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A fantástica fábrica de estrelas mirins

Indústria fonográfica alimenta-se da ansiedade de pais em revelar o talento de seus filhos, gerando fenômenos como Justin Bieber e Rebecca Black

TEXTO Débora Nascimento

01 de Julho de 2011

Imagem Hallina Beltrão sobre fotos de divulgação

Um videoclipe com uma adolescente bonitinha cantando e dançando uma música pop de refrão grudento é postado no YouTube. Dias depois, alcança milhares de acessos. Em poucos meses, chega a centenas de milhões. A imprensa publica matérias, os blogs e as redes sociais comentam, surgem outros vídeos fazendo paródia, e aqueles que seriam “os 15 minutos” de fama de uma aspirante à artista se estendem pelo tempo necessário que poderá levá-la a um contrato com uma gravadora, rendendo à teenager uma promissora carreira no meio artístico.

Essa é – até agora - a curta trajetória de Rebecca Black, garota de 13 anos que virou febre com sua pegajosa Friday, música do vídeo que estava, em junho, perto da casa dos 200 milhões de replays no YouTube. Mas sua história não é inédita; repete a do jovem canadense Justin Bieber, que, com a mesma idade, começou a ganhar fama ao inserir na internet vídeos caseiros de sua performance musical. Agora, poucos anos após o estouro do cantor do refrão “Baby, baby, baby, oh!”, Rebecca aparece.

Mas esses jovens também apresentam diferenças. Enquanto Bieber veio da classe baixa e levou o dobro do tempo para chegar a ser o número um do YouTube, com 600 milhões de views de Baby, já sendo um astro quando lançou esse vídeo, Rebecca Black, que alcançou os 100 do total de 200 milhões de acessos em apenas um mês, não tinha um compacto lançado e nunca fez um show na vida. Segundo a patricinha, que mora numa das regiões mais abastadas da Califórnia (EUA), o vídeo foi feito “apenas por diversão”, após ganhar da mãe U$ 4 mil (cerca de R$ 6,4 mil) para gravar a canção na Ark Music Factory, produtora voltada para “jovens talentos musicais”.

A empresa é comandada por Patrice Wilson e Clarence Jey, produtores que compõem músicas para serem gravadas por “baixinhos”, com melodias grudentas e muito retoque de Auto-Tune (programa de computador que “aprimora” o canto). Os empresários produzem os vídeos, as fotos, a consultoria de imagem e a assessoria de imprensa de sua clientela. “Ark Music Factory é uma plataforma online que ajuda jovens artistas a alcançar seus sonhos, e aflorar seus talentos. Das músicas, composições e uso da marca à produção audiovisual certos, a Ark Music Factory proporciona aos jovens talentos todas as ferramentas para que se tornem estrelas pop”, dizem no site.

Empresas como essa estão investindo em crianças e adolescentes na esperança de emplacar algum deles, como aconteceu com Rebecca Black - a revista Billboard estima que a cantora fature US$ 27 mil por semana com publicidade, vendas no iTunesringtones, entre outros. Só com as visualizações no YouTube, a menina angariou mais de U$ 100 mil (cerca de R$ 160 mil) – atualmente, com a queda das vendas de CDs e DVDs na indústria fonográfica, o site de vídeos é a fonte mais segura de retorno financeiro para gravadoras e selos independentes.

Em meados de junho, no entanto, o vídeo de Friday foi retirado do site. A cantora e sua mãe, Georgina Marquez Kelly, acusaram a empresa que produziu o hit de explorar sua imagem e de descumprir acordos e usufruir da fama da menina. A organização também foi acusada de obter lucros com a canção no YouTube, no iTunes e na Amazon, criar um ringtone sem a devida permissão, além de “vender” a imagem da garota como sua artista exclusiva. Só então, o nome de Rebecca foi retirado do site oficial da Ark Music Factory.

Agora, a garota está gravando canções no estúdio de Charlton Pettus, produtor musical que já trabalhou com jovens artistas como Hilary Duff e Clay Aiken. Em entrevista à Associated Press, Georgina afirmou que Rebecca estava despreparada para a incrível exposição: “Depois que percebi que a minha filha ia ser uma celebridade, sabia que este seria um momento em que eu precisava focar completamente nela 100% do tempo. Tenho lido e visto as histórias infelizes de tantas crianças no centro das atenções”.

Esse depoimento revela a ponta de um terrível iceberg. Por trás de “descobertas”, como as de Justin Bieber e Rebecca Black, oculta-se um fenômeno não tão recente na cultura de massa, principalmente na americana: pais ansiosos por verem seus filhos estampando capas de revistas, concedendo entrevistas na TV, tendo seus supostos talentos reconhecidos, virando celebridades a qualquer preço.

O caso mais famoso deles vem dos Estados Unidos e atende pelo título de The Jackson Five. O grupo surgiu no final dos anos 1960, quando um pai de família de classe média baixa, chamado Joseph “Joe” Jackson, decidiu reunir cinco de seus nove filhos numa banda de R&B. Logo, logo, Jackie, Tito, Jermaine, Marlon e Michael deixaram de conviver com a figura paterna e ganharam um empresário, que os obrigava a chamá-lo de “Joseph”, em vez de “pai”. “Então, não apenas ensaiávamos muito, mas estávamos sempre nervosos quando ensaiávamos, porque ele se sentava ali, e tinha um cinturão nas mãos, e se você não fizesse da maneira correta, ele te faria em pedaços. Te pegava de verdade. Eu levei muitas vezes, mas acho que meu irmão Marlon foi quem sofreu mais, porque era mais difícil pra ele no começo, e ele se esforçava tanto, mas era sempre, sabe, ‘faça como o Michael! Faça como o Michael!’ E os outros ficavam muito nervosos, e eu também, porque ele era severo”, revelou o Rei do Pop, em entrevista ao jornalista Martin Bashir, no documentário Living with Michael Jackson, de 2003.


Imagem: Hallina Beltrão sobre fotos de divulgação

O rigor de Joe – aliado, claro, ao talento dos garotos - transformou o Jackson Five no grupo infanto-juvenil mais popular dos Estados Unidos e, por tabela, potencializou o dom de Michael para compor, cantar e dançar. Mas, à medida que os filhos atingiam a maioridade, iam tentando se ver livres das garras do pai. Jermaine, por exemplo, casado com a filha de Berry Gordon, presidente da Motown, foi o único Jackson que permaneceu na gravadora, e não assinou com o selo Epic Records, da Columbia. Michael, em seguida, deixou os irmãos para seguir carreira solo, uma forma de se desvincular dos maus tratos paternos. Ele foi o único que conseguiu – até então – o impensável: fazer mais sucesso que o Jackson Five.

Antes dos Jacksons, porém, os EUA já tinham assistido à ascensão de um outro conjunto que começou com a forte presença de um pai, os Beach Boys – a primeira banda americana a fazer sucesso em escala nacional, tendo seu auge em 1963, um ano antes da invasão britânica, capitaneada pelos Beatles e Rolling Stones. O grupo foi formado a partir do incentivo de Murry Wilson, compositor bissexto e, assim como Joe Jackson, também pai de classe de média baixa. O chefe de família incentivou seus filhos Brian, Dennis e Carl a aprender a tocar instrumentos e a cantar, após se emocionar ao assistir aos garotos cantando de forma espontânea.

Com a repercussão do primeiro single dos Beach Boys, Surfin, Murry Wilson largou o seu emprego e se autointitulou empresário do grupo, passando a acompanhar as gravações e interferindo nelas como se fosse o produtor musical. Registros de sua voz durante essas sessões comprovam sua presença opressora nos sets, dizendo coisas como, “Brian, eu sou um gênio também. Vamos!”. Murry tinha conflitos com seus três filhos, chegando a usar a violência física para impor suas vontades, mas quem mais sofria era Brian, por ser o principal compositor e arranjador do quinteto, que ainda incluía o primo dos rapazes Mike Love e seu amigo Al Jardine. Era um embate constante entre pai e filho. Murry não admitia que o rebento, considerado o Mozart do rock, o havia superado artística e financeiramente. Os abusos seguiram até 1964, quando Brian demitiu o próprio pai de suas funções empresariais, durante uma briga numa sessão de gravações.

Um ano depois, o líder dos Beach Boys começou a dar sinais dos problemas psíquicos que carrega até hoje. Assim como aconteceria com Michael Jackson, anos depois, as exigências paternas de Murry levaram Brian a virar um extremo perfeccionista, que alimentava ideias obsessivas, como a gravação de Good vibrations, considerado o melhor, o mais demorado e mais caro single da história da música da época, com seus U$ 50 mil. Brian também não admitia que os Beatles tivessem vindo da Inglaterra ocupar o espaço que seria dos Beach Boys e tentou, então, superar as criações dos Fab Four, originando a obra-prima dos Beach Boys, Pet sounds, em 1966. Também não custa lembrar que Michael, outro obsessivo, passou o resto da vida querendo ultrapassar os números do avassalador Thriller, o disco que mais vendeu em todos os tempos, com cerca de 45 milhões de cópias.

Essa mania de querer transformar crianças e adolescentes em estrelas, uma forma tolerada de trabalho infantil, diga-se, é algo que está fortemente ligado à ascensão da indústria cinematográfica e musical dos Estados Unidos. Em 1930, a pequena Shirley Temple, estrela de 58 filmes, virou fenômeno mundial, com apenas seis anos de idade, atuando e cantando filme após filme. A pequenina de cachinhos loiros foi uma pioneira involuntária desse traço cultural americano e é, até hoje, um raro exemplo de estrela mirim americana que não se envolveu em escândalos nos anos seguintes – vide Judy Garland, Drew Barrymore, Macauley Culkin e tantos outros.

A simpatia, o carisma e o talento de Shirley Temple passaram a inspirar programas de TV a encontrar crianças-prodígio. Uma delas foi uma certa pirralha chamada Britney Spears, que era levada por sua mãe para participar de diversos concursos de talentos mirins; e também a jovem atriz e cantora Miley Cyrus, protagonista do seriado musical Hannah Montana, cujo estrelato acabou por criar uma fissura na família, levando seu pai – também compositor malsucedido – como o citado Murry Wilson - a revelar, no começo deste ano, que se arrependeu de ter aprovado que sua filha começasse a se envolver no meio artístico tão cedo. Após os escândalos envolvendo Miley, Billy Ray Cyrus desabafou à revista americana GQ: “Aquele maldito programa destruiu minha família. Detesto dizer isso, mas voltaria atrás, se eu pudesse. Para que minha família estivesse aqui e todos estivessem bem, seguros, felizes e normais”.

Eleita pelo site de notícias pop Just so you know a celebridade que exerce a pior influência entre os jovens dos EUA, devido a escândalos envolvendo drogas, Miley Cyrus, sem querer, passou a ser uma espécie de “provedora” do lar. Caso semelhante aconteceu com Elis Regina, que, aos 14 anos, já sustentava a família com os cachês que recebia como intérprete. “Elis começou a se impor porque pintava com a grana para solucionar os problemas”, lembrou Rogério, irmão da cantora gaúcha, na biografia Furacão Elis, de Regina Echeverria, que revela os atritos da Pimentinha com o pai.

Começar a trabalhar cedo na música tem se mostrado um problema, também, porque, ao se tornar adulto, o artista mirim tenta provar que o seu trabalho amadureceu; e nem sempre isso acontece ou é reconhecido. Alguns exemplos dão conta da dificuldade que encontram. Nikka Costa, aos 9 anos, fez enorme sucesso no início da década de 1980, incentivada por seu pai, Don Costa, que era seu compositor e produtor musical. Após a precoce morte dele, em 1983, a cantora não conseguiu mais firmar seu nome no mercado, mesmo mudando de estilo e retomando sua carreira em diversas ocasiões.

No Brasil, o exemplo mais notório é o de Sandy & Júnior, caso raro em que os filhos conseguem ter tanto êxito comercial quanto os pais. Rebentos do cantor e compositor sertanejo Xororó, os irmãos venderam mais de 15 de milhões de discos, mas hoje, em carreira solo, vivem sob a sombra do sucesso do passado, quando faturavam com centenas de shows anuais e com a renda de diversos produtos licenciados em nome da dupla.

No final de março deste ano, uma notícia passou despercebida, mas revelou um pouco da filosofia que pode estar por trás de toda essa história. O pai de Beyoncé, Mathew Knowles, que fazia as vezes de empresário da cantora americana desde a época do trio Destiny’s Child, anunciou que estava se demitindo do cargo, e apresentou um argumento cheio de sabedoria em sua simplicidade: “Negócios são negócios e família é família”. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

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