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Oito Baixos: O meio século de fole do mestre Arlindo

Forrozeiro pernambucano, ex-integrante da banda de Luiz Gonzaga, vem mantendo a tradição do “pé de bode” em aulas e shows no quintal de sua casa

TEXTO José Teles

01 de Junho de 2011

Arlindo, que tem discografia de 14 títulos, pensa em lançar DVD, CD e livro comemorativos dos 50 anos de carreira

Arlindo, que tem discografia de 14 títulos, pensa em lançar DVD, CD e livro comemorativos dos 50 anos de carreira

Foto Ricardo Moura

Na página do Instituto Memória Musical Brasileira, o mais completo arquivo de informação e pesquisa de discos da MPB do país, não se encontra o nome de Arlindo dos Oito Baixos, ou Arlindo Ramos Pereira, nome de batismo do sanfoneiro. No Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, também digital, citam-se oito Arlindos. No verbete de dois deles não há informação alguma, com exceção dos nomes. Esses são exemplos do total desconhecimento sobre Arlindo dos Oito Baixos, um dos maiores sanfoneiros vivos, com 69 anos de idade (completa 70 em 2012), e 50 anos de sanfona, que deverão ser comemorados com CD, DVD e livro, segundo a produção do músico.

Arlindo dos Oito Baixos nasceu em Sirinhaém, Zona da Mata Sul pernambucana. Filho de agricultores, ele próprio trabalhou na cana-de-açúcar, no engenho Jaguaribe, e iniciou cedo a aproximação com seu instrumento: “Comecei a aprender com 10 anos, num oito baixos que pertencia ao meu pai, que tocava, mas não era profissional. No começo, ele era contra, mas depois que viu que eu levava jeito, comprou uma sanfoninha pra mim”.

A carreira começou como a de Luiz Gonzaga, décadas antes. O menino passou a ser conhecido na Região pela sua habilidade no fole. Surgiram convites para animar sambas nas cidades vizinhas. Quando deu fé, havia deixado de capinar roça, cortar cana, e passou a viver da música. “Fui morar em Ponte dos Carvalhos”, conta, “aí fui me entrosando, conheci outros sanfoneiros, depois toquei nas caravanas que havia naquela época. A de J.Austregésilo, a de Silveirinha, a de Paulo Marques. Com Coruja e seus Tangarás, eu toquei um tempo, quando fui apresentado a Luiz Gonzaga, que me convidou para tocar com ele”.

O nome de Arlindo passou a ser mais popular em Pernambuco desde que inaugurou, há 10 anos, uma concorrida domingueira de forró, no quintal da casa onde mora, em Dois Unidos, no Recife, onde já se apresentaram os maiores nomes do gênero. Mas, antes disto, já era cultuado entre músicos. Cego, em consequência de diabete, Arlindo passa o dia consertando sanfonas e foles de oito baixos, numa oficina em sua casa. É trabalho e passatempo. Escuta rádio o tempo inteiro, mas raramente uma música sua, apesar de ter uma discografia com 14 títulos. Lançou a maioria por grandes gravadoras. “Comecei na RCA, levado por Gonzaga. Depois passei para a PolyGram, Esquema, a Ingazeira, de Alcymar Monteiro, e agora faço no Recife mesmo, particular”, enumera. O Gonzaga a que se refere é, obviamente, Luiz Gonzaga, citado por 10 entre 10 forrozeiros, muitos gabando-se de ter privado da intimidade do irascível Gonzagão.

GONZAGÃO
Arlindo dos Oito Baixos, como todos os que compartilharam da intimidade do Rei do Baião, fala de seu nome com reverência, não costuma propagar que foram amigos. Do meio século de sanfona e estrada, para Arlindo, o que mais o marcou foram os 18 anos anos que viajou pelo Brasil com Luiz Gonzaga. “Ele tinha as coisinhas dele. Quando chegava de cara emburrada, a gente não falava nada, sabia que havia discutido com a mulher, dona Helena. Mas era muito engraçado, qualquer coisa que se passava ele comentava, e todo mundo ria muito. Nos hotéis em que ele se hospedava se hospedavam todos seus músicos”, lembra o sanfoneiro, que evita contar causos que testemunhou de Gonzagão.

Mas às vezes o causo é contado, feito um que aconteceu em Arcoverde. Um show em praça pública, na carroceria de um caminhão, como tantos que Lua fez ao longo dos anos. Ele colocou o pé na escada para subir na carroceria, quando um rapaz chamou seu nome: “Gonzaga voltou-se e perguntou o que o rapaz queria. Ele respondeu que era a carteira da Ordem dos Músicos. Gonzaga olhou para ele, sem dizer nada, e só fez dar o dedo, mas não vá escrever isso não”, diz Arlindo.

Só no começo dos anos 1980 foi que Arlindo dos Oito Baixos gravou o primeiro disco individual. “Viajei esse tempo todo com Gonzaga. Nunca gravei com ele, mas com outras pessoas. Gravei na Rozenblit, gravei também com Coruja e seus Tangarás, com Déo do Baião. Uma vez cheguei para Gonzaga, a gente estava no Braz, em São Paulo, e disse que estava querendo fazer um disco meu. Ele aconselhou a deixar a sanfona de lado. Que tinha muito sanfoneiro no mercado. Agora, tocando oito baixos, muito poucos, e era isso que as gravadoras queriam”. Ele começou gravando músicas de ases do “pé de bode” (outro nome para o oito-baixos), Dominguinhos ou Zé Calixto. “Meu primeiro disco foi gravado no Rio, no estúdio Havaí. Quem tocou comigo nele foi Jackson do Pandeiro, que fez reco-reco e pandeiro, os irmãos dele, Cícero, na zabumba, e Manoel, no melê (instrumento de percussão, feito de borracha de câmara de ar de pneu)”.

Arlindo é de falar manso, não levanta a voz nem quando comenta a invasão das bandas de fuleiragem music nos arraiais juninos nordestinos. “Acho que não atrapalha não. Não sou contra, mesmo que use o nome do forró. Tem algumas com umas músicas que até acho bonitas. Agora, não gosto é do duplo sentido. Aí, sou contra.” Tampouco critica o excesso de xote no repertório dos chamados forrozeiro pé de serra: “Acho que eles tocam tanto xote porque o xote é bom para se dançar. Minha música é mais instrumental, e o xote é bom mesmo cantado, com letra”.

E até quando dura o fole de oito-baixos, do qual ele é um dos poucos nomes de destaque? O instrumento, provavelmente introduzido no Nordeste por soldados que participaram da Guerra do Paraguai, é de difícil execução, e não tem o mesmo charme de uma sanfona. Os grandes nomes do pé-de-bode, no entanto, são mitos do forró e contam-se nos dedos: Zé Calixto, Geraldo Corrêa, Truvinca, Camarão, Bastinho Calixto e o próprio Arlindo. “O pessoal prefere a sanfona. O oito baixos não está mais resumido porque a gente ensina. Ensino em casa, tenho uns 20 alunos, uns são bons, levam muito jeito. Tem um Severino, de Prazeres, outro João Leite, de Moreno, mais outros, um pessoal muito bom.” 

JOSÉ TELES, jornalista, crítico de música e escritor.

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