A produção literária e fotográfica de Rulfo ocorre simultaneamente e se concentra nos anos 1940-1960. Tornou-se proverbial o “silêncio” do escritor, que publicou apenas duas obras literárias – a coletânea de contos O chão em chamas (El llano en llamas, 1953) e o breve romance Pedro Páramo (1955) – tendo também mantido seu acervo fotográfico relativamente desconhecido do grande público, que apenas tomou conhecimento de sua diversidade depois da exposição em sua homenagem nos anos 1980. Somente a partir de miradas dispersas, foi possível acompanhar seus ensaios fotográficos para o cinema e a dança, bem como suas imagens do México publicadas em revistas.
Chega agora ao público brasileiro o livro 100 fotografias: Juan Rulfo (CosacNaify), pelo qual é possível vislumbrar a visão do artista sobre seu país. Boa parte do material de Rulfo foi fotografada quando ele trabalhava como caixeiro-viajante. Ele pôde, nesses trânsitos, revisitar o México rural de sua infância, esta, marcada por acontecimentos trágicos, como o assassinato do pai e o precoce falecimento da mãe. Além de memórias de orfandade, impregnavam-no também aquelas relativas ao passado pré-hispânico e colonial nacional, marcado por injustiças, desarranjos, pobreza e conflitos entre indígenas e espanhóis.
E é sobre esses despojos pessoais e nacionais que Juan Rulfo vai sedimentar sua obra, seja ela textual ou imagética. Embora, como observa o historiador de fotografia italiano Daniele De Luigi, em texto publicado em 100 fotografias: Juan Rulfo, haja uma clara distinção de registro literário e fotográfico a respeito desse grande tema em comum. Enquanto sua literatura é “constelada de metáforas que se imprimem na memória com excepcional vividez”, sua fotografia “mantém com o real uma inegável relação de referencialidade direta”.
Dadas as distâncias entre a literatura e a fotografia do escritor mexicano, que chegou a afirmar: “Não sou fotógrafo”, há nelas o mesmo sentimento do trágico, do abandono e da solidão. Algo como se o passado estivesse sempre ali, latente.
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.