A tragédia Medeia, escrita por Sêneca, o Filósofo, baseada na peça homônima de Eurípides, contém a famosa profecia sobre o descobrimento das Américas, nos versos 374 e seguintes: “Daqui a alguns séculos, chegará um momento em que o oceano abrirá as barreiras do mundo: abrir-se-á uma terra imensa, Tétis descobrirá um novo mundo e Tule não será mais o mais longínquo ponto da terra”.
Fora do contexto das escrituras sagradas, o poeta filósofo intui, ilumina-se e faz uso de seus dons premonitórios. Sêneca viveu de 4 a.C. a 65 d.C., seus versos poderiam ter impressionado Cristóvão Colombo, impulsionando-o para as navegações e descobertas. Com certeza, reverberou no cubano Alejo Carpentier, que escreveu A harpa e a sombra, romance sobre o descobridor da América em que se inverte a relação entre arte literária e história. Carpentier abandona a função meramente profética e assume o demiurgo, sua escrita romanesca invade a linguagem documental, contaminando-a. Transforma discurso em romance e a história reescreve a história.
Aos poetas coube ler os sinais dos tempos e anunciar o futuro, mesmo que esse futuro se revelasse um equívoco ou catástrofe. O filósofo e poeta Waldo Emerson, com sua Teoria do destino manifesto, planta a semente de uma poética norte-americana, que Walt Whitman irá propalar como um profeta visionário, nacionalista e democrata, antevendo a expansão do grande império: os americanos de todas as nações em qualquer era sobre a terra, provavelmente, têm a natureza poética mais completa. Os Estados Unidos são essencialmente o maior de todos os poemas. De agora em diante, na história da terra, os maiores e mais agitados poemas vão parecer domesticados e bem-comportados diante da sua grandeza e agitação ainda maiores... Enfim, aqui não só uma nação, mas uma nação proliferativa de nações.
Mesmo que se recuse um sentido profético à obra de Franz Kafka, a incomunicabilidade e o absurdo burocrático parecem o palpite de tempos futuros ruins, que se prolongarão eternamente, pairando sobre sociedades que aboliram o sagrado, nas quais o homem se encontra sozinho: “Era tarde da noite quando K chegou. A aldeia jazia na neve profunda. Da encosta não se via nada, névoa e escuridão a cercavam, nem mesmo o clarão mais fraco indicava o grande castelo. K permaneceu longo tempo sobre a ponte de madeira que levava da estrada à aldeia e ergueu o olhar para o aparente vazio”.
A mensagem não terá de ser necessariamente hermética. Pode adquirir o tom de ficção científica como Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, ou 1984, de George Orwell, ou Crônicas marcianas, de Ray Bradbury, ou ainda a estranhíssima antevisão do Armageddon, relatada no romance Um cântico para Leibowitz, por Walter M. Miller. Existiram profetas maiores e menores, segundo a tradição hebraica. Ainda proliferam bons e maus profetas nos tempos de hoje. É preciso estar atento ao que eles falam e escrevem.
RONALDO CORREIA DE BRITO, médico e escritor.