Divididas entre as cidades de Garanhuns, no Agreste, onde morava o tio Pedro (um dos nove irmãos de sua mãe), e a capital, as férias em Pernambuco são motivo de boas recordações entre os familiares, e foram determinantes para a carreira musical de Edu. O contato com o frevo, o maracatu e a ciranda, os pregões cantados pelos vendedores ambulantes de frutas que passavam na frente da casa dos tios, misturados – tempos depois – às harmonias da bossa nova carioca, inspiraram suas composições.
“Eu chamava a minha música de ‘esquisita’ porque juntava as harmonias aprendidas na bossa nova com as escalas nordestinas, que têm a quinta diminuta, uma influência meio moura de que sou fã de carteirinha desde criança, mas que o pessoal da bossa nova não usava. Essa mistura não foi nada programada. Surgiu espontaneamente por tudo que vivenciei no Rio e no Recife. No início da minha carreira, achava que, se não descobrisse um caminho novo para mim, que fosse diferente dos demais compositores da época, eu ia acabar sendo engolido”, afirma.
Interessada em saber mais sobre as referências do compositor carioca a Pernambuco, a reportagem apresentou a Edu uma lista com 13 composições levantadas em sua discografia que fizessem menção a algum aspecto ligado ao estado, seja em termos de ritmo, letra ou melodia. Com o desenrolar da entrevista, ele acabou ampliando essa listagem, ao identificar em seus discos, pelo menos, 35 composições nas quais se percebem claramente elementos pernambucanos e nordestinos, de um modo geral, nas melodias criadas.
Edu Lobo comemora vitória de Ponteio, no 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Foto: Reprodução
Nessa lista, não faltam sucessos. A começar pela famosa Arrastão, parceria com Vinicius de Moraes que venceu o 1º Festival de Música Popular Brasileira, em 1965, na voz da cantora Elis Regina (1945-1982). A música catapultou nacionalmente a carreira dela e de Edu, ambos iniciantes na época. Em função dessa canção, ele lembra que o lançamento do seu primeiro disco, A música de Edu Lobo por Edu Lobo, chegou a ser adiado pela extinta gravadora Elenco para depois do festival.
Outros exemplos de canções com influência nordestina, apontadas por Edu, são Candeias, Zambi, Casa Forte, Vento bravo, Upa neguinho, Corrida de jangada, Ponteio (outra composição vencedora de festival, em 1967, na voz dele e da cantora Marília Medalha), Viola fora de moda, Veneta e Cambaio, além de Ode aos ratos, Dança do corrupião e Angu de caroço, essas três últimas gravadas no disco mais recente do compositor.
Dos frevos, No cordão da saideira talvez seja o mais conhecido da sua obra. Composto originalmente em dó menor e com uma letra saudosista recheada de negativas (“Hoje não tem dança, não tem menina de trança, nem cheiro de lança no ar/ Hoje não tem frevo, tem gente que passa com medo e na praça ninguém pra cantar”), a música foi feita, segundo lembra, no inverno parisiense de 1966, numa homenagem ao Recife e aos frevos do pernambucano Antônio Maria (1921-1964) que até hoje tocam nos carnavais. “Frevo é um mistério, né? Era um negócio para estar no mundo inteiro e só tem um lugar onde as pessoas sabem tocar realmente, que é Pernambuco. Os baianos acham que fazem frevo, mas não sabem nem tocar nem fazer. Fazem outra coisa, um tipo de marcha que eles chamam de frevo”, considera Edu.
COM VINICIUS
Da safra de canções inéditas, Edu tem o frevo intitulado Pé de vento. Tema instrumental, foi criado recentemente a pedido da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp) e apresentado em público em 2011. “Fiz ele inteirinho no piano, depois passei para o computador. De tanto ficar ouvindo e mexendo na música, cheguei a pensar em não mandar para o Nelsinho (o maestro Nelson Ayres) e jogar fora a música. Mas deixei de ouvi-la por uns 10 dias. Depois, voltei a escutá-la e vi que tinha ficado legal, então decidi mandar para a Osesp. É um frevo barra-pesada, com muita nota e que foi tocado pela orquestra maravilhosamente bem”, diz Edu. Ele pretende incluir a composição num próximo disco.
O compositor possui ainda uma música inédita chamada Silêncio, feita com Vinicius de Moraes e que já vem despertando a atenção das pessoas. A parceria póstuma foi possível graças a uma das filhas do poeta, Luciana de Moraes, que faleceu no ano passado. Antes de morrer, ela entregou a Edu o poema recém-descoberto por um pesquisador. “Fiquei absolutamente emocionado com o presente. O poema é lindo, datado de 1956 ou 1957, no auge do Vinicius como letrista, quando trabalhava com gente como Tom Jobim e Baden Powell. A música ficou pronta. Uma menina já me pediu para gravar, mas estou ‘pão-duro’ com essa canção. Vou ficar com ela para gravar quando fizer meu próximo disco.”
Dentre os seus diversos parceiros, Vinicius teve lugar cativo. A primeira música dos dois, Só me fez bem, foi composta por volta de 1962, numa festa em Petrópolis, na casa de Olívia Hime. “Lembro que voltei de ônibus para o Rio com a letra guardada dentro da meia, com medo de perdê-la, algo que infelizmente aconteceu depois. A partir dessa canção, não só comecei a ser visto no meio musical com outros olhos, como também eu mesmo passei a me ver como compositor, deixando de ser apenas um cara da PUC que estudava Direito e compunha (ele largou o curso no terceiro ano), para ser um dos parceiros do Vinicius. Isso para mim foi melhor que qualquer artigo de jornal ou elogio de festa. Era um cara por quem eu tinha o maior respeito como letrista e poeta. Então, isso é muito significativo para mim”, afirma.
Em agosto de 2004, Edu sofreu um aneurisma cerebral que quase o matou. Felizmente, a cirurgia a que foi submetido não deixou sequelas. A recuperação ocorreu de tal forma, que o permitiu viajar a Pernambuco para receber da Assembleia Legislativa, em novembro do mesmo ano, o título de Cidadão Honorário, e se apresentar no Santa Isabel, mesmo lugar em que agora faz o show. “A doença não mudou a minha música, apenas a forma de encarar a vida. Antes, por exemplo, eu era uma pessoa que não conseguia ficar sozinha. Tenho três filhos e dois netos. Quer dizer, não sou uma pessoa sozinha, evidentemente, mas hoje em dia moro sozinho, numa boa.”
MARCELO ROBALINHO, jornalista e doutorando em Comunicação em Saúde, na Fiocruz.