Clara Moreira: privilégio do desenho
TEXTO Marina Moura
01 de Agosto de 2016
Clara Moreira ilustrou o livro produzido pela cineasta e jornalista Mariana Lacerda
Ilustração Clara Moreira
[conteúdo da ed. 188 | agosto de 2016]
O tempo de Clara Moreira parece ser outro. Existe uma espécie de leveza e desprendimento nela quando, por e-mail, escreve à reportagem da Continente: “viajei e passei alguns dias sem computador”. Clara também dá sinais de pertencer a outro tempo porque encara o ofício de desenhista como parte de sua vida mental. “Penso muito antes de desenhar. Posso demorar bastante para começar efetivamente um desenho, mas ele chega a ficar todo definido na minha cabeça. Às vezes, passo meses trabalhando uma imagem mentalmente. Outras, surge-me uma imagem inteira repentinamente”, afirma sobre seu processo criativo.
Aos 32 anos, a pernambucana é formada em Arquitetura, já foi urbanista, professora, assessora parlamentar e, simultaneamente a tais atividades, sempre desenhou. Hoje, mora em Belo Horizonte e dedica-se exclusivamente à arte. Optar pelo desenho representa uma modificação no ritmo de sua rotina e impacta diretamente no trabalho que concebe, privilegiando procedimentos tradicionais e o uso de nanquim, lápis de cor e grafite. “Essa mudança foi e tem sido decisiva para o tipo de desenho que eu faço, que utiliza técnicas artesanais e necessita de tempo. Tenho mais tempo pra pensar em desenho e só penso nisso. Sinto-me muito bem”, comenta.
oi pelos corredores do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco que Clara iniciou seu percurso de desenhista profissional. Enquanto cursava Arquitetura, entrou em contato com alunos que organizavam o Cineclube Barravento, com sessões semanais de curtas-metragens. Ela passou a fazer os cartazes desses filmes, até que “vieram os festivais e os longas, convites de outros estados” e nunca mais parou. Não à toa, boa parte da produção da artista está atrelada ao cinema – ela já produziu cartazes de festivais como o Janela Internacional de Cinema do Recife e Semana dos Realizadores, além de pôsteres de filmes de Kleber Mendonça Filho, Tião, Gabriel Mascaro, Marília Rocha, entre outros.
Por isso, Clara entende: “foi o cinema que me colocou no caminho do desenho”. A relação dela com a sétima arte, aliás, extrapola os limites profissionais e passa pelo vínculo afetivo que mantém com os filmes. “Diria que sou cinéfila, mas não posso afirmar de fato isso porque conheço cinéfilos e eles se dedicam muito mais ao cinema do que eu, viram e costumam ver mais obras que eu. Mas sou igual a eles naquele tipo de paixão obsessiva. Tenho saudades de filmes. Imito a vida neles. Quero me casar com um filme e posso sentir ódio de um deles.”
Em tempos de interfaces e digitalização, Clara Moreira segue ilustrando no papel, e destaca: “Não sei usar o computador pra desenhar”. Não é que ela negue as ferramentas digitais nem desmereça o valor e as possibilidades desses aparatos, mas conta que nutre a intimidade com a folha em branco e o gosto pelo processo, transitando entre o planejado e o inesperado. “Gosto do fato de que o desenho no papel é fatal, é o registro de um tempo em que alguém ficou ali colocando pigmentos um a um, é um momento, uma umidade, uma poeira que adere, um erro incontornável.”
Sobre as referências para o seu trabalho, Clara dá especial valor às parcerias profissionais que estabelece, além de um caldo difuso que engloba livros, filmes, conversas, lugares, outros artistas, memórias de infância e sua cidade natal, o Recife. Ela entende que “esse é um movimento constante, sem o propósito específico de buscar referências, mas acho que tudo me influencia”, conta ela, que, no momento desta entrevista, lia Moby Dick e ouvia Metá Metá. Clara trabalha, agora, em dois cartazes de filmes e organiza uma exposição conjunta com a artista Juliana Lapa, prevista para ocorrer no fim do ano, n’A Casa do Cachorro Preto, em Olinda. A respeito da mostra, a artista acredita que mantém um diálogo constante entre “as demandas exteriores e as questões internas”, produzindo, assim, desenhos de outros tempos, possivelmente, para citar Chico Buarque, do “tempo da delicadeza”.