A infância, outro tema caro a Truffaut (O garoto selvagem e sua obra-prima autobiográfica Os incompreendidos), pode ser observada, ainda, nos filmes do cineasta Marcelo Lordello. O longa Eles voltam (2012) conta a história de uma menina de 12 anos que está desaparecida. O espectador acompanha toda a trajetória desse desaparecimento, pela ótica da garota. “Eu gosto dessa ideia de tentar compreender a mente infantil e usá-la como metáfora para o desbravamento. Acho muito interessante como Truffaut faz isso com Antoine Doinel e me fascina poder acompanhar a vida desse personagem ao longo de cinco filmes”, diz Lordello. Eles voltam lembra Nº27 (2009), aclamado curta do pernambucano no qual observamos um dia na vida de um estudante. Por meio do personagem Luís, de quem quase invadimos a mente – assim como ocorre com a menina de Eles voltam –, Lordello aborda os medos adolescentes, tal como Truffaut fez com Doinel.
Medo é também um dos assuntos tratados em Ela morava na frente do cinema (2011), curta mais recente de Leonardo Lacca. O filme fala sobre a mudança das pessoas, da cidade – menos da protagonista, que a teme. Presa ao passado, a um relacionamento que não parece dar certo e a um emprego sem muitas perspectivas, ela vivencia, em uma quase inércia, o passar do tempo. A cena final, em que a protagonista caminha em direção à tela do cinema, poderia ser uma alegoria ao filme dentro do filme, retratada em A noite americana, de Truffaut. Contudo, Lacca ressalta outras afinidades: “A relação forte com o cinema como espaço, a referência à infância e recorrentes personagens femininos filmados com contemplação são elementos convergentes. Além disso, há uma pequena homenagem em um momento do filme: na frente da sala do cinema, aparece o pôster de O homem que amava as mulheres”, revela.
Em O homem que amava as mulheres, o protagonista Bertrand afirma que “com algumas mulheres, você se pergunta se elas se interessam por amor; outras o têm estampado no rosto”. O mesmo ocorre com os cineastas e Truffaut claramente está no grupo que tem o sentimento impresso em cada filme, seja para afiançá-lo, seja para destruí-lo. No curta Noite de sexta, manhã de sábado (2007), Kleber Mendonça Filho faz ambos: insinua o amor só para desmanchá-lo em uma frase e reacendê-lo na seguinte. Não que os personagens não se queiram. Ocorre que eles já não podem se ter, como Bernard e Mathilde em A mulher do lado. “Noite de sexta... é um filme Nouvelle Vague e, provavelmente, é a minha obra que mais tem influência de Truffaut; entretanto, não é a única. Acho que o diretor francês é um dos faróis do cinema. A liberdade que ele tem de falar de amor sem parecer piegas, sua delicadeza e seu senso crítico não vejo ninguém repetir de maneira tão intensa”, conta Kleber. Nada como a dose exata de Chaplin, Welles e geleia.
INGRID MELO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.