Caíam as chuvas de dezembro, tão promissoras. Apenas minha avó materna punha-se triste porque se molhava a lã nos pés de ciumeira, estragando-se a matéria prima com que ela fabricava os bichinhos da lapinha: carneiros, boizinhos, cabras e camelos. Modesto artesanato de mãos calosas, em tardes de ócio, em meio às lembranças das cantigas que as pastoras entoavam na frente dos presépios, nas suas representações.
Ai, ai, que dor na minha alma
de ver o Menino deitado nas palhas.
Queixavam-se as meninas do Crato, de Juazeiro do Norte e de Barbalha. E nos cordões de reisados, formados pelas corporações de ofício dos engenhos de rapadura, homens e meninos suplicavam:
Abra a porta gente
que eu venho ferido
pela falsidade tão grande
dos meus inimigos.
E as mesmas vozes consolando,
respondiam:
Se tu vens ferido
chega pra dentro
sangue do meio peito, jorrando
serve de alimento.
As portas se abriam, comidas eram servidas, trocavam-se abraços, louvava-se o sagrado. A areia prateada e a purpurina das flores, nos altares, brilhavam esplendorosas. Lá fora, nos terreiros e quintais, os frutos maduros desabavam das árvores com estrépito. Pingos de chuva caíam do céu sobre a terra, encharcavam o solo e enchiam os barreiros e os açudes com a mesma fartura das mesas. Recolhido, o silêncio nem se dava conta de que as cantorias e os vivas inundavam os espaços da morada.
Essa casa é bonita é bem feita,
com muito gosto mostra uma barra amarela.
Essa casa é coberta com um véu,
meu Deus do Céu quem será o dono dela?
RONALDO CORREIA DE BRITO, escritor.