gritado – diálogos acalorados não são incomuns em sua obra, mas aqui é praticamente o tempo todo.

Também não se pode dizer que seus filmes não correspondem à sua personalidade. Uma entrevista com o diretor é, no mínimo, divertida. Ele não tem medo de falar o que pensa – nem de reclamar quando acha que seu filme merecia um prêmio melhor, algo que é um tabu e, claro, resulta em narizes torcidos. Não tenta posar de intelectual e admite que nunca foi cinéfilo, mesmo sendo descrito como um (leia na entrevista). É exagerado e gosta de frases de efeito. Frequentemente, encena aquilo que quer expressar, puxando o jornalista para perto, fingindo contar um segredo.

No set, não é muito diferente. “Ele tem uma maneira de se relacionar única. Fala durante as tomadas, às vezes toca música durante a cena”, disse Gaspard Ulliel, durante entrevista no último Festival de Cannes. “Há um aspecto físico na maneira como ele dirige. Ele pode segurar o operador de steadycam e movê-lo pelo set. E ele nunca corta. A gente continua até terminar o rolo de filme. É um processo totalmente novo para mim. E é estimulante, no fim das contas. Você perde o equilíbrio, às vezes. Perde seu rumo. E é isso que permite a Xavier tentar capturar alguma coisa nos atores que está fora de seu controle, de suas consciências.”

Nathalie Baye, que trabalhou com François Truffaut e Jean-Luc Godard e faz seu segundo filme com Dolan, elogia o jovem cineasta. “Você pode perguntar qualquer coisa. Se ele não tem a resposta, não vai mentir. Vai dizer: ‘Não sei, vamos descobrir’. E fala de maneira simples. Não é um intelectual. Nem tenta psicologizar demais. Sua intuição é muito forte.”

CRÍTICA
É apenas o fim do mundo é a maior produção do cineasta canadense, reunindo um elenco dos sonhos da França. Gaspard Ulliel é Louis, que saiu da pequena cidade onde morava para ser reconhecido como escritor. Depois de 12 anos, volta para ver sua família – a mãe (Nathalie Baye), o irmão mais velho Antoine (Vincent Cassel), sua mulher, a submissa Catherine (Marion Cotillard), e a irmã mais nova, Suzanne (Léa Seydoux). Louis tem algo para contar, mas ninguém o deixa falar. “Foi desafiador ficar tão quieto. Mas, no fim, também dá para considerá-lo o personagem mais interessante”, disse Ulliel. “Me lembro de receber o roteiro com um pequeno bilhete em que Xavier tentava me convencer a aceitar o papel. Deu para sentir que ele tinha medo de eu ficar desapontado com o papel, porque eram poucos diálogos. Então, ele insistia no peso dos silêncios.” Os outros falam muito, à exceção de Catherine, que estabelece com Louis um entendimento sem palavras. Mas também não conseguem dizer o que é importante. “Nos silêncios você vê que há muitas coisas não ditas: Por que foi embora? Por que não ajuda seu irmão? Por que voltou? Há inveja misturada com admiração”, afirmou Baye. “Você pode falar mais facilmente com seus amigos do que com sua família, porque a memória de sua família tem lembranças maravilhosas e terríveis. É tudo muito à flor da pele.”

O jeito passional de lidar com as coisas transfere-se também na relação de Dolan com as críticas. Apesar de dizer que lida bem com elas, a não ser quando o crítico comete erros, a verdade é que Dolan não esconde a mágoa quando é criticado – o que aconteceu muito no Festival de Cannes deste ano com É apenas o fim do mundo, que ele declarou considerar seu melhor filme.

No fim, apesar de todas as críticas negativas, o longa levou o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de segundo lugar. “Sei que Xavier se sentiu pessoalmente ofendido”, disse Ulliel, dois dias após a exibição para a imprensa em Cannes. “Ele também é atacado pessoalmente. Tomara que ele aprenda a se distanciar, porque, no fim, não é o mais importante.”

De fato, às vezes as críticas extrapolam o julgamento do valor cinematográfico das obras para comentar sobre a personalidade do diretor, que, com seu jeito transparente e sincerão, não agrada a todos. Dolan teria ficado tão chateado com a recepção a seu último filme, que declarou que nem vai inscrever seu próximo em Cannes. The death and life of John F. Donovan, sua primeira produção em inglês, tem elenco igualmente estrelado: Kit Harington (o Jon Snow de Game of Thrones), Jessica Chastain, Natalie Portman, Susan Sarandon.

Agora é ver se ele vai resistir ao chamado de Thierry Frémaux, diretor do Festival de Cannes, e à possibilidade de ter seu sétimo filme no evento – ele ganhou a Caméra d’Or com Eu matei minha Mãe e o Prêmio do Júri (empatado com ninguém menos que Jean-Luc Godard) por Mommy, além do Grande Prêmio este ano.

veja também

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”

Projetos em benefício da coletividade