PRIMEIRO AMOR
Não há, em Boa sorte, o clima soturno ou mesmo melodramático que poderia ser associado a um conto de primeiro amor que, de antemão, não prenuncia um final feliz. “A preocupação da Deborah e do João em não reduzir a complexidade dos personagens à tristeza era um pouco a minha também. Queria que o filme não tivesse a pulsão da morte, mas a pulsão de vida que um amor traz”, expõe Carolina Jabor. Boa sorte evita lições de moral ou apologias de qualquer ordem, investindo nos laços afetivos estabelecidos entre seus protagonistas.
“Estar junto e amar alguém portador do HIV não é o problema. Até porque o amor não tem hora nem lugar para acontecer. O risco é que tem gente que ainda não sabe como pode ser contaminado. No Brasil, é muito alta a taxa de contaminação de jovens entre 15 e 25 anos, por exemplo. Acho que o filme pode levar o público a refletir sobre como aproveitar a vida com integridade e responsabilidade”, comenta Deborah Secco.
A atriz nem tentava camuflar sua empolgação. Judite, por tudo que ela revelou à imprensa durante o festival em Paulínia, é o novo “divisor de águas” de sua carreira. “Quero ser desafiada como atriz. Não me lembro da minha vida sem atuar. Atuo profissionalmente desde os oito anos de idade e consegui conduzir minha carreira de forma autoral. Tenho sorte de ser bem-sucedida e poder garantir o futuro da minha família, mas cheguei num momento em que preciso de desafios, preciso ousar. Para mergulhar em personagens densos como a Judite, se tiver que ir atrás de diretores, como fui atrás da Carol, eu vou. Já posso me dar o luxo de tomar decisões mais arriscadas”, situa a atriz, que aparece nos créditos como coprodutora. É bom ressaltar que sua bagagem no cinema conta com o sucesso de Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini, uma das 20 maiores bilheterias no Brasil em 2011, com cerca de 2,1 milhões de espectadores.
Sua experiência nesse filme, aliás, foi aproveitada no set de Boa sorte. Conta Carolina Jabor que, na hora de rodar as cenas de sexo entre João e Judite, prevaleceu a expertise da atriz. “O filme traz a educação sentimental de um garoto que tem a primeira noite de sexo numa lavanderia, ou seja, nada de glamour. Deborah tinha vindo de Bruna Surfistinha e fomos todos seguindo as orientações dela. É tudo uma questão de técnica mesmo. A experiência dela foi valiosa”, comenta a cineasta. Outro intercâmbio saudado por ela como essencial para o que se vê na tela se deu com a presença da fotógrafa uruguaia Barbara Alvarez, que já havia rodado, no Brasil, O gorila, de José Eduardo Belmonte, e Que horas ela volta?, de Anna Muylaert. “Seria outro filme sem ela”, diz Jabor.
Boa sorte pode ser encarado, também, como um ritual de transposição de uma matriz literária para o cinema. Há diferenças entre ele e Frontal com Fanta, mas nada que anule o ponto de partida do conto de Jorge Furtado ou que diminua o filme alinhavado por Carolina Jabor. “Até porque o filme não é apenas o roteiro. É o tom do elenco, da luz, a movimentação da câmera, a ambientação… É uma construção que passa por várias camadas estéticas”, destaca a diretora. Ao se concretizar o desejo dela e da equipe, o de atrair às salas de exibição a juventude do país, quem sabe surjam na plateia não apenas novos espectadores, mas também leitores.
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