Acostumamo-nos a ligar os esportes a marcas de sucesso. Essas marcas, normalmente, aparecem recheadas de glamour e são consumidas em alta definição nas TVs, em qualidade extraordinária na impressão em revistas. Mas a fotografia apurada revela o taco de golfe e a leve envergadura que o momento exige. Movimento sutil diante da realidade rasgada.
Treino de boxe em um ringue improvisado sobre laje de uma
favela carioca. Foto: Divulgação
Saltar mais alto do que o Pão de Açúcar passa a ser um objetivo de vida, fruto de um enquadramento em contra-plongée, que faz dialogarem gente e natureza sublime. Uma relação de proporções irreais, que se torna possível na interação do fotógrafo com seu tema.
Crianças observam os elementos da beira-mar. Foto: Divulgação
Correndo o olhar pelo ensaio, chegamos aos detalhes arquitetônicos que recortam a realidade de uma favela carioca. Ao fundo, a estrutura sólida da montanha, que parece testemunhar a luta diária pela sobrevivência do pai que ensina ao filho como crescer e defender seus ideais. Mas essa é uma reflexão pessoal. Certamente, o leitor fará a própria leitura da imagem do homem treinando boxe com o garoto numa laje de uma favela.
Esporte radical, sem proteção, em plena ladeira. Foto: Divulgação
As fotografias não revelam identidade, deixam que o espectador construa o próprio personagem. Essa é a principal experiência que o ensaio promove. Provoca-nos e insiste que façamos a leitura do que vem depois da curva da ladeira serrilhada, percorrida pelo skatista sem luvas, capacete ou qualquer tipo de proteção. Uma forma de “desproteção”, aventura ou apenas diversão. E, então, sentimo-nos imóveis, com os dois garotos que observam o não movimento do que deveria ser tremulante e parecem imaginar como fazer para soltar pipas gigantes. A doce arte do imaginar.
Imagem brinca com a contraluz e a sombra de peladeiro. Foto: Divulgação
Por fim, a bola dominada por duas sombras, uma gerada pela contraluz do homem, e, outra, por sua imagem distorcida no chão de pedras. Parece que uma disputa com a outra a melhor forma de fazer embaixadinhas de chinelos. Olham-se e competem, movimento a movimento, cada uma na sua vez e ao mesmo tempo. Movimentamo-nos pelo ensaio de André Teixeira como se fôssemos personagens de uma peça de seis atos.
RICARDO MELLO, fotojornalista, editor de imagens multiplataforma do jornal O Globo.