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O teatro como grupo social

Pesquisa aponta a macroestrutura do setor em quatro capitais europeias, num período de crescimento econômico e urbanístico

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Março de 2012

Viena também se constitui um centro de irradiação cultural, tendo o Burgtheater como referência

Viena também se constitui um centro de irradiação cultural, tendo o Burgtheater como referência

Imagem Reprodução/Auditório do Altes Burgtheater, de Gustav Klimt

Quando observamos a bibliografia sobre teatro, deparamo-nos com o texto, a criação dramatúrgica propriamente; perfis de atores, diretores, grupos; dicionários; ensaios históricos; estudos sobre encenação; crítica; livros técnicos. Podemos dizer que a variedade de interesses e demandas nesse campo é, assim, atendida.

Uma curiosa abordagem do assunto, que considera o teatro numa perspectiva sociológica, está em A gênese da sociedade do espetáculo – teatro em Paris, Berlim, Londres e Viena (Companhia das Letras). Nele, o professor de História Contemporânea Christophe Charle dá continuidade às pesquisas que vem realizando no campo da história social e que já resultaram em estudos sobre professores universitários, jornalistas, intelectuais e funcionários de alto escalão do governo do seu país, a França. O interesse do autor recai nas dinâmicas sociais e econômicas que incidem sobre essas categorias em momentos de evidente transformação.

Por esse motivo, esse ambicioso estudo comparado – que, não satisfeito com a efusão parisiense, reúne dados sobre mais três capitais europeias – detém-se justamente no período entre 1860 e 1914, quando a Europa vivia intenso crescimento, industrialização, complexificação das relações de trabalho, urbanização radical, tudo o que traz benesses e euforia coletiva, mas também tensões econômicas, políticas e culturais. Charle vai encontrar no ambiente teatral o locus onde essas transformações ocorrem de acordo com os procedimentos que lhe são peculiares, considerando a influência que o teatro exercia naquele período. Porque, se hoje temos os meios eletrônicos – o cinema e a televisão, especificamente – como fomentadores e criadores de modos e modas, com seus gênios, mitos e celebridades –, à época, cabia ao teatro o papel central de catalisar público, fomentar tendências, provocar debates e transformações na sociedade da qual era partícipe.


A atriz Sarah Bernhardt é o exemplo mais célebre da influência e do status inéditos conquistados pelas atrizes no final do século 19. Foto: Reprodução/Nadar

É justamente aí que encontramos o sentido do título do livro, no original, Théâtres en capitales – naissance de la société du spectacle, Paris, Berlin, Londres, Vienne 1860-1914, lançado na França em 2008. Um estudo comparado que torna palpável – pela apresentação de estatísticas, números, percentuais; e pelo cruzamento desses dados e de suas comparações – a realidade das relações de trabalho dos profissionais do setor naquelas décadas. A pesquisa de Christophe Charle se interessa por aquilo que é mais material, que dá sustentação ao teatro como meio artístico e local de produção. Nesse sentido, ele antagoniza com estudos que destacam certos agentes que se tornaram ícones, referências. Interessa-lhe a regra, não a exceção.

Assim, nesse livro, deparamo-nos com informações geralmente pouco valorizadas em estudos sobre teatro como: Qual era a formação dos diretores teatrais? Quantos deles tinham educação básica ou eram universitários? A que classe social pertenciam? De que regiões eles vinham? As mesmas questões também são postas para atores e atrizes. Para entender as distinções entre casas de espetáculos (comerciais ou alternativas, óperas, operetas, cafés-concertos) e seus públicos (mais ou menos intelectualizados, endinheirados), o autor mapeia os bairros e regiões das cidades estudadas em que elas mais ocorrem, quais as suas capacidades, que investimentos são necessários para erguê-las e – o mais difícil – mantê-las. Desse modo, observamos as cidades e seus habitantes a partir do teatro, uma perspectiva instigante, um olhar de fora para dentro, como se acompanhássemos o autor em voo planador, vendo tudo numa perspectiva ampla, que nos leva ao entendimento estrutural da sociedade do espetáculo.

Junto com Charle, somos levados a desmistificar as figuras de proa – os produtores tiranos, os autores cerebrais, os diretores intocáveis, as atrizes divas, os salamaleques que iludem parte do público – que a história do teatro acaba por enaltecer, porque a elas se refere isoladamente, muitas vezes, sem considerar os contextos em que esses protagonistas estão imersos e dos quais emergem. Nesse estudo, atentamos para o conjunto, a massa de homens e mulheres que escolheram as artes cênicas como profissão e, dentro dela, tiveram que se submeter às suas regras, fossem elas objetivas – e, aqui, os aspectos econômicos são determinantes – ou subjetivas. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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