“O livro é o clássico caruaruense, nordestino, brasileiro. Foi a obra que alçou Condé à galeria dos grandes nomes da moderna literatura nacional e, junto com ele, projetou sua cidade. É emblemático porque está no inconsciente de gerações de caruaruenses, um patrimônio”, enfatiza o editor.
Editado originalmente em 1960, Terra de Caruaru é um trabalho de fôlego. Em primeiro lugar, porque o autor aproveita o livro para fazer uma homenagem a uma Caruaru que ficou no passado. Mas que, ao ser vislumbrada nas páginas do romance, torna-se real, quase palpável. Unindo ficção e realidade, o autor remonta, com seu olhar de adulto, a cidade em que viveu durante a infância. “Como que retirados de sua memória afetiva, os personagens com os quais Condé povoou as páginas do romance são, no dizer do ensaísta Otto Maria Carpeaux, de um passado meio vivido, meio sonhado”, explica Walmiré.
O livro é estruturado em três tempos. No primeiro, são mostrados os primórdios, quando a cidade ainda não existia, e tudo que havia era um rancho para pernoite das boiadas vindas do Sertão. Nessa época, a guerra declarada aos índios cariris provocava intensos combates e ameaçava aos que por ali pousavam. Em 1771, após dizimar os índios, o fazendeiro José Rodrigues de Jesus tomou posse das várzeas, onde hoje se encontra a cidade, mandando construir uma igrejinha sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Num segundo momento, já em 1790, o autor mostra o povoado às voltas com a disputa territorial entre dois coronéis. Uma luta brutal, que tem como marca a violência desmedida, não mais entre os brancos e índios, mas entre colonizadores. O terceiro tempo da narrativa se dá num passado recente, a década de 1920. Época em que o algodão trazia fartura e riqueza à cidade, que já se apresentava como uma das mais desenvolvidas de Pernambuco, comandada por um grupo político que enriquecia e interferia, diretamente, na vida dos cidadãos.
O que é mais agradável nesse livro, assim como em outras obras de Condé, é a conjunção de relato histórico a uma diversidade de personagens e paisagens. No romance, ele não apenas refaz os roteiros, as ruas, os lugarejos – hoje já perdidos – de uma Caruaru centenária, como recria uma galeria de tipos, perfis humanos e sociais presentes na cidade.
Cada um dos personagens representa um segmento importante na configuração dos acontecimentos que sustentam o romance. Chico Lima, o jornalista, sintetiza a imprensa combativa que começa a se firmar e se faz presente contra o poderio político e econômico; Reinaldo, o forasteiro carioca com ideias revolucionárias, o novo que ameaça e fascina o status quo; Taveira, o juiz, o poder judiciário à mercê das decisões políticas, que tem sua carreira ameaçada, toda vez que tenta fazer vigorar a lei. Antônio, o jovem advogado, traz a energia idealista da juventude. Jovina, a mulata, é a mulher do povo, que se identifica com as massas. Os empresários Almeida e Gonzaga são o poder econômico, inicialmente omisso, depois atuante. Os Ribas, pais e filho, expressam o poder político ditatorial, que se mantém à base de influência e violência. Zica Soares, o prefeito, é o “pau-mandado” dos donos do poder. Dondom, a amante do coronel Ribas, o pai, representa o poder pardo e o “falso moralismo” de uma elite que se sustenta nas aparências e nas maledicências contra o próximo.
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INSISTÊNCIA
O universo de Condé, portanto, une o grandiloquente, o “oficial”, às mesquinharias humanas, comuns em toda parte, em especial nas pequenas cidades. Apesar do tom de denúncia social, o narrativa possui humor velado, sensualismo latente, que podem ser vistos em outros livros do autor, a exemplo de Pensão Riso da Noite: rua das mágoas (1966) e Como uma tarde em dezembro (1969).
Alguns críticos, a exemplo de Edson Tavares, afirmam que o livro foi escrito, principalmente, devido à insistência dos amigos. “Conta a lenda que ele teria sido instado a escrevê-lo por Jorge Amado. O próprio Condé afirma, no preâmbulo do livro, que o autor baiano o obrigara a escrever. O fato é que a obra veio a lume e se tornou numa quase unanimidade editorial e literária nacional quando foi lançado”, explica Edson, no posfácio de Terra de Caruaru.
A importância do livro pode ser medida por alguns estudos realizados em torno da sua temática. Na monografia Falas da cidade, apresentada à pós-graduação de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Veridiano dos Santos lembra que não apenas Terra de Caruaru, mas outros livros do autor foram escritos quando ele se encontrava no Rio de Janeiro, onde morava desde a década de 1930.
“Escrever sobre Caruaru, no Rio de Janeiro, parece ter sido a forma que Condé encontrou para lidar com o conflito identitário que viveu a partir dos anos 1930, quando trocou a pacata cidade no interior pernambucano pela vida frenética na capital da República, em processo de modernização. Aliás, foi servindo-se de imagens de Caruaru que o escritor ingressou na imprensa carioca desde muito cedo. No final da década de 1930, ele já publicava em O Cruzeiro o poema Feira de Caruaru, inaugurando uma temática recorrente tanto em sua produção quanto em outros gêneros, que da imagem da feira se utilizariam para caracterizar a cidade”, escreveu Veridiano.
Transferido para o Rio de Janeiro devido à morte do pai, sob os cuidados do irmão Elisio, José Condé formou-se em Direito e, em seguida, trabalhou em diversos jornais, produzindo crônicas e outros textos de caráter literário. Caminhos na sombra, seu primeiro livro, foi publicado em 1945, com o selo da José Olympio Editora. Em 1950, editaria Onda selvagem. Ainda nesse período, trabalharia no Correio da Manhã, com Álvaro Lins, no qual assinaria uma coluna literária. Juntamente com os seus irmãos João e Elísio, fundou, em 1949, o Jornal das Letras. Em 1959, publicaria a novela Um ramo para Luísa. Terra de Caruaruseria editado em Portugal em 1961.
Com a reinauguração da Casa de Cultura José Condé, que foi restaurada e reúne um acervo de objetos pessoais, manuscritos e de edições originais de livros do autor , fica a expectativa de que a sua obra seja novamente divulgada e resgatada. “Esperamos despertar o interesse dos jovens e do mundo acadêmico”, diz Walmiré.
DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.