Presente na vida do homem desde o período paleolítico, quando começou a ser explorada através dos batuques feitos a partir de bastões de madeira e pedra, a percussão só veio ganhar espaço dentro da música erudita em meados do século 17. A princípio, foram instrumentos de marcação rítmica, como os tímpanos, os primeiros elementos percussivos incorporados ao universo sinfônico. Gradualmente, porém, o desenvolvimento da experimentação sonora e a busca natural por novos timbres e sons levaram outros instrumentos a dar vida às composições eruditas, como a caixa clara e os pratos. Enfim, na década de 1940, a percussão passou a atuar como solista, servindo de base para um complexo estudo acerca das propriedades rítmicas do som.
Na música popular, o ritmo é associado quase sempre aos compassos quaternários, em que o andamento de uma música é contado de quatro em quatro tempos. Na música erudita, porém, esse padrão rítmico é apenas um dentre tantos outros recorrentes. No trabalho do Grupo de Percussão do Nordeste, a marcação do andamento dos temas musicais leva a possibilidade ao limite e aparece configurada nas mais diversas formas.
Um aspecto digno de atenção dessa característica reside no fato de que, quando um instrumento de percussão aparece isolado no disco, possui uma função ao mesmo tempo rítmica e melódica, afinal, ele é o acompanhamento de si mesmo. É algo tão complexo, que acaba soando apenas como um conjunto de frequências sem nenhuma conotação musical aparente. Graças a isso, algumas das composições de Território XXI – como é o caso de Sorriso bonito, terceira faixa do álbum, da autoria de Tiago Lima e composta para quinteto de percussão – podem soar estranhas ao grande público, habituado a ouvir apenas os moldes rítmicos mais difundidos na música popular.
John Cage, compositor norte-americano pioneiro do gênero da música aleatória e estudioso da música erudita do século 20, afirmou que “a maioria das pessoas escuta o som esperando escutar mais que o próprio som. Elas esperam ouvir o significado contido nele”. Tal análise traduz em poucas palavras os porquês que envolvem essa possível dificuldade de assimilação das peças solo para percussão erudita hoje. E, mesmo sendo incorreto afirmar que a música apresentada em Território XXI habita o mesmo campo conceitual que a obra de Cage, o raciocínio dele pode ser aplicado a essas circunstâncias facilmente.
Assim, é fundamental notar que grande parte das pessoas, ao ouvir uma música, espera encontrar uma interação entre os arranjos dela, como se a composição fosse obrigatoriamente formada pelo agrupamento coeso de mais de um som. Na prática, esse pensamento é uma herança da música popular, algo distante de um trabalho como o realizado pelo Grupo de Percussão do Nordeste, em que o foco é o estudo aprofundado sobre como os elementos percussivos podem integrar o ato de compor. Sejam eles parte de algo maior, ou o próprio núcleo da composição.
FERNANDO ATHAYDE, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.