Em março de 1954, um navio de pescadores japoneses que circulava pelo Atol de Bikini, o Daigo Fukuryu Maru, foi imerso em cinzas radioativas oriundas de um teste nuclear realizado por cientistas americanos. Marcados por queimaduras, náusea e queda de cabelos, todos os tripulantes sobreviveram, com exceção de Aikichi Kuboyama, operador de rádio da embarcação. Reza a lenda que ele, poucos instantes antes de morrer, implorou para ser a última vítima de uma explosão nuclear. Esse incidente foi referenciado na primeira cena de Gojira, o principal trabalho da carreira de Tsuburaya. Nesse ponto da história, o Japão vivia um momento delicado. A destruição de Hiroshima e Nagasaki havia acontecido há menos de uma década e o horror ainda estava presente entre os japoneses. Quando a notícia do acontecido ao Daigo Fukuryu Maru veio a público, o produtor da Toho Tomoyuki Tanaka enxergou uma possibilidade de verter sofrimento em arte: o monstro Gojira, colosso adormecido nas profundezas abissais do oceano, seria acordado por testes nucleares realizados por humanos e viria à superfície arrasar a vida e os continentes.
Para a direção e roteirização do longa, foram escalados Ishiro Honda e Shigeru Kayama e, para a concepção visual da criatura e dos efeitos especiais, Eiji Tsuburaya. Da ideia original até a finalização do monstro, que viria a integrar o imaginário popular de todo o mundo, foi um curto espaço de tempo. Gojira estreou no Japão em novembro de 1954, cerca de nove meses após o desastre com a embarcação pesqueira que o inspirou. Foi o suficiente para que o Pai do Tokusatsu solidificasse as bases estéticas da ficção científica nipônica.
No Ocidente, o filme Godzilla foi adaptado para o modelo de cinema norte-americano.
Foto: Reprodução
Em Gojira, Eiji introduziu o suitmation. Inicialmente desenvolvida para suprir a escassez de recursos necessários ao stopmotion, tradicional nas produções americanas da época, a nova técnica consistia em vestir um dublê de monstro e fazê-lo atuar sobre um cenário montado em escala reduzida. Além disso, Eiji também explorou com genialidade a utilização de maquetes e miniaturas. A cena em que o monstro Gojira se depara com a rede elétrica de Tóquio é uma síntese do que representa o filme para o cinema.
A parceria entre Tsuburaya e Honda, sob o olhar do Estúdio Toho, teve em Gojira apenas o início de uma era. No estúdio, os dois produziram um número exorbitante de filmes de ficção científica voltados para a temática do monstro gigante borrachudo destruindo um continente de papelão. Em 1956, saiu Rodan, o monstro do espaço e, mais tarde, o clássico Mothra, a deusa selvagem (1961). Além desses, vale lembrar Gorath, de 1962, cujo mote era a iminente colisão da Terra com o planeta Gorath, ideia que também reverbera até o presente.
TSUBURAYA PRO.
Em 1963, Tsuburaya enxergou na recém-chegada televisão ao Japão uma possibilidade de expandir seus horizontes. Dessa forma, ele fundou a Tsuburaya Productions, estúdio voltado à produção televisiva, com foco na ficção científica.
Depois de três anos trabalhando como prestadora de serviços para produções estrangeiras, a produtora de Eiji emplaca, em 1966, sua primeira série, chamada Ultra Q. Baseada nos moldes do seriado norte-americano Além da imaginação, a fórmula era simples: episódios semanais com elenco rotativo e um monstro diferente a cada capítulo. Obteve um sucesso moderado, mas suficiente para que o estúdio desse vazão aos próximos planos.
No mesmo ano, chegou à televisão japonesa a série Ultraman, que fundamentou as bases da cultura pop japonesa. Voltado para o público infantil, o seriado contava as aventuras de um alienígena que acaba por cair na Terra, dividindo o corpo com o oficial Shin Hayata, membro do grupo de defensores da humanidade Patrulha Científica. A série foi um sucesso imediato. As poses, o rosto e a figura do extraterrestre Ultraman se tornaram símbolos quase onipresentes na mente dos jovens japoneses até hoje.
Em 1967, veio a público Ultraseven, maior produção da Tsuburaya Pro., voltada para um público mais velho. Realizada com largo orçamento e repleta de cenas icônicas, a série foi a última produzida com seu criador vivo. Um momento marcante é a crucificação do personagem-título – uma metáfora da dor de um cristão crescido em meio ao budismo e ao preconceito.
Artista genial, Eiji Tsuburaya morreu em 25 de janeiro de 1970, vítima de um ataque cardíaco. Uma das mentes mais originais do cinema japonês se foi, deixando um legado que transcende o próprio Japão, marcando a vida de gerações de forma singela e emocionante.
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