Grimes é autor do livro Appetite city, sobre a história culinária da cidade. Ele conta que esse perfil começou a surgir nos anos 1850, com a intensificação dos fluxos de imigração internacional no Nordeste dos EUA. Desde o princípio, Nova York se consolidou mais como uma capital do mundo do que como uma cidade tipicamente americana, explica Arthur Schwartz, pesquisador que escreveu uma compilação histórica e gastronômica da cidade, que nasceu mais como entreposto comercial.
O sanduíche de pastrami com pão centeio está no cardápio da Katz Delicatessen.
Foto: Cláudia Silveira/Cortesia
PRIMEIRAS GARFADAS
Antes da chegada de europeus, Nova York era uma área habitada pelos índios lenape, que caçavam e cultivavam pequenos vegetais. Foram os índios que deram o nome de Manhattan à ilha central e que a “venderam por US$ 24” aos holandeses, que chegaram à região em 1624, mesma época em que invadiram o Nordeste do Brasil. Os holandeses fundaram a então chamada Nova Amsterdam, e a cultura alimentar dessa cidade era baseada em artigos que se mantiveram populares, como batatas, panquecas, waffles e carnes. Além das refeições caseiras, havia tavernas, nas quais era servida uma comida rudimentar, mas que se consolidavam como centros sociais, com bebidas e tabaco em grande quantidade. Eles ficariam mais de quatro décadas na região, que foi repassada em seguida aos ingleses, e marcariam a cultura da cidade para sempre.
Até os anos 1820, a cidade era um “deserto culinário”, sem nenhum bom restaurante. Nova York já se desenvolvia em torno da ponta sul da ilha de Manhattan, enquanto as pessoas moravam de verdade em outras regiões, o que fazia com que ela fosse a única cidade dos Estados Unidos em que todos almoçavam na rua, próximos do trabalho, mas longe de casa. Isso gerava demanda por comida vendida em lugares públicos, que proliferavam pela região, hoje conhecida como Downtown.
Em 1835, a cidade havia se transformado – ela tinha uma população de cerca de 270 mil pessoas – e consolidado como entreposto internacional, atraindo 60 mil visitantes por ano, o que intensificava a abertura de restaurantes. O problema, diz Grimes, é que quase todos tinham uma coisa em comum: comida sem qualidade.
O primeiro nome respeitável da cena gastronômica de Nova York surgiu em 1827, quando dois irmãos suíços abriram o Delmonico’s, um restaurante francês que foi o primeiro lugar a servir comida decente, francesa e em formato à la carte, com menu de dezenas de opções. O Delmonico’s foi o nome da alta cozinha nova-iorquina por anos, antecipando tendências de mercado e de gastronomia. O estabelecimento original foi fechado em 1923, mas, até hoje, um restaurante funciona com o mesmo nome em Manhattan.
Depois dele, a contínua imigração estrangeira que afluía à cidade ia fomentando a criação de restaurantes típicos de seus países. A população crescente e o fluxo de visitantes faziam com que a cidade se consolidasse como um dos principais centros gastronômicos do mundo: italianos, chineses, japoneses, mexicanos, coreanos, ucranianos, gente do mundo todo que ajudava a moldar o perfil cultural e a alimentar da cidade.
O restaurante Balthazar é um dos mais procurados por servir o brunch, uma mistura de almoço com café da manhã. Foto: Cláudia Silveira/Cortesia
SEM ESPAÇO
Hoje, Nova York é a maior cidade dos EUA, com uma população de mais de oito milhões de pessoas. O aperto e a densidade demográfica tornam comum a vida em apartamentos pequenos, muitos sem espaço real para preparo de alimentos. Esse é um dos motivos pelos quais a cultura da cidade valoriza tanto os restaurantes. O nova-iorquino tradicional é acostumado a fazer todas as refeições na rua. Ele toma café da manhã a caminho do trabalho, se o clima permitir; almoça um prato rápido em alguma praça (um sanduíche ou uma salada comprada em supermercados como o Whole Foods) e se encontra com amigos à noite para jantar em um restaurante cuidadosamente selecionado. Para ele, comer fora é uma ciência e uma forma de arte, explica o guia local Not for tourists.
A cada ano, cerca de 46 milhões de visitantes passam por Nova York. Nesse fluxo, há mais de 350 mil brasileiros. Quem chega à cidade agora encontra comida de qualidade por toda a parte. Alguns dos chefs mais premiados do mundo têm restaurantes por lá, e a busca por um prato perfeito é uma obsessão de quem mora ali, transmitida com facilidade para cada visitante.
A cidade tem 71 estrelas do guia Michelin, uma das mais respeitadas referências internacionais em gastronomia. Já a revista Restaurant inclui seis dos 50 melhores restaurantes do mundo na Grande Maçã. Os mais aclamados por esses guias são o Daniel, Le Bernardin, Per Se, Jean-Georges, Masa, Momofuku Ko e Ssäm Bar, WD-50 e Eleven Madison Park.
Um jantar nesses lugares pode facilmente custar mais de US$ 150 por pessoa, e conseguir uma mesa para gastar essa fortuna em lugares como o Per Se pode ser improvável. Mas há formas de experimentar parte desses cardápios tão valorizados sem gastar tanto dinheiro nem disputar reservas. Uma delas é conhecer casas menos badaladas dos chefs mais premiados. Daniel Bouloud, do Daniel, por exemplo, tem o restaurante DBGB, opção barata e ainda muito boa. A outra forma de baratear a refeição excepcional é dar preferência ao almoço, que pode custar menos de um quinto do valor do jantar em locais como o Le Bernardin, o Jean Georges e o Eleven Madison Park.
Mas, na cidade dos mimados, toda a badalação muda com frequência. O ideal, então, é ignorar o que dizem os guias de turismo e fazer como os nova-iorquinos: comprar a edição mais recente do guia Zagat (chamado de Bíblia da gastronomia local), procurar o que há de mais atual na revista Time Out, dar uma olhada no site de referências Yelp.com e seguir o instinto. O melhor de Nova York pode não ter sido descoberto até agora.
COMIDAS COM A CARA DA CIDADE
Os nova-iorquinos costumam fazer fila nas barracas espalhadas pela cidade em busca de um almoço rápido. Foto: Daniel Buarque
Encontra-se de tudo para comer em Nova York. Essa variedade é uma das suas principais características. Construída como entreposto comercial, ela permanece sendo uma mistura de culturas e oferece cardápios étnicos diferentes. Mesmo assim, desenvolveu perfil próprio, e esses são os pratos mais identificados com sua personalidade.
GRANDE OSTRA
O seu primeiro símbolo gastronômico foi a ostra, encontrada em abundância no estuário dos rios East e Hudson. Não existem mais tantos moluscos bivalves na região, mas alguns restaurantes os mantêm em seus cardápios. O Oyster Bar, na Grand Central Station, se tornou um ponto turístico por manter essa tradição viva.
NA RUA
A comida encontrada em todas as partes da cidade e que é reconhecida como uma imagem-símbolo da alimentação local está nas carrocinhas de cachorros-quentes, com seus minissanduíches preparados com salsichas especiais e servidos apenas com mostarda. Há carrinhos vendendo culinárias diferentes, sempre inovando no cardápio. É a comida itinerante, especializada e atraente.
EM RETALHOS
A pizza está enraizada na gastronomia local. Vendida em fatias triangulares, em balcões encontrados em todo quarteirão, tem tempero e textura únicos, atribuídos à qualidade da água da cidade que é utilizada em seu preparo. É uma iguaria clássica, com coberturas diferentes, mas sem o queijo e o orégano, ingredientes da pizza no Brasil.
CHAMPAGNE DE TORNEIRA
O líquido que sai das torneiras novaiorquinas é tão puro, que muitos americanos chamam de “o champanhe das águas”. Não precisa filtrar e nem comprar água mineral nas ruas.
PEQUENO ALMOÇO
Nos finais de semana, o que simboliza a alimentação em NY é o brunch, refeição que mistura café da manhã e almoço, servido longamente e sem pressa. São pratos com ovos e carnes, panquecas e batatas, acompanhados por suco e mimosa (coquetel com espumante e suco de laranja).
SUPERESPECIALIZAÇÃO
A cozinha de prato único é costume novo, com a proliferação de restaurantes especializados em fazer só uma coisa. Um serve só almôndegas (Meatball Shop), outro é especializado em macarrão com queijo (S’Mac), e mais outro serve diferentes preparos de arroz-doce (Rice to Riches).
DONUT DE CIMENTO
O equivalente nova-iorquino do croissant é o bagel, pãozinho redondo com um furo no meio, apelidado de “donut de cimento”, de tão densa e pesada que é a massa. Os bagels são o maior símbolo do café da manhã e toda esquina tem pequenas lanchonetes, barracas e bodegas em que esses pãezinhos aparecem, sendo partidos ao meio, torrados e recheados com queijos cremosos e frios. Eles têm uma cobertura levemente crocante, resistente e dourada.
PASTRAMI
Um dos principais clichês do turismo é uma das coisas mais gostosas da cidade. O sanduíche de pastrami em pão de centeio vendido na Katz Delicatessen é delicioso, suculento, com recheio de carne que se desfaz na boca. A Katz é a mais famosa das delis, a casa comum da comunidade judaica. Ela se tornou um fenômeno global depois que apareceu no filme Harry e Sally, com a personagem interpretada pela atriz Meg Ryan fingindo um orgasmo em público.
DANIEL BUARQUE, jornalista.