Arquivo

Karina Buhr: afiando o olhar sobre o mundo

Em terceiro álbum solo, 'Selvática', cuja capa rendeu polêmica, a artista aprofunda antiga relação com o rock em arranjos e letras mais pesados

TEXTO Débora Nascimento

01 de Novembro de 2015

Karian Buhr explora rock mais cru em novo álbum

Karian Buhr explora rock mais cru em novo álbum

Foto Priscilla Buhr/Divulgação

É bastante simbólica a mudança do olhar de Karina Buhr nas capas de seus três discos solo, lançados no curto período de cinco anos. Da estreia, Eu menti pra você (2010), depois por Longe de onde (2011), até o mais recente, Selvática, seu olhos passaram a mirar desafiadoramente a lente da câmera. Essa postura indômita não transparece somente num simples gesto impresso nas fotografias, mas também nas canções desse seu terceiro álbum, que aprofunda a sua relação com o mais longevo provocador dos gêneros musicais, o rock.

Antes mesmo de seu lançamento, o novo disco de Karina Buhr já causara polêmica, exatamente por conta de sua capa, na qual a cantora e compositora aparece de seios à mostra. A postagem no Facebook foi banida pela rede social, assim como a conta da artista. Isso foi o bastante para suscitar uma reação em cadeia. Vários de seus seguidores compartilharam a imagem, assinada por sua irmã, Priscilla Buhr. Alguns, inclusive, tiveram suas contas de perfis também bloqueadas – vale lembrar que, para acontecer a censura, é preciso que algum usuário faça a denúncia ao site.

Toda a polêmica, se ajudou a projetar a divulgação do disco, pode ter colaborado também para ofuscar o fato de que este é o mais pesado dos três álbuns de Karina, do ponto de vista dos arranjos, menos elaborados que os anteriores. Produzido por Bruno Buarque (bateria), Mau (baixo), André Lima (teclados) e Victor Rice (violoncelo), Selvática começa ameno na melhor das 11 faixas, o reggae Dragão. Em seguida, despontam algumas canções inspiradas e bem intricadas, como Conta-gotas (destaque para o diálogo entre o baixo de Mau e o trompete de Guizado, coautor) e a ciranda Rimã. No entanto, a artista preferiu investir no rock mais cru, talvez para dar vazão a letras raivosas, como as do pós-punk Pic nic (outra parceria com o trompetista) e do punk Cerca de prédio (feita com Canibal), na qual critica a intensa especulação imobiliária no Recife.

Essas músicas vão contribuir para potencializar a performance de Karina, já bastante visceral, num estilo que não se assemelha ao de nenhuma cantora da música brasileira – lembra mais a presença de palco de Kathleen Hanna (Bikini Kill, Le Tigre), inclusive pelo teor feminista. “Legal ver uma cantora se descabelando e se atirando no chão do palco. Geralmente, elas têm muito pudor”, afirmou Lucas Santtana, no concorrido lançamento de Eu menti pra você, em 2010, quando o show no Sesc Pompeia (SP) reuniu uma constelação da nova música brasileira, confirmando o burburinho em torno da “novata”, que tinha Edgard Scandurra e Fernando Catatau como guitarristas de sua banda. Estavam na plateia Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Thiago Petit, Thalma de Freitas, Rica Amabis, entre outros.

Ali foi o começo da brilhante carreira individual de Karina, numa trajetória similar à de Otto, que atuava como percussionista no Recife e cujo trabalho solo foi aclamado, principalmente em São Paulo. Ambos estavam na primeira incursão da cena mangue em terra paulistana: ele, o Bicho Que Pula, com a Mundo Livre S/A; ela, como uma das pastoras do Veio Mangaba – a percussionista participou de vários grupos, bandas e coletivos do Recife.

Desde o lançamento de Eu menti pra você, a artista vem colecionando honrarias, de críticas positivas a prêmios. Assim como Otto em 1998, com a estreia solo Samba pra burro, ela também ganhou reconhecimento da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), sendo eleita, em 2010, Artista do Ano; esteve no Top 10 da Rolling Stone; foi contemplada pelo edital Natura Musical, para gravação do segundo disco e turnê; indicada à Artista Revelação do Ano no Video Music Brasil e à Melhor Cantora no Prêmio Música Digital.

Com Longe de onde, Karina recebeu um dos maiores elogios de sua carreira. Foi apresentada na MTV americana como “uma Patti Smith com olhos pintados e um monte de cultura brasileira a seu dispor”. E, pelo segundo ano consecutivo, entrou no Top 10 da Rolling Stone. No 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ganhou, com Tomaz Alves Souza, o prêmio de Melhor Trilha Sonora pelo filme Era uma vez eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e foi finalista do Prêmio Bravo, listada entre os três melhores espetáculos, junto com as veteranas Gal Costa e Marisa Monte.

Neste 2015, publicou a coletânea de escritos Desperdiçando rima, terceiro livro mais vendido na Flip, atrás apenas de Jóquei, da poeta portuguesa Matilde Campilho, e Agora aqui ninguém precisa de si, de Arnaldo Antunes.

Interessante Karina ter ficado bem próxima do ex-Titãs nesse ranking, pois algumas de suas letras lembram o estilo dele, como Cara palavra e A pessoa morre, ambas de Longe de onde. Em Selvática, ela volta aos temas prediletos, o amor, sob o ponto de vista irônico e pouco idealista, e as críticas sociais.

Apesar de não se considerar cantora, não gostar de ser chamada assim, possivelmente pelo comprometimento que isso implica, Karina Buhr vem aprimorando sua interpretação. Embora não tenha uma extensão vocal típica de grandes intérpretes, possui um atributo nesse quesito, com sua voz cheia de sotaque baiano-pernambucano e que muitas vezes se assemelha ao timbre de uma menina, canta de maneira diferente cada uma dessas letras de quem está sempre curiosa, descobrindo o mundo. 

Leia também:
Nudez: Muito além de embalar a música

veja também

Casa Daros: Exposição com cubanos encerra atividades

Acessibilidade: Novos passos para propagar a arte

Atitudes contra o “valor inerte”