Imagine então esse homem, de afetividade declaradamente popular, integrando a equipe de fotógrafos da sofisticada Vogue e seu enfoque haute culture. Por três anos, através da Agência Rapho, Doisneau fotografou para a revista a gente fina de Paris, suas festas, seus casamentos e também editoriais de moda. Ele atribuiu o convite para integrar o elenco da revista a uma demanda por frescor: “Eu era o filho do jardineiro convidado para vir com as crianças do castelo sob a condição de trazer junto um olhar novo”, define ele.
Fantástica síntese sobre esse mundo Vogue, de glamour, distanciamento e afetação, é uma imagem de 1947, Uma mulher passa, em que uma endinheirada vestida com um casaco chiquérrimo, bordado em brilhos de penas de pavão, provoca um olhar de esguelha e assombro num homem que a vê caminhar. “O homem das chaves de ouro, até ele”, comenta o fotógrafo, “que trazia normalmente sobre sua cara hirsuta todo o desdém do mundo, não tirava os olhos dela”.
Podemos dizer então que, com este volumoso título de 400 páginas e 500 imagens, nos aproximamos da alma libertária e simples de Robert Doisneau. Como muitas de suas fotos, embora maravilhosas, têm sido excessivamente veiculadas (caso das séries sobre crianças e da controversa O beijo do Hôtel de Ville, de 1950), a opção por evitar suas imagens mais conhecidas é um trunfo desta edição. Claro que há aqui algumas recorrentes, mas o melhor é o encontro com aquelas menos midiatizadas. Outro mérito de Paris Doisneau é o excesso controlado. Ou seja, vemos muitas fotografias, sem que isso signifique diluição, mas acuidade.
Exemplo bom desse exagero é apreciarmos as sequências realizadas pelo fotógrafo. Entre elas, A vitrine de Romi (em que ele se delicia em registrar as variadas expressões dos transeuntes diante de uma pintura de nu exposta), Place da la Concorde e Os pés passantes (ambas captando o ritmo frenético do trânsito), e O pintor do instituto (que daria um excelente stop motion).
Toda a vibração positiva que percorre quatro quintos de Paris Doisneau torna-se melancólica nas últimas páginas. Isso porque a cidade ali retratada mostra-se estranha ao fotógrafo. Ele escreve: “Todas essas agências bancárias, todos esses edifícios de vidro, todas essas fachadas de espelho são a marca de uma arquitetura de reflexo. Não se vê mais o que se passa na casa dos outros e tem-se medo da sombra. A cidade torna-se abstrata. Ela não reflete mais senão a si mesma”. Acabava o namoro entre Paris e um de seus mais gentis cronistas.
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