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Documentário: Recriando o universo de Hermilo Borba Filho

O volume três da 'Coleção Teatro', da Massangana Multimídia, aborda os aspectos da produção cultural do dramaturgo e sua reverberação na arte cênica atual

TEXTO Williams Sant'Anna

01 de Fevereiro de 2012

Hermilo Borba Filho

Hermilo Borba Filho

Foto Reprodução

O pernambucano da cidade de Palmares, Hermilo Borba Filho (1917– 1976) está longe de ser uma daquelas figuras que obtiveram notoriedade e importância numa determinada época e caíram paulatinamente no olvido das gerações seguintes. É inevitável, ao se aproximar das ideias e da produção cultural nordestina no século passado, com destaque para as artes cênicas, a literatura e a discussão e reflexão sobre a relação da arte com as manifestações populares e político-sociais, deparar-se com sua obra, seu pensamento e conceitos sobre a relação entre cultura e sociedade. Quaisquer estudantes de teatro que comecem a trilhar o caminho da busca de referenciais sobre a cena pernambucana naturalmente se sentirão atraídos por algumas das personalidades e conjuntos teatrais que povoam e povoarão o inconsciente coletivo de antigos, atuais e futuros teatreiros em nosso estado.

Felizmente, essa curiosidade, esse fascínio, esse interesse tem se transfigurado em buscas mais aprofundadas sobre o fazer teatral de núcleos dramáticos, artistas e pensadores do ofício da representação cênica. Mas os registros feitos ainda não conseguem preencher de forma quantitativa e qualitativa a falta de documentos disponíveis ao grande público.

Recentemente, a Fundação Joaquim Nabuco, através da Massangana Multimídia, acrescentou um importante documento ao acervo da história cultural de Pernambuco – o volume três da Coleção Teatro, dedicado a Hermilo Borba Filho, sob o título Hermilo no grande teatro do mundo. Com direção, roteiro, argumento e pesquisa da jornalista e dramaturga Carla Denise, o documentário de 52 minutos apresenta aspectos da produção cultural de Hermilo, sua contextualização no Brasil entre as décadas de 1940 e 1970, e sua reverberação nos dias de hoje, através de imagens e depoimentos de mais de uma dezena de parceiros, colegas de trabalho e estudiosos de sua obra.

Esse registro oral, ao mesmo tempo em que expõe seus protagonistas a uma expressão imediata de suas memórias, leva-nos a refletir sobre os procedimentos que cada um utilizou para selecionar o que guardou ou descartou da relação, da aprendizagem ou do estudo sobre o trabalho do mestre. Mas não é o registro histórico fonte dessa mesma matriz? Não são os depoimentos sempre simulacros de experiências passadas a partir do nosso olhar interpretativo? Essa é a intenção primordial do trabalho de Carla Denise: recriar o universo de Hermilo por meio da imaginação de cada entrevistado.

DISCURSO FRACIONADO
O documentário – primeiro produzido no Brasil sobre a obra do multiartista – não é, e nem pretende ser, um documento definitivo sobre sua vida e obra, mas um registro que transgride a íntima e solitária relação com o texto escrito, confrontando-nos, mesmo que através da tela, com os entrevistados. O fracionamento dos discursos em nenhum momento dificulta o nosso entendimento sobre algum tema ou aspecto abordado, ao contrário, referenda e chama a atenção para detalhes sob olhares diferenciados.

Cada pesquisador ou artista se apresenta de forma tranquila, natural, falando, como dizia o próprio Hermilo, “com todos os erres e todos efes”, e todos eles estão ambientados em seus contextos. Não existe a elaboração de um espaço cênico para a captação das imagens. É acolhedor e agradável vê-los entre livros (alguns desordenados), esculturas, refletores, aboletados naturalmente em cadeiras de balanço ou de pé, como quem bate um papo animado. É prazeroso ver e perceber seus gestos corriqueiros captados pela delicada e contundente direção de fotografia de Julio Ribeiro, recheados pelas imagens do passado recifense e de fotos dos espetáculos encenados por Hermilo.

E para quem pensa que o registro irá “chover no molhado”, não trazendo nada de novo sobre o seu trabalho e pensamento, os depoimentos revelam de forma generosa e direta algumas novidades sobre o universo do encenador, dramaturgo, professor, jornalista, escritor de romances, contos e novelas, pesquisador e ativista cultural Hermilo Borba Filho. O DVD lançado, no final de 2011, como homenagem aos 50 anos de criação do Teatro Popular do Nordeste – TPN (1960 – 1975), traz, ainda, como bônus, a entrevista de Hermilo produzida pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT) em 1973, tendo como entrevistadores o ator e diretor teatral Carlos Reis, o jornalista e crítico de cinema Celso Marconi e o ator e diretor teatral Marcus Siqueira. Mesmo sendo a frase aparentemente clichê – como diria Hermilo –, esse registro do SNT (um dos raros dele para o vídeo) é uma pérola da história do teatro brasileiro. A voz do ator e diretor José Pimentel dá vida às palavras de Hermilo no início e no fim do documentário: “Este sou eu, tanto no passado, vida, morte, como no presente que se estende pelos dias e pelas noites sem nada como o futuro inexistente, apenas inventado pela imaginação, e com certeza diferente do que espero. Merda para o futuro!” 

WILLIAMS SANT'ANNA, ator, palhaço, produtor cultural, encenador, historiador e arte-educador.

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