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Aramis Trindade: Como um caxeiro-viajante

Em circuito alternativo, ator leva às escolas a peça 'Romeu e Julieta – Cordel de Ariano Suassuna', adaptação que escreveu para o texto do paraibano

TEXTO Luciana Veras

01 de Julho de 2015

Aramis Trindade

Aramis Trindade

Foto Daniela Nader

"Amor, vê a blusa e a vitamina C pra gente começar, senão os meninos vão morrer de calor”, dizia o ator pernambucano Aramis Trindade à sua produtora e esposa Alessandra Alves, numa recente e ensolarada manhã em Casa Forte. Prestes a entrar em cena, demonstrava preocupação com o conforto da plateia – cerca de 50 adolescentes e uma dezena de adultos, alunos e professores de uma escola particular recifense. Nos 40 minutos seguintes, o intérprete – cinco décadas de idade, 37 anos de carreira, 48 filmes, 25 peças, 27 programas televisivos e sete novelas no currículo – voltaria aos elementares princípios do teatro: ele, um terno de algodão, um tecido circular com um coração adornado por símbolos medievais e armoriais no chão e um texto a ser defendido.

Neste caso, trata-se de Romeu e Julieta – cordel de Ariano Suassuna, uma adaptação que ele mesmo escreveu e vem dirigindo, desde 2012, no que chama de “circuito escolar e alternativo”. “Em 1997, participei de uma montagem desse texto com um grupo de teatro amador e, desde então, decidi que um dia montaria a peça. Em 2011, mostrei a Ariano o que eu estava pensando em fazer com A história do amor de Romeu e Julieta, e ele me liberou o texto para a adaptação”, conta Aramis, imitando, com um sorriso no rosto, o característico jeito de falar do escritor falecido em 2014.

Em forma de cordel, a peça foi escrita por Ariano a partir do folheto O romance de Romeu e Julieta, que circulava nas feiras sem indicação de autoria. Interessou ao dramaturgo o fato de essa versão sertaneja ser diferente daquela do italiano Matteo Bandello, que inspirou Shakespeare, tendo como protagonista um Romeu de caráter diferente da versão do dramaturgo inglês e um cenário também transmigrado para o nordeste brasileiro. Enfim, uma história típica da tradição da oralidade popular, em que cada autor que “conta o conto aumenta um ponto”.

Assim sendo, a versão que Aramis tem apresentado no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em Pernambuco – em colégios, universidades, hospitais e até em um festival voltado a celebrar o teatro shakespeariano – traz as contribuições de Dantas Suassuna (cenário) e Luciana Braga (figurino), e a participação de músicos que o acompanham em cena. No primeiro ato do espetáculo, quem fala ao público é Quaderna, personagem do Romance d’A Pedra do Reino, que introduz a história dos amantes Romeu e Julieta. No segundo ato, Aramis encarna o próprio Ariano e discorre sobre a literatura de cordel e a importância dos textos populares para o folclore brasileiro.

“Eu sinto uma enorme carência das pessoas em entender as diferenças entre as obras. Aproveito para falar do cruzamento de linguagens, dessa Inglaterra que vem com a obra de Shakespeare e do Sertão que Ariano insere. Às vezes, encontro estudantes que não conhecem a tragédia de Romeu e Julieta, que é talvez a história mais importante do Ocidente, e nem sabem que essa história influenciou muita coisa por aqui também”, comenta o ator.

PERSONAGENS
Depois de declamar a saga dos Montecchios e Capuletos, Romeu e Julieta – Cordel de Ariano Suassuna se encerrou e Aramis Trindade foi tratado como celebridade. Tirou fotos com os alunos, com as diretoras e com os funcionários. É impossível, ao sair na rua, que ele não seja reconhecido por algum dos personagens que viveu, em especial aqueles que adentraram o imaginário brasileiro a partir de 2001, quando se fixou no Rio de Janeiro, após o êxito da microssérie e do filme O auto da Compadecida, e para fazer a peça Lisbela e o prisioneiro, ambos com direção de Guel Arraes.

Cabo Setenta e Visconde de Sabugosa, de O auto da Compadecida e do Sítio do Picapau Amarelo, respectivamente, são os campeões nas lembranças coletivas. “Nas ruas, as pessoas vêm falar comigo: ‘E aê, Setenta?’. Engraçado é que o Setenta não é um personagem original do Auto, e, sim, de outra peça de Ariano, Torturas de um coração. Pelo Visconde, tenho um afeto grande, porque ele é um importante personagem da literatura brasileira”, diz. A televisão traz um reconhecimento instantâneo – em maio e junho, Aramis esteve no elenco do seriado Amorteamo, dirigido pela conterrânea Flávia Lacerda, e comprovou: “É uma visibilidade marcante”.

Mesmo assim, ele não faz distinção entre as frentes de atuação. “Amo trabalhar nos três veículos – cinema, teatro e televisão. O teatro talvez exija uma carga dramática maior, mas eu me preparo com o mesmo afinco. O ator é um radar, alguém que sempre observa o comportamento humano. O método Stanislavski leva a gente a trabalhar com a memória emotiva, com o que temos no nosso cérebro. Esse é um gatilho que todo ator tem”, detalha.

Este 2015, porém, tem sido mesmo cinematográfico para o ator. Até aqui, “Mima”, como ele é apelidado, participou de quatro filmes. Meus dois amores, de Luis Henrique Rios, e Sorria, você está sendo filmado, de Daniel Filho, já estrearam no Sudeste, enquanto Entrando numa roubada, de André Moraes, e Um homem só, de Cláudia Jouvin, entrarão em cartaz neste segundo semestre. E foi com um longa-metragem – Baile perfumado, dos pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo Caldas – que a versatilidade de Aramis foi premiada: o tenente Lindalvo lhe rendeu o troféu de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília, em 1996.

Lindalvo era astuto e vingativo, cria de um Aramis cerebral, sem sorriso. É inegável, contudo, a força da veia cômica desse que é o terceiro dos sete filhos do advogado Bóris Trindade e de dona Regina (seu pai ainda teria e/ou adotaria outros oito herdeiros) – ele mesmo pai de quatro filhos, “nenhum deles, até agora, nem aí para a carreira artística”. Mesmo na tragédia amorosa de Romeu e Julieta – Cordel de Ariano Suassuna, ele arrancou gargalhadas dos jovens com seu gestual e com as expressões típicas do vocabulário nordestino. “A comédia é forte mesmo, não posso negar. Mas não me sinto preso a ela. Há pouco tempo, recebi o convite para interpretar Dias Gomes em uma minissérie sobre Janete Clair, que a Conspiração Filme vai fazer. Estou superempolgado”, confessa.

Aramis Trindade se levantou da mesa da biblioteca da escola, atendeu a mais um pedido de selfie, despediu-se e saiu carregando a mala com o terno de algodão e o tecido que serve de cenário, tal qual um caixeiro-viajante a distribuir sua arte em qualquer lugar. “Meu objetivo com esse circuito escolar e alternativo é levar o teatro a quem não tem o costume nem os meios de vê-lo”, afirmou, saindo, apenas por hora, de cena. 

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.

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