O documentário – primeiro produzido no Brasil sobre a obra do multiartista – não é, e nem pretende ser, um documento definitivo sobre sua vida e obra, mas um registro que transgride a íntima e solitária relação com o texto escrito, confrontando-nos, mesmo que através da tela, com os entrevistados. O fracionamento dos discursos em nenhum momento dificulta o nosso entendimento sobre algum tema ou aspecto abordado, ao contrário, referenda e chama a atenção para detalhes sob olhares diferenciados.
Cada pesquisador ou artista se apresenta de forma tranquila, natural, falando, como dizia o próprio Hermilo, “com todos os erres e todos efes”, e todos eles estão ambientados em seus contextos. Não existe a elaboração de um espaço cênico para a captação das imagens. É acolhedor e agradável vê-los entre livros (alguns desordenados), esculturas, refletores, aboletados naturalmente em cadeiras de balanço ou de pé, como quem bate um papo animado. É prazeroso ver e perceber seus gestos corriqueiros captados pela delicada e contundente direção de fotografia de Julio Ribeiro, recheados pelas imagens do passado recifense e de fotos dos espetáculos encenados por Hermilo.
E para quem pensa que o registro irá “chover no molhado”, não trazendo nada de novo sobre o seu trabalho e pensamento, os depoimentos revelam de forma generosa e direta algumas novidades sobre o universo do encenador, dramaturgo, professor, jornalista, escritor de romances, contos e novelas, pesquisador e ativista cultural Hermilo Borba Filho. O DVD lançado, no final de 2011, como homenagem aos 50 anos de criação do Teatro Popular do Nordeste – TPN (1960 – 1975), traz, ainda, como bônus, a entrevista de Hermilo produzida pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT) em 1973, tendo como entrevistadores o ator e diretor teatral Carlos Reis, o jornalista e crítico de cinema Celso Marconi e o ator e diretor teatral Marcus Siqueira. Mesmo sendo a frase aparentemente clichê – como diria Hermilo –, esse registro do SNT (um dos raros dele para o vídeo) é uma pérola da história do teatro brasileiro. A voz do ator e diretor José Pimentel dá vida às palavras de Hermilo no início e no fim do documentário: “Este sou eu, tanto no passado, vida, morte, como no presente que se estende pelos dias e pelas noites sem nada como o futuro inexistente, apenas inventado pela imaginação, e com certeza diferente do que espero. Merda para o futuro!”
WILLIAMS SANT'ANNA, ator, palhaço, produtor cultural, encenador, historiador e arte-educador.