Em Sangue azul, como nos filmes anteriores de Lírio, os personagens tendem a obedecer a uma lógica determinista: estão prisioneiros dos impulsos, são reféns do ambiente que os cerca e vagam “à margem de tudo”, nas palavras de Caroline Abras. Porém, diante “daquela paisagem vulcânica e insular”, como adiciona Daniel de Oliveira, vão se metamorfoseando aos poucos; logo, assumem as rédeas de si.
“O interessante de Zolah é que ele é um pop star, o cara que chega com o circo, que quer pegar todas as mulheres. As pessoas na ilha vão se fascinando por ele, mas ele é que está ali se redescobrindo, naquele lugar mágico”, filosofa o ator de notória versatilidade – foi Cazuza na cinebiografia de Sandra Werneck e Walter Carvalho (2004), foi Stuart em Zuzu Angel, de Sérgio Resende (2005) e foi Santinho em A festa da menina morta, dirigido em 2008 pelo seu companheiro de elenco Matheus Nachtergaele.
Aliás, essa obra em particular, que versa sobre os poderes espirituais de um jovem em uma longínqua comunidade ribeirinha do Amazonas, é tomada como parâmetro pelo intérprete. “Os dois filmes têm um tema pesado, que é o incesto, e trabalham o sexo de maneira natural, como tem que ser. Para o ator, isso é fundamental”, argumenta Daniel de Oliveira, que chegou a considerar a possibilidade de ir do Recife até Fernando de Noronha de barco – “seria incrível chegar lá da mesma maneira que o Zolah”, vislumbra.
Ele e Caroline Abras intensificaram a cumplicidade com cursos de mergulho e tardes contemplativas. “A gente conversou muito sobre essa coisa do incesto, sobre como passar isso sem distanciar os personagens do público e sem cair naquele tabu, naquele peso todo. Foi o tempo de ir maturando a relação entre os irmãos e entre nós mesmos”, reforça Caroline Abras.
Distanciamento, de fato, não é a proposta de Lírio Ferreira. Do momento em que o enjôo de Zolah é enquadrado, ainda em preto e branco, à sequência em que o cântico a Iemanjá é retratado com o fervor da fé e a força das ondas, o filme convida o espectador a se permitir o embarque numa jornada de mitologia própria: circo, oceano, irmãos, amor, ilusão, vida, morte.
A estreia comercial de Sangue azul está prevista apenas para fevereiro de 2015. Até lá, os festivais funcionam como a janela para investigar os mistérios do filme. “Sem pressa, porque, para mim, cinema, se for como um road movie, não é simplesmente pegar a BR e ir direto: é ir parando nos caminhozinhos de barro, em cada estrada pequena, para curtir”, arremata Lírio Ferreira.
LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.