Arlindo dos Oito Baixos, como todos os que compartilharam da intimidade do Rei do Baião, fala de seu nome com reverência, não costuma propagar que foram amigos. Do meio século de sanfona e estrada, para Arlindo, o que mais o marcou foram os 18 anos anos que viajou pelo Brasil com Luiz Gonzaga. “Ele tinha as coisinhas dele. Quando chegava de cara emburrada, a gente não falava nada, sabia que havia discutido com a mulher, dona Helena. Mas era muito engraçado, qualquer coisa que se passava ele comentava, e todo mundo ria muito. Nos hotéis em que ele se hospedava se hospedavam todos seus músicos”, lembra o sanfoneiro, que evita contar causos que testemunhou de Gonzagão.
Mas às vezes o causo é contado, feito um que aconteceu em Arcoverde. Um show em praça pública, na carroceria de um caminhão, como tantos que Lua fez ao longo dos anos. Ele colocou o pé na escada para subir na carroceria, quando um rapaz chamou seu nome: “Gonzaga voltou-se e perguntou o que o rapaz queria. Ele respondeu que era a carteira da Ordem dos Músicos. Gonzaga olhou para ele, sem dizer nada, e só fez dar o dedo, mas não vá escrever isso não”, diz Arlindo.
Só no começo dos anos 1980 foi que Arlindo dos Oito Baixos gravou o primeiro disco individual. “Viajei esse tempo todo com Gonzaga. Nunca gravei com ele, mas com outras pessoas. Gravei na Rozenblit, gravei também com Coruja e seus Tangarás, com Déo do Baião. Uma vez cheguei para Gonzaga, a gente estava no Braz, em São Paulo, e disse que estava querendo fazer um disco meu. Ele aconselhou a deixar a sanfona de lado. Que tinha muito sanfoneiro no mercado. Agora, tocando oito baixos, muito poucos, e era isso que as gravadoras queriam”. Ele começou gravando músicas de ases do “pé de bode” (outro nome para o oito-baixos), Dominguinhos ou Zé Calixto. “Meu primeiro disco foi gravado no Rio, no estúdio Havaí. Quem tocou comigo nele foi Jackson do Pandeiro, que fez reco-reco e pandeiro, os irmãos dele, Cícero, na zabumba, e Manoel, no melê (instrumento de percussão, feito de borracha de câmara de ar de pneu)”.
Arlindo é de falar manso, não levanta a voz nem quando comenta a invasão das bandas de fuleiragem music nos arraiais juninos nordestinos. “Acho que não atrapalha não. Não sou contra, mesmo que use o nome do forró. Tem algumas com umas músicas que até acho bonitas. Agora, não gosto é do duplo sentido. Aí, sou contra.” Tampouco critica o excesso de xote no repertório dos chamados forrozeiro pé de serra: “Acho que eles tocam tanto xote porque o xote é bom para se dançar. Minha música é mais instrumental, e o xote é bom mesmo cantado, com letra”.
E até quando dura o fole de oito-baixos, do qual ele é um dos poucos nomes de destaque? O instrumento, provavelmente introduzido no Nordeste por soldados que participaram da Guerra do Paraguai, é de difícil execução, e não tem o mesmo charme de uma sanfona. Os grandes nomes do pé-de-bode, no entanto, são mitos do forró e contam-se nos dedos: Zé Calixto, Geraldo Corrêa, Truvinca, Camarão, Bastinho Calixto e o próprio Arlindo. “O pessoal prefere a sanfona. O oito baixos não está mais resumido porque a gente ensina. Ensino em casa, tenho uns 20 alunos, uns são bons, levam muito jeito. Tem um Severino, de Prazeres, outro João Leite, de Moreno, mais outros, um pessoal muito bom.”
JOSÉ TELES, jornalista, crítico de música e escritor.