Concebido sob um modesto orçamento e prazos apertados, Ultraman estreou em 17 de julho de 1966, sendo a segunda série da televisão japonesa transmitida a cores. A premissa básica do seriado, de um alienígena superpoderoso que vem à Terra, disfarça-se de humano e protege o planeta de quaisquer ameaças, não é nada original. Dezoito anos antes, em solo americano, ele já havia surgido pelas mãos de Jerry Siegel e Joe Shuster, com o Superman. Ainda assim, a semelhança entre as obras termina aí. Ultraman teve 39 capítulos e uma das maiores audiências da história do Japão. Originalmente transmitida às 19h, horário ideal para o público infantojuvenil, a série se tornou um marco na rede televisiva Tokyo Broadcast System (TBS).
Em 1967, consolidada pelo sucesso da primeira série, a produtora dispôs de tempo e de um bom orçamento para produzir sua nova empreitada, o seriado Ultraseven. Voltado para o público adulto e aberto a experimentações técnicas, ele tinha trama e visual muito parecidos com seu predecessor, ainda que fosse totalmente independente dele. Na verdade, o grande trunfo de Ultraseven foi a proeza de superar Ultraman, tanto em popularidade quanto em qualidade. Tornou-se um clássico absoluto, aliando roteiros memoráveis à tradicional experimentação visual presente na carreira de seu criador, Eiji Tsuburaya. Mantendo o foco em contar boas histórias, Ultraseven resistiu à passagem dos anos.
Com a morte de Tsuburaya em 1970 e a presidência da Tsuburaya Productions passada para seu filho, Hajime, a franquia Ultra sofreu uma incisão. Em 1971, foi veiculado O regresso de Ultraman, que fundamentou uma relação direta com os seriados anteriores. Através de um retcon, ou seja, de um fato cronológico inserido após o término das séries passadas, todos os seriados Ultra passaram a acontecer dentro de um mesmo universo. Assim, Ultraseven se tornou a continuação direta de Ultraman e O regresso de Ultraman, a continuação direta de Ultraseven. Além disso, os personagens-título eram agora oriundos de uma mesma raça de extraterrestres, advinda da Nebulosa M78.
A partir de então, com uma marca criada, a Tsuburaya Productions investiu pesado na criação de novas séries, apostando em aparições de antigos protagonistas e em especiais para o cinema. Entre bons e maus momentos, já foram produzidos mais de 30 seriados sob a patente Ultra, convergindo na criação de uma complexa mitologia. E, embora Ultraman e Ultraseven sejam os mais icônicos, até hoje a franquia Ultra cresce. A mais recente empreitada foi o Ultraman Ginga, de 2013.
SUPER-HERÓI?
Quando a revista Action Comics nº 1 foi publicada em junho de 1938, trazendo o Superman na capa, o conceito de “super-herói” nasceu. Na prática, foi a legitimação de um termo que há décadas vinha sendo gestado, desde a popularização de personagens pulp como Buck Rogers, Flash Gordon e, posteriormente, o Fantasma, Mandrake, o Sombra e tantos outros. Por convicção, um super-herói é alguém capaz de realizar proezas inimagináveis para a maioria dos humanos e usa suas habilidades para combater o mal.
O "superman japonês" usava uniforme com as cores da bandeira do país. Foto: Reprodução
O Ultraman da série original, cujo visual e poderes nortearam a criação de todos os outros, é um alienígena gigante, de pele vermelha e branca, que se alimenta de luz e tem a missão de manter o equilíbrio e a paz no universo. Mais que um super-herói, a criação de Eiji Tsuburaya se tornou um símbolo de vários aspectos da cultura japonesa. É interessante perceber que esse fato possui uma ligação direta com o momento histórico que vivia o Japão na época das primeiras séries da franquia Ultra. Em 1954, quando Gojira metaforizou a mutilação sofrida pela sociedade japonesa durante a Segunda Guerra, os monstros gigantes surgiram como uma forma de representar a ameaça nuclear iminente – a personificação da catástrofe antinatural.
Já em 1966, o que aconteceu não foi exatamente a criação de um Superman japonês, mas a reação aos anos de sofrimento intenso e desonra que havia vivido o povo nipônico nas décadas passadas. Ultraman é a figura do próprio Japão se reerguendo da destruição nuclear. O vermelho e o branco da bandeira nipônica são também a pele do alienígena. O sol nascente, a fonte de seus poderes, e a busca pelo equilíbrio e pela harmonia, sua missão. Quando, no primeiro capítulo da série, Ultraman derrota o monstro gigante Bemlar, ele não está simplesmente salvando a Terra, ele está estabelecendo que a nação japonesa está curada do mal que lhe foi causado.
NO OCIDENTE
Apesar do sucesso consquistado no Japão e em outros países da Ásia, a franquia Ultra não foi tão difundida no Ocidente. Sem grande sucesso nos EUA, onde teve até uma série filmada com elenco ianque, a Ultraman Powered, de 1991.
As criações de Eiji Tsuburaya encontraram no Brasil uma exceção à regra. Por estas bandas, Ultraman (1966), Ultraseven (1967) e O regresso de Ultraman (1971) foram exibidas e reprisadas algumas vezes ao longo das décadas de 1960, 70 e 80, mantendo o legado dos Tsuburaya vivo na mente do povo brasileiro. Durante os anos 1990, chegou às bancas de todo o país a revista Herói, primeira de uma avalanche de publicações responsáveis por tratar do tema. Além disso, esse período também ficou marcado com a retransmissão da série original pela TV Manchete e com o lançamento dela em VHS. Mais tarde, no ano 2000, Ultraman Tiga (1996) estreou na Rede Record e, pouco tempo depois, a popularização dos softwares de compartilhamento de arquivos foi responsável por trazer ao Brasil as séries inéditas por aqui.
Nos últimos anos, entre vários boatos sobre o lançamento dos seriados originais por distribuidoras independentes, acabou chegando ao mercado, através da Focus Filme do Brasil, uma série de especiais cinematográficos dos Ultraman produzidos na última década. Além disso, o Netflix nacional também inseriu no seu catálogo o longa Ultraman – The Next, de 2004, cuja trama, assim como as de boa parte do material que saiu pela Focus, acontece em paralelo à gigantesca e complexa mitologia da franquia. Aparentemente, uma tentativa de trazer a marca de volta.
Alexandre Nagado, colaborador da icônica revista Herói e peça fundamental para a difusão e estudo da cultura pop japonesa no país, explica que “existe um público específico para Ultras no Brasil, mas são pessoas mais velhas, um nicho mais restrito. As novas gerações estão descobrindo aos poucos, em parte graças à internet, em parte por conta dos lançamentos da Focus e exibições de longas modernos na HBO”.
Esse público mais antigo a que ele se refere, por ser restrito, acabou se fechando numa comunidade tão impenetrável quanto uma falange. Nagado, que ainda hoje publica em seu blog artigos aprofundados sobre a vida e obra de Tsuburaya e de outras figuras seminais da cultura japonesa, também pontua que Ultraman, mesmo sendo uma franquia direcionada ao público jovem, não tem o mesmo apelo que outras série do gênero. “Quem gosta de Ultraman não necessariamente é fã de qualquer seriado tokusatsu, como Jaspion ou Power Rangers. É algo bem específico, praticamente um nicho.” dentro de um nicho”.
FERNANDO ATHAYDE, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.