Filho de uma família de classe média, Nóbrega logo mostrou talento para a música, passando a estudar violino na Escola de Belas Artes do Recife, aos 12 anos. O interesse pela música, contudo, não foi suficiente para que rompesse os limites impostos aos diferentes extratos da sociedade pernambucana dos anos 1960. “Quando tinha 18 anos, meu carnaval se resumia a bailes em clubes e ao mela-mela dos desfiles de corso. À noite, tinha os desfiles de caboclinhos e dos maracatus, mas era coisa que eu não frequentava. Naquela época, havia uma barreira econômica e cultural que nos separava da cultura popular”, recorda.
A guinada se deu no fim da década de 1960. Na época, Nóbrega participava da Orquestra de Câmara da Paraíba e da Orquestra Sinfônica do Recife, quando foi convocado pelo escritor Ariano Suassuna para integrar o Quinteto Armorial. “Ariano me revelou um universo que, até então, me era desconhecido. Por trás daquela porta, havia um universo que me acalantou e deu sentido ao meu projeto artístico”, explica.
O uso da burrinha e de outros ícones regionais reforçam a ligação de Nóbrega com a cultura popular nordestina. Foto: Thiago Corrêa
Um cenário que, ao longo dos últimos 40 anos, Nóbrega muito contribuiu para transformar, propondo um diálogo entre os dois universos. Mesmo morando em São Paulo, há três décadas, ele se mantém fiel ao projeto aprendido no Quinteto Armorial e se enche de orgulho ao ver que ajudou de alguma forma no processo de demolir as barreiras que antes segregavam a cultura brasileira. “Hoje, não é só em Pernambuco que tem esse tipo de coisa, na Vila Madalena (bairro paulistano) já se encontra gente batucando alfaia. Movimentos como o Armorial e o Manguebeat ajudaram a mudar isso. Embora existissem neles propostas diferentes na maneira de fazer fusões, ambos tiveram como base os ritmos populares”, observa.
PAINEL JUSTO
Apenas com um texto de apresentação, sem ordem cronológica ou legendas explicativas, os adereços cênicos expostos na Ocupação Antonio Nóbrega funcionam como aperitivos, alimentando a curiosidade dos visitantes sobre o uso dos objetos nos espetáculos. O desejo por mais informações é saciado no fim do corredor, quando o público entra numa espécie de praça circular e é convidado a sentar num dos banquinhos para ver as roupas e os violinos – até então imóveis e silenciosos nas paredes – ganharem movimento com Nóbrega em ação.
Isso se dá, primeiro, com a exibição, em dias alternados, dos DVDs Lunário perpétuo (2002), Nove de frevereiro (2005) e Naturalmente (2009); todos dirigidos pelo fotógrafo e cineasta Walter Carvalho, também responsável pela curadoria da exposição e pela direção do filme Brincante (longa-metragem que será um misto de documentário e ficção baseado na obra de Antonio Nóbrega, com previsão de lançamento para este ano). Depois, com a participação efetiva do próprio Nóbrega, em performances.
O personagem Tonheta marcou a carreira do ator, músico e bailarino.
Foto: Acervo Antonio Nóbrega
“Como o maior veículo da minha arte sou eu mesmo, propus essas intromissões”, explica. Na sua presença, seja nos encontros com o público, às quartas-feiras, nas rodas de dança – às quais os visitantes são convidados para uma ciranda –, ou na apresentação de três espetáculos (que foram ajustados para a exposição), Nóbrega tem oferecido um painel diversificado sobre a amplitude do seu talento. No show Meu cancioneiro, o foco é a música. Na aula-espetáculo Mátria: uma outra linha de tempo cultural, ele compartilha seu lado pesquisador. E, no espetáculo Tonheta e companhia, reunião de esquetes do seu personagem mais famoso, observamos o Nóbrega ator.
Para o encerramento da exposição, ele prepara o terreno para ressaltar mais um dos seus talentos – o de coreógrafo. De 17 a 19 deste mês, ele apresenta o espetáculo Húmus, que marca a estreia da Antonio Nóbrega Companhia de Dança. “A música tem um papel muito grande no meu trabalho, mas sempre abri espaço para a dança nos meus espetáculos. Com o tempo, senti necessidade de expandir minha relação com a dança para um grupo maior”, analisa o artista, que, pela primeira vez em 40 anos de carreira, atuará apenas nos bastidores, deixando o palco do auditório Ibirapuera para os 12 bailarinos que integram a companhia.
Dividido em três partes, o espetáculo aponta que o passado, ali exposto nas paredes do Itaú Cultural, ainda reverbera no presente, dando continuidade ao projeto artístico encampado por Nóbrega desde os anos do Quinteto Armorial. “É um espetáculo conceitual, no qual procuro discutir a importância da incorporação das matrizes da cultura popular. Daí o nome Húmus, esse lodo fértil que transforma lixo em planta, em frutos”, adianta.
THIAGO CORRÊA, jornalista e mestre em Teoria da Literatura.