O trabalho de iniciação musical com crianças de baixa renda da Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC) é feito em grupos divididos por faixa etária e instrumentos. Aqueles que passam a integrar a orquestra tornam-se bolsistas, os mais destacados podem monitorar as turmas, ajudando no aprendizado dos colegas e recebendo bolsa adicional. Além das orquestras, são formados duetos, trios, quartetos e quintetos de cordas; grupos de percussão, flautas doces e núcleo de música popular.
Hoje, o projeto atende 230 crianças, adolescentes e jovens do Coque, com idade entre sete e 21 anos. Os estudantes têm aulas de instrumentos de corda (viola, violino, violoncelo, contrabaixo), percussão, teoria musical, flauta doce, canto coral e instrumentos de sopro (flauta transversa, oboé, clarinete, trompa e fagote). As atividades são de segunda a sexta. Os alunos permanecem na OCC durante cinco horas, no contraturno escolar. No sábado, há os ensaios.
O projeto inclui apoio pedagógico e reforço escolar; atendimento psicológico, médico e odontológico; e aulas de informática. Para participar, é preciso ser morador do Coque e estudar em escola pública. Quando há novas vagas, é feita uma seleção com provas de português, matemática e percepção musical. Há crianças e adolescentes que se interessam em ingressar depois de verem o desenvolvimento de irmãos e primos que já integram o projeto. Às vezes, a seleção não é fácil e traz exemplos de persistência. Este é o caso de Jameson Batista, de 13 anos, que estuda fagote há três anos e faz parte da banda de sopro. Jameson tem um primo que estuda percussão na OCC, por isso teve interesse pelo projeto.
“Eu tentei seis vezes entrar, na sétima, eu passei. Se você quer um bom futuro, tem que ficar tentando o melhor. Mês passado, eu solei com a orquestra infantojuvenil na apresentação na Igreja Madre de Deus, foi uma oportunidade de mostrar o meu trabalho”, fala, com uma maturidade que impressiona. Na apresentação na igreja, foi apresentada uma obra de Vivaldi. Jameson conta que gosta da música barroca e sonha em se profissionalizar como músico e regente. Para isso, estuda diariamente o instrumento, durante uma hora e meia. No período da manhã, frequenta a escola regular e à tarde está na OCC. “Eu gosto da rotina cheia. Além da música, aqui aprendi a me disciplinar e a respeitar os outros, o que eles fazem”, diz.
“O projeto dá oportunidade, não esmola; oportunidade e esmola são palavras que estão em pontos díspares. Às vezes, os dramas familiares dos alunos são grandes. Por isso que, desde o início, o maestro Cussy de Almeida dizia que tínhamos que ter apoio psicológico”, comenta João Targino.
ESCOLHA ESTRATÉGICA
João Targino, Cussy de Almeida e Nido Nery dos Santos são o trio responsável por essa história que relaciona música erudita e crianças de baixa renda. Quando eles criaram a Associação Beneficente Criança Cidadã (ABCC), em 2000, e a Orquestra Criança Cidadã Meninos do Coque, em 2006, havia o desejo de fazer-se presente numa área estigmatizada do Recife.
De acordo com Targino, a escolha do Coque para a criação da orquestra foi estratégica: era a comunidade com o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH–M) do Recife, com IDH–M de 0,632 para área formada pela Ilha Joana Bezerra, São José e Coque (Censo de 2000 do IBGE), resultado semelhante ao do Gabão, na África, que, no mesmo período, registrava IDH de 0,637.
O violoncelista Diego Dias, 19 anos, reconhece a música como uma oportunidade diante da realidade da comunidade em que vive. Ele é um dos 44 músicos que foram a Roma para apresentação ao Papa e gravação do álbum. Diego, que entrou para o projeto social aos 11 anos e atualmente é estudante do Bacharelado em Música da UFPE, integra a Orquestra Cidadã Meninos do Coque como instrumentista, e desde 2014 atua também como monitor. Apesar de valorizar todas as oportunidades que tem tido dentro do projeto, ele faz questão de desmistificar a relação do bairro com a violência. “Aqui na orquestra, a gente consegue se desligar da violência e seguir um caminho diferente. Mas é preciso dizer também que hoje o nosso bairro é mais seguro que vários bairros nobres do Recife.”
Além de integrar a OCC, Diego faz parte da Orquestra de Câmara do Conservatório Pernambucano de Música e da Orquestra Jovem de Pernambuco. Recentemente, foi a São Paulo para fazer um curso de Filosofia Suzuki, método utilizado na escola da Orquestra Cidadã. “Quero ser músico e também professor. Gosto do instrumento erudito na música popular brasileira, gosto especialmente de forró”, diz.
Diego e seus colegas têm uma nova viagem internacional marcada para o final deste ano. O destino é Nova York, onde tocarão no Plenário Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em comemoração ao aniversário da Unicef.