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O Mato Grosso do Sul e sua arquitetura

TEXTO Ângelo Marcos Arruda

01 de Junho de 2011

Construído em 1775, o Forte Coimbra é a edificação mais antiga de Mato Grosso do sul

Construído em 1775, o Forte Coimbra é a edificação mais antiga de Mato Grosso do sul

Foto Reprodução/Livro 'História da arquitetura de Mato Grosso'

Foi no ano de 1524 que o português desbravador Aleixo Garcia e sua comitiva atravessaram o território do estado de Mato Grosso do Sul em busca do ouro inca, a pedido de Juan Diaz de Soliz e do rei de Portugal D. Fernando V. Essa missão simboliza a presença primeira de um homem branco em Mato Grosso do Sul e dá início à história de sua arquitetura e urbanismo.

Porção oeste do Brasil, fronteira com a Bolívia e com o Paraguai, tendo uma imensa planície com o Pantanal, o estado foi sendo ocupado de acordo com os ciclos que ocorreram ao longo desses quase 500 anos. Esses ciclos apontam caminhos para o surgimento de espaços de moradia e de edifícios de grande importância histórica para a arquitetura brasileira. Quem poderia imaginar que Mato Grosso do Sul já foi espaço ocupado por espanhóis, inclusive com a instalação de um núcleo urbano? Santiago de Xerez é hoje, do ponto de vista histórico, a cidade mais antiga do estado e tem sua trajetória atrelada à colonização espanhola na região da Província do Itatim, no sudoeste matogrossense. Xerez data de 1593 e, em novo local, ela é implantada em 1600, com o traçado típico do urbanismo espanhol dos séculos 16 e 17, sendo dizimada pelos portugueses.

A presença indígena na região, através dos povos guarani, caiuá, terena e kadiwéu, principalmente, deixou marcas culturais de muita força, presentes ainda hoje, seja no modo de alimentação à base da mandioca, na matriz gráfica das peças utilitárias ou no modo de cobrir as suas casas. Sem a presença de metais ou de materiais de interesse econômico para a capitania, a porção sul de Mato Grosso, nos séculos 16 e 17, foi de fato esquecida pelo colonizador, interessado no ouro cuiabano. Mas, para proteger as grandes fronteiras, o governador Luís de Albuquerque de Mello e Cáceres manda construir fortificações e é nessa aventura que se ergue o edifício mais antigo do estado, conhecido como Forte Coimbra, em 1775. Essa fortaleza, típica construção de arquitetura militar do século 18, tombada como patrimônio histórico pelo Iphan, está localizada às margens do Rio Paraguai e é uma edificação ainda utilizada pelos militares, tal a sua privilegiada localização.

Anos antes, o governador da capitania de São Paulo, Morgado de Matheus, ergue no Rio Iguatemi, porção sul do estado, outra fortificação, denominada Forte Iguatemi ou Povoação e Praça das Armas Nossa Senhora dos Prazeres e São Francisco de Paula, que foi destruída em 1777. Apenas vestígios arqueológicos foram encontrados pelos pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Ainda no século 18, duas cidades são criadas e instaladas em Mato Grosso do Sul e fazem parte da história do Brasil Colônia e, portanto, da arquitetura colonial brasileira. Corumbá (1778) e Miranda (1797) são cidades coloniais brasileiras que começaram com uma implantação de vila, protegidas por muros, com uma vida voltada para as atividades pecuárias e de troca de mercadorias com os estados e países vizinhos.

A arquitetura histórica presente nessas duas cidades é de grande valor para a região e para o país. Corumbá, localizada às margens do Rio Paraguai e capital do Pantanal, é uma cidade que foi quase destruída com a Guerra do Paraguai, tendo parte de suas edificações e de seu traçado urbano tombada como patrimônio da União pelo Iphan desde os anos 1990. Os casarões do século 19 também presentes no sítio retratam um período de imensa riqueza econômica, com a importação de produtos da Europa que chegavam pela Bacia do Prata. Em Miranda, o processo de tombamento federal de algumas edificações importantes já está encaminhado.

Mas foram os ciclos do gado e da ferrovia Noroeste do Brasil que trouxeram o desenvolvimento e a integração para Mato Grosso do Sul. Fazendas rurais e sua arquitetura tipicamente mineira se fundem com o estilo eclético dos edifícios ferroviários – estações, rotundas, residências e armazéns, desenhando o mosaico da arquitetura histórica do estado. Com a ferrovia vieram os construtores, os materiais e os novos estilos arquitetônicos em voga nas cidades mais importantes do país e do mundo e, assim, os casarões, os edifícios comerciais e os novos prédios institucionais começam a ser erguidos. Técnicas da ornamentação e elementos de revestimento impregnaram as edificações que foram sendo erguidas no final do século 19 e início do século 20. Novas cidades surgem – a capital do estado, Campo Grande, é de 1899; abrem-se fronteiras para o gado e para a erva-mate; fundam-se colônias agrícolas e, com isso, Paranaíba, Nioque, Coxim, Aquidauana, Três Lagoas, Maracaju, Ponta Porã, Ribas do Rio Pardo, Rio Brilhante, Anastácio, Terenos, Porto Murtinho, Ladário, Bela Vista e Dourados aparecem no cenário geográfico como municípios dotados com a presença de importantes edifícios em estilo eclético e art déco.

Os idealizadores da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, inaugurada em 1914, sonhavam em fazer a ligação do Oceano Atlântico ao Pacífico. A obra, que atravessa o Pantanal, corta o território de Mato Grosso do Sul do leste, entrando por São Paulo, ao oeste, encostando-se a Corumbá e à fronteira boliviana. Todo esse patrimônio é desconhecido do povo brasileiro, que tem referências sobre Mato Grosso do Sul através das belezas naturais de Bonito ou através das notícias ruins de drogas e contrabando. Chegou a hora de apreciar a sua arquitetura histórica. Fica aqui o convite.  

ÂNGELO MARCOS ARRUDA, arquiteto, urbanista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

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