UMA CERTA TENDÊNCIA
Importante destacar que, mesmo antes de tornar-se um cineasta respeitado, o crítico Truffaut, com apenas 21 anos, chacoalhou a maneira de se perceber um filme com seu primeiro e famigerado artigo, publicado na edição de janeiro de 1954 da Cahiers du Cinéma. O texto Uma certa tendência do cinema francês criticava a chamada “tradição de qualidade” do cinema que se fazia na França até então.
A ideia por ele proposta era redefinir radicalmente os padrões e a maneira de filmar, fosse pela fotografia, enquadramentos, montagem ou interpretação, quebrando as tradições sedimentadas no período do cinema clássico – a de um cinema linear, com narrativa contínua e rigor técnico e performático. Três anos depois, Truffaut, junto ao seu mentor Andre Bazin (editor da Cahiers), criaria a Política dos Autores.
Por ela, o conceito por trás de um filme seria de responsabilidade de uma única pessoa, geralmente o diretor, que centralizaria todas as respostas do ponto de vista de criação dessa obra. Assim sendo, um filme deveria ser feito e visto quase como uma assinatura desse autor, e ela deveria ser estudada com igual importância, independentemente do seu valor orçamentário.
As palavras do jovem crítico ecoaram pelo mundo, influenciando realizadores dos mais diversos países, como a Polônia (Roman Polanski), Itália (Bernardo Bertolucci e Pier Paolo Pasollini), Alemanha (Rainer Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders), entre outros.
No Brasil, em particular, essas duas vertentes do legado de Truffaut – uma, como o pensador que buscava a reflexão crítica sobre a autoria e o alcance político de um filme, e a outra, como o cineasta que destrinchou a alma de seus personagens guiados pelo amor – encontrariam dois discípulos bem distintos e celebrados em sua competência: Glauber Rocha e Domingos Oliveira.
Se Glauber soube como ajustar a linha de pensamento da Política dos Autores para criar um cinema inovador em sua perspectiva estética e ainda fazê-lo politicamente corrosivo, como em Deus e diabo na terra do sol (1964), Oliveira, como nenhum outro, soube transcrever com elegância para o universo carioca o interesse e a fascinação masculina de Truffaut sobre as mulheres, como aparece em Todas as mulheres do mundo (1965), ou Edu, coração de ouro (1968).
Pensando além da indústria cinematográfica, Truffaut, falecido em 1984, aos 52 anos, vítima de câncer, dizia que a vida era muito valiosa para desperdiçá-la dentro de uma sala de cinema. Sendo assim, a única maneira que ele encontrava para respeitar seu espectador com seus filmes era oferecendo ao público toda a beleza com a qual a Sétima Arte pudesse traduzir o amor. Dessa forma, mostrava-se fiel ao espectador, mas também ao próprio cinema, sendo este, talvez, o mais rico ensinamento deixado pelo eterno cineasta que amava as mulheres.
LUIZ JOAQUIM, crítico de cinema, mestre em Comunicação Social e curador do Cinema da Fundação.
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