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Museus do mundo à mão

Ferramentas como o Google Art Project, Kunstmatrix e sites institucionais de museus como o MoMA e o Tate Modern aproximam a arte do internauta

TEXTO Bárbara Buril

01 de Julho de 2016

Capela Sistina: a visita virtual oferece um panorama detalhado e asséptico, a presencial, a materialidade da arquitetura e da presença humana

Capela Sistina: a visita virtual oferece um panorama detalhado e asséptico, a presencial, a materialidade da arquitetura e da presença humana

Foto divulgação

[conteúdo da ed. 188 | julho de 2016]

O que há
em comum entre as experiências de apreciar os afrescos dos maiores artistas da Renascença, como Michelângelo, Rafael e Botticelli, na Capela Sistina, presencialmente, através de uma longa viagem entre o Brasil e a Itália, ou virtualmente, pelo site do Vaticano? Trata-se de uma questão complexa que coloca, em debate, tanto os entusiastas como os detratores da tecnologia. A pergunta pode ser formulada, de maneira mais ampla, da seguinte forma: quais são os reais impactos da tecnologia na arte? Em última análise, a tecnologia teria ampliado as possibilidades da arte, como defendem os entusiastas da técnica, ou a teria despotencializado, como se pode ver nas críticas do filósofo frankfurtiano Walter Benjamin, por exemplo, sobre a perda da aura da obra de arte em uma era que passou a reproduzi-la massivamente? Sem dúvidas, o problema é delicado e essa reportagem não busca se lançar a uma tentativa de respondê-lo. 

Na verdade, o que se quer mostrar aqui é que as exposições de arte ganham novas possibilidades com a internet e podem ser experienciadas de maneiras diferentes. Se elas são melhores ou piores do que as experiências presenciais, tudo parece depender do que as pessoas realmente buscam ao visitá-las. Mas, de fato, o que se sente é que não há nada em comum entre as possibilidades de estar na Capela Sistina presencialmente (na companhia de um grande público de turistas, muito barulho, reclamações dos vigias de flashs, mas acompanhada por uma sensação de pequenez humana diante da grandiosidade arquitetônica do espaço) e a de visitá-la pelo site do Vaticano (de onde brota uma música clássica que parece querer nos situar naquele ambiente renascentista, sem barulhos, sem qualquer vestígio de uma vivência arquitetônica tão essencial para uma experiência artística, mas com uma precisão de imagem que os olhos humanos não conseguem captar presencialmente). Embora haja ganhos e perdas em ambas as situações, o que importa é que, diferentemente da visita in loco, a virtual é acessível para a maior parte das pessoas e, nesse ponto de vista, o Vaticano está distante de nós a um clique.

Assim, vários museus e galerias do mundo têm se adaptado ao ambiente virtual, ora dando a possibilidade aos internautas de realizarem uma visita em 360 graus, ora disponibilizando, na internet, uma vasta catalogação das obras de seus acervos. O Google também tem cumprido um papel fundamental na inserção do mundo da arte na internet, através do Google Art Project, uma parceria estabelecida com algumas das mais aclamadas instituições de arte do mundo para disponibilizar dezenas de milhares de obras de arte de mais de seis mil artistas online e para realizar visitas em 360 graus a partir da ferramenta do Google Street View. Através do Google Art Project, é possível fazer um tour virtual com alta qualidade visual em importantes espaços culturais do mundo, como o Museu de Arte Islâmica do Catar, o Musée d’Orsay, em Paris, o Museu Nacional de Tokyo, o Palácio de Versalhes e até o Santuário Histórico de Machu Picchu, no Peru. 

O Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG), também pode ser acessado virtualmente. Pelo site, o internauta é redirecionado para o site do Google Arts & Culture e pode visitar as dezenas de galerias e espaços do instituto. Na visita pelo Street View, não é possível saber exatamente os nomes das obras, mas, como no site do espaço cultural no Google Arts & Culture há uma catalogação de todas as obras, é possível identificar quais são as criações encontradas na visita em 360 graus. 

O arquiteto e mestrando em Arquitetura na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Rafael Rangel, por exemplo, que realiza pesquisa sobre a relação entre a arte e os espaços arquitetônicos no Inhotim, tem utilizado o Google Street View para tirar dúvidas sobre detalhes de algumas galerias do espaço. “Acredito que essa ferramenta pode ser bastante positiva como complemento da visita presencial, mas não como essencial. Por exemplo, já visitei o Inhotim inúmeras vezes, mas, em alguns momentos, tenho dúvidas sobre as cores e as formas da arquitetura de alguns espaços, aí eu faço a visita virtual.” 

Por defender que a vivência em uma exposição de arte depende da imersão do sujeito em um espaço arquitetônico que, por essência, é multissensorial, Rafael vê um limite no potencial de afetar as sensibilidades dos sujeitos pelos museus virtuais. “Estando em casa, no computador, você não vai sentir o frio, o barulho, não vai entender o espaço, se o teto é alto ou baixo, por exemplo. São certas limitações que a gente encontra no museu virtual. Por isso, na minha opinião, a visita ainda é fundamental”, defende. Para fins de pesquisa, por outro lado, ele acredita que a possibilidade de navegar virtualmente pelos museus pode ser extremamente enriquecedora.

COLEÇÕES
Outra iniciativa bastante interessante, que tem aproximado a arte da internet, é o portal Kunstmatrix, uma galeria de arte virtual que realiza exposições online de qualquer artista que se inscreva no site e monte a própria exposição. Basta acessá-lo, logar, escolher o espaço expositivo mais adequado para a quantidade de obras a serem exibidas e colocar as obras nas paredes virtuais. Um processo interativo e simples. Depois de montada, a exposição pode ser visitada por qualquer pessoa que acesse o site da galeria. Além disso, cada obra exposta aparece com o preço de venda e a compra pode ser realizada pelo próprio site, que recebe uma porcentagem sobre a venda. Também é possível pagar por um serviço opcional de curadoria oferecido pelo portal. 

Para quem não quer comprar nada, mas apenas fazer uma visita despretensiosa, há algumas sugestões do Kunstmatrix das exposições mais visitadas. As mostras criadas pela Galerie Friedmann-Hahn, por exemplo, que existe num endereço físico em Berlim, estão entre as mais frequentadas no site. A exposição Shot by both sides, do fotógrafo berlinense Kai von Kröcher, cujo ateliê está situado no bairro artístico de Kreuzberg, em Berlim, é a segunda mais visitada do site, depois da mostra Cap Ferrat und Purple Rain, de outro artista berlinense, Rainer Baier. Apesar de o tour virtual por essas exposições funcionarem bem, sem problemas técnicos, o Kunstmatrix se mostra mais bem-sucedido porque dá a oportunidade aos visitantes de conhecerem novos artistas europeus, verem as obras individualmente e lerem o texto curatorial. 

Além das visitas virtuais em 3D, também é possível conhecer os acervos de museus importantes do mundo pelo acesso aos seus portais, que tem disponibilizado imagens e descrições detalhadas da maior parte das obras que compõem suas coleções. Não é como uma visita que simula ou que reproduz virtualmente o espaço físico do museu, mas é um modo de ter acesso a essas obras de maneira até mais detalhada – ideal para fins de pesquisa. No site do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), é possível ver 68 mil das 200 mil obras do acervo. Basta digitar o nome do artista. O brasileiro Helio Oiticica, por exemplo, tem 12 obras digitalizadas e, ao clicar em cada uma delas, tem-se acesso a uma breve história sobre o contexto artístico da obra, a técnica, dimensão e mesmo uma descrição sobre como ela foi adquirida. 

O Tate Modern, em Londres, propõe uma experiência mais interativa. Além de poder acessar a coleção do museu através de um glossário temático que direciona o passeio de modo mais eficaz e orientado, com indicações de filtros como “barroco”, “arte cinética”, “body art” ou “Bauhaus”, e com explicação detalhada sobre cada um dos termos, o internauta também pode criar um álbum próprio com obras da coleção, de acordo com seu interesse temático. Já a coleção online do Guggenheim pode ser acessada de acordo com filtros de datas, técnicas e movimentos artísticos. 

Em uma época em que a interação parece ter ganhado mais importância do que a apreciação da arte, são estratégias bem-sucedidas que buscam se adequar a um contexto de papel bastante ativo e protagonismo nunca antes outorgado àqueles que eram meros espectadores de obras de arte: nós, os visitantes.

 

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