Famosa por seus pórticos, muros e torres, ela não impressiona pelas construções individuais, mas, sim, pelo conjunto da obra, traçado e conservado em ruas estreitas e harmônicas. Em cidades como Florença e Roma, as edificações são individualmente mais importantes que o desenho da cidade, mas em Bolonha ocorre o contrário: até os mais belos palácios renascentistas e barrocos são absorvidos pelas malhas do tecido urbano medieval e se alinham ao longo das radiais que partem do coração citadino: as torres Asinelli e Garisenda.
Conhecidas como Le due torri (as duas torres), elas estão entre as poucas restantes. Erguidas em grande número por famílias nobres, foram desaparecendo ao longo dos séculos devido a terremotos, incêndios, desabamentos e guerras. Com 97 metros, a Asinelli é a mais alta da cidade. Subir os seus 498 estreitos degraus é tarefa árdua, merecidamente compensada com uma privilegiada vista panorâmica.
Com exceção da Piazza Maggiore, no coração do centro histórico, as praças não foram construídas para ressaltar fachadas imponentes. Mas a falta de espaço nas ruas é compensada pelos pátios, que enriquecem de luz o interior das construções. A iluminação natural e a noturna, junto com as cores terrosas dos edifícios, em tons de amarelo-ocre, laranja e vermelho, parecem fazer parte do imenso cenário de um filme real.
O apelido la rossa (a vermelha), relacionado aos tons da paisagem urbana, também tem raízes na politica. Após a Primeira Guerra Mundial, Bolonha foi dominada pelos socialistas, que acabaram derrotados pelo fascismo nos anos 1920. Após os intensos bombardeios da Segunda Guerra, voltou a ser um importante e rico centro industrial e comercial, e por cerca de 50 anos foi governada por partidos de esquerda.
Eventos de música também acontecem na Piazza Maggiore. Foto: Divulgação
Dentre os seus principais cartões-postais está o conjunto de pórticos de estilos e tamanhos diversos, solução encontrada na Idade Média para que o primeiro andar dos edifícios fosse ampliado sobre as “calçadas” sem precisar invadir as ruas. A extensão atual dos pórticos é de quase 40 quilômetros.
Já os muros (le mura), do mesmo período, estiveram presentes por muito tempo, mas desapareceram. Hoje, restam apenas as portas construídas ao longo da extensão que marca os antigos limites da cidade, em torno dos quais largas avenidas (viali) fazem a ligação entre centro e periferia. Além de controlar a entrada e saída de pessoas e mercadorias, as portas serviram como prisões. Ainda é comum ouvir expressões como fuori mura (paredes exteriores) e fuori porta (fora da cidade), o que demonstra a importância dessas construções como referência espacial. Também características da época são as construções religiosas em estilo gótico, como as igrejas de São Francisco e de São Domenico e o interior da Basílica de São Petrônio.
VIDA NA CIDADE
Bolonha está no centro de uma área metropolitana de 50 municípios que, juntos, somam mais de 750 mil habitantes. Durante o dia, esse número pode chegar a 1 milhão, já que muitos moram fora da região metropolitana e vão e voltam do trabalho de trem: são os pendolari.
Caracteriza a arquitetura do centro histórico a presença de corredores
cobertos (pórticos), por onde se anda protegido das altas variações
climáticas locais. Foto: Divulgação
Os invernos bolonheses são rigorosos, com precipitações de neve até muito abundantes para uma região de planície. Para se proteger, basta procurar abrigo embaixo dos pórticos. Já os verões são quentes e abafados, com temperaturas que beiram os 40°C. Para aguentar o calor, o melhor jeito é se refrescar com um bom gelato. Cada vez mais popular em boutiques gourmet e food trucks no Brasil, o sorvete italiano ainda mantém sua originalidade quando consumido no país que o consagrou mundialmente. Além dos clássicos, cada gelateria produz sabores exclusivos para diferenciar-se e atrair clientes com ingredientes de qualidade, escolhidos a dedo.
Uma boa opção para uma tarde ensolarada é um passeio pelos parques da cidade, que são bem-conservados e oferecem grandes extensões de área verde para o descanso e o lazer. O mais conhecido e frequentado da cidade é o Giardini Margherita, com cerca de 260 mil metros quadrados.
Outro bom percurso ao ar livre é o do Santuario di San Luca. Construído no alto de uma colina, o local atrai centenas de fiéis, peregrinos e turistas e proporciona uma bela vista. Portico di San Luca, que liga o santuário à cidade, é o mais longo do mundo, com 3.796 metros. Para os mais animados, é possível percorrer o caminho até San Luca a pé, a partir do Arco del Meloncello, que marca o início da subida. Quem não se arrisca na caminhada pode ir de carro, ônibus ou num colorido trem turístico que também sobe a colina.
LA GRASSA
No período medieval, Bolonha era dominada por ricas famílias senhoriais, em cujas cortes trabalhavam os cozinheiros mais celebrados. Com tempo e ingredientes de sobra, eles elaboravam deliciosos pratos que ganharam fama e se tornaram receitas típicas. A tradição gastronômica também foi enriquecida e diversificada por causa da Universidade, que reúne desde o século 11 um grande número de estudantes e professores de nacionalidades diversas.
A Basílica de San Petronio encontra-se no coração da cidade. Foto: Anna Bizzoto
A cozinha bolonhesa, assim como a romagnola em geral, é conhecida pela variedade e opulência. Não é à toa que a cidade é conhecida como la grassa (a gorda): as massas tradicionais são à base de ovos, e a carne, em particular a de porco, é bastante utilizada, o que torna os pratos riquíssimos em gordura e calorias. Quem não abre mão de provar essas delícias centenárias pode encontrá-las em restaurantes e trattorias típicas, administradas muitas vezes por gerações de uma mesma família. As tradições se mantêm e convivem com outras trazidas pelos ventos da globalização: fast foods e restaurantes chineses, árabes, indianos…
Em busca de garantir a continuidade e o respeito às tradições gastronômicas bolonhesas, foram depositadas na Câmara de Comércio as receitas oficiais de saborosos pratos como o tagliatelle, o tortellini, a lasanha verde à bolonhesa, a cotoletta à bolonhesa, o certosino (doce típico com amêndoas, pinhões, chocolate amargo, canela e frutas cristalizadas), a spuma di mortadella (patê feito com a famosa mortadela de Bolonha, ricota e creme de leite) e o tão conhecido ragù, chamado no Brasil de molho à bolonhesa.
Para os apreciadores de um buon vino, as opções regionais que se destacam são o Lambrusco e o Sangiovese. Grande parte dos estabelecimentos oferece também o vinho da casa, produzido artesanalmente e mais barato que o engarrafado. Outra iguaria da região são os queijos grana padano e parmigiano reggiano, ambos conhecidos no Brasil como parmesão.
Massas e vinhos regionais são tradicionais na Trattoria. Foto: Ana Bizzoto
O apelido la grassa, atribuído ainda na Idade Média, também costuma ser associado às noções de riqueza cultural e bem-estar. Transferido para o contexto atual, mantém seu caráter positivo: a cidade continua a ser um lugar aberto ao encontro de culturas diversas, o que se reflete tanto na gastronomia quanto na imensa variedade de manifestações e eventos ligados à música, dança, artes visuais, teatro e cinema.
CIDADE CRIATIVA
Em 2006, Bologna foi eleita pela Unesco como Cidade Criativa da Música. O projeto elege cidades mundialmente criativas nos campos da literatura, cinema, música, desenho, arte popular, design, arte digital e gastronomia. A boa infraestrutura da cidade justifica o título, e o grande número de instituições e associações ligadas à música contribui para que o calendário seja preenchido com eventos, festivais e mostras de diferentes gêneros e ótima qualidade.
O principal e mais importante palco é o do Teatro Comunale, que já recebeu óperas dos italianos Rossini, Bellini e Verdi, e do consagrado compositor alemão Richard Wagner. As temporadas são realizadas anualmente de outubro a junho, com apresentações de orquestras sinfônicas e óperas italianas e estrangeiras.
Sala Borsa é um das várias bibliotecas bolonhenses. Foto: Ana Bizzoto
Outra opção para ouvir boa música é o Salotto Del Jazz, festival a céu aberto promovido entre julho e agosto por bares e restaurantes da via Mascarella, como o Bravo Caffè, referência de música ao vivo de qualidade o ano todo. Nas noites do evento, a rua é tomada pelas mesas em que o público pode comer, beber e apreciar os shows de jazz de artistas nacionais e internacionais em um ambiente charmoso e aconchegante.
A sétima arte também tem espaço garantido. Além de salas do circuito comercial, a cidade conta com espaços alternativos de exibição e uma cinemateca de prestígio internacional. Criada nos anos 1960, a Cineteca di Bolonha se tornou um centro de conservação e restauro reconhecido internacionalmente, com um acervo de mais de 18 mil películas de 35 mm e 16 mm. A cinemateca também organiza diversos festivais que oferecem ao público a oportunidade de rever obras clássicas e conhecer trabalhos inéditos. Grande parte deles ocorre no verão, quando é instalado na Piazza Maggiore um enorme telão para que parte da programação seja exibida à noite, ao ar livre e de graça.
LA DOTTA
O cotidiano da cidade está intrinsecamente ligado à Università di Bologna, uma de suas principais referências. Fundada em 1088, é considerada a mais antiga da Europa – alguns arriscam dizer que é a mais antiga do mundo, o que motiva controvérsias. Devido à sua tradição e qualidade, que lhe renderam o apelido de la dotta (a douta, a erudita), a Unibo atrai estudantes italianos de todas as regiões do país e também centenas de estrangeiros. Ao todo, são cerca de 84 mil matriculados. A presença significativa desses jovens, que correspondem a quase 25% do total de habitantes, é uma característica marcante.
O fluxo de pessoas pode chegar, diariamente, a 1 milhão em Bolonha. Foto: Ana Bizzoto
A intensa relação da universidade com a cidade se reflete também na ocupação do centro histórico, onde os palácios conservados pelos trabalhos de restauro são hoje utilizados para sediar bibliotecas, museus, departamentos, faculdades e seções administrativas. Centenas de apartamentos também são alugados aos estudantes por famílias que preferem se mudar para bairros mais afastados da agitação universitária e turística.
O apelido la dotta pode ser associado também à grande quantidade e diversidade de bibliotecas: são mais de 120, em uma cidade de aproximadamente 386 mil habitantes. Dentre aquelas acessíveis aos turistas, a Sala Borsa merece uma visita. Localizada no conjunto da Piazza Maggiore, em frente à estátua do Netuno, se tornou ponto de encontro principalmente para jovens, que utilizam sua escadaria para descansar, bater papo e contemplar a beleza do entorno. Apesar de ter entrada própria, a biblioteca faz parte do Palazzo Comunale, sede do Comune (Prefeitura). A última restauração do edifício respeitou a estrutura arquitetônica formada em sete séculos de história, e ao mesmo tempo criou um ambiente moderno, com visitação a antigas escavações no subsolo, espaços com iluminação natural, hemeroteca e ainda um acervo para crianças e jovens.
Com tantas atrações para todas as idades ao longo do ano, Bolonha também dedica uma extensa programação paralela à Feira do Livro Infantil que promove anualmente. Mostras de filmes de animação, exposições, teatro e atividades em bibliotecas contribuem para enriquecer a já repleta e movimentada feira. Não é à toa que a capital mundial do livro infantil deve permanecer com o título por anos e anos, aliando tradição e modernidade.
ANA BIZZOTTO MELO, jornalista mineira, radicada em São Paulo.